Crônicas Veríssimo: Crise – Orgias

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Crise

Um dia você estará na praia e fará “Aaaaah…”. E pensará: vida boa. Está bem, não tão boa. Há gente morrendo de fome em várias partes do mundo, inclusive na minha vizinhança. Gente se matando, Bolsas caindo. A Aids. O governo brasileiro. A falta de dinheiro. Mas aqui, nesta praia, sob este sol, com este ventinho de primavera correndo vez que outra pelo corpo, como caldo sendo passado num assado para ele não secar, a vida é outra coisa. Uma praia tem isto de bom. A gente tira a roupa e, de repente, está em contato com as coisas básicas da existência. Sente a areia sob os pés nus. Sente o chão do planeta. Nada entre você e a Terra. Nem asfalto nem sola de sapato. O cheiro do mar. O cheiro antigo do mar. Quantos cheiros do nosso dia-a-dia são os mesmos cheiros que um homem primitivo conhecia? Pouquíssimos. Só os cheiros naturais. O mar, o mato, a terra molhada pela chuva, os cheiros do próprio corpo. Bom, pensará você, eu estou cheirando a loção de barbear, desodorante e creme bronzeador, coisas que o homem primitivo não usava. Se por alguma mágica eu fosse transportado neste minuto para a Pré-história, causaria uma sensação nas cavernas. Por causa do calção e dos óculos escuros, claro, mas principalmente por causa do cheiro. Os pré-homens me cercariam aspirando forte. Como eu explicaria ter o cheiro de um campo florido? Mas este cheiro de mar é o mesmo desde o começo do mundo. Quando tira a roupa na praia, o home se despe, simbolicamente, das camadas de civilização que impedem o seu contato direto com a natureza, ah! vida boa. Só não tiro o calção também porque, afinal, há as famílias. Aqui nada pode me atingir. Estou em casa, entre os elementos. Sou um molusco no meu habitat. Respiro o bom e farto oxigênio posto no mundo justamente para o meu sustento. Ninguém me consultou, mas eu não mudaria este arranjo por nada. Deus, o primeiro autocrata, fez o mundo como bem quis, sem ouvir as bases, sem plebiscito. O que, pensando bem, foi a nossa sorte, pois, se o Criador tivesse optado pelo método democrático, o universo não estaria pronto até hoje e estaríamos perdendo todos os bons seriados na TV. Vivemos no mundo como ele nos foi dado e ainda não ouvi ninguém chamar o processo de fascismo divino. Eu, pelo menos, não me queixo. Acho o universo um barato e não faria o mundo diferente, apesar de concordar que certas coisas – Saturno, por exemplo, e todo o repertório de Julio Iglesias – são de gosto duvidoso. Já o morango, arco-íris, a estrutura molecular, trigal, mulher, estrela-cadente – olha, Deus: gênio. Estou bem, estou protegido. Aqui, deitado nesta areia cálida, sinto o meu planeta se mexer com a doce familiaridade de um berço embalado. Somos uma raça antiga, temos um velho acerto com esta velha bola que gira em torno do velho…

– Você leu sobre a capa de ozônio?
– O quê?
– Desculpe, estava dormindo?
– Não, não. Capa de quê?
– Ozônio.
– Que que tem o ozônio?
– Descobriram que está desaparecendo.
– Como desaparecendo?!
– Acabando. É a capa de ozônio que filtra os raios solares e impede que eles nos façam mal. Descobriram que tem um buraco na capa de ozônio e ele está aumentando.

E agora?, pensará você, juntando suas coisas, toalhas, revistas, família, para fugir do sol. Só faltava esta. A crise chegou à estratosfera. Emigrar para onde?

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