South Park – A Fenda que Abunda Força | Flatulência heroica! (Impressões)

Inesperado. Essa é uma boa palavra para definir como um todo a experiência que tive com South Park – A Fenda que Abunda Força nestas últimas semanas. E não digo isso pelo humor que salta entre politicamente incorreto, provocativo e um tanto infantiloide, pois é que se espera de South Park afinal. Entretanto é sua abordagem e suas mecânicas que tornam o título um dos grandes acertos desse segundo semestre de 2017 em termos de bons jogos que devem ser jogados.

A começar que ter jogado o primeiro game lançado na geração passada (The Stick of Truth) ou acompanhar a série animada, que existe desde 1997 e atualmente está em sua vigésima primeira temporada, não são requisitos obrigatórios para quem se interessar em jogar A Fenda que Abunda Força.

South Park é uma destas franquias que até quem não acompanha conhece um pouco a seu respeito. Faz parte da cultura pop tal como Os Simpsons, ainda que seu público não seja tão amplo quanto o da família amarela. Todo mundo meio que conhece um pouco os personagens, seu estilo gráfico e gags que o programa possui, até porque em muitos casos tais momentos viraram polêmicas a respeito do tom ou a falta de um limite para até onde se pode fazer humor a respeito de certos assuntos.

Enfim, em todo caso A Fenda que Abunda Força não compromete a compreensão de quem está chegando agora a este universo e personagens, o que é um aspecto bem convidativo. Eu mesmo não tive a oportunidade de jogar o game de 2014 e também faz anos que não acompanho o seriado. Sequer sabia a respeito dos poderes do Kenny ou que ele não morria mais em todo episódio como acontecia em suas primeiras temporadas. O game me instigou a ir procurar a respeito, ainda que a trama do jogo não faça questão de que o jogador saiba mais a fundo estes detalhes da cronologia da série.

Posicione e mova-se em turnos

A grande sacada do game está, a meu ver, em suas mecânicas e um gameplay aditivo, que vicia rapidamente, instigando o jogador a continuar avançando pela sua experiência, encontrando novas situações e desafios.

E foi sagaz os desenvolvedores terem remodelado a forma como o combate acontece em contraste com o que era no primeiro game da série. Em The Stick of Truth o combate em RPG seguia um modelo mais classudo, das antigas, com batalhas por turnos através de menus. E lá funcionou porque o jogo tinha um certo apelo nostálgico em relação ao gênero em si, enquanto usava uma roupagem do universo de South Park.

Agora em sua continuação foi retirado esse modelo estático de batalha para colocar um modelo estratégico, na qual o jogador tem blocos (casas) para andar e posições que teve se posicionar para usar certos ataques e a eficácia do alcance do mesmo. Manteve-se o modelo de turno, onde se tem tempo à vontade para decidir o que fazer, porém a batalha agora tem como infraestrutura algo como um tabuleiro onde cada inimigo e cada membro da sua equipe é uma peça que precisa estar estacionado em um bloco de área.

E não é como um jogo de dama ou xadrez. O jogador se move quase livremente, sendo que existe um limite até onde ele pode andar em um turno, mas o mais importante é o alcance de blocos que seu ataque pode dar dano no inimigo, sendo que não trata-se de ataques que sempre vão atacar em linha reta, podendo dependendo do tipo ser em diagonal, de múltiplos lados e assim por diante.

E vai se adicionando mais estratégias em cima dessa ideia. Puxar ou empurrar inimigos dependendo de como o jogador desejar tirá-los de um lugar que lhe dê desvantagem, como na intenção de proteger um aliado que se encontra ferido. Usar ataques que causam danos por status, como sangramento, nojo (que faz o inimigo vomitar a cada rodada) ou queimado, sendo que há também outros tipos como aumento e queda de defesa e ataques, além do confusão, que faz o inimigo se confundir e atacar um aliado, ou se o jogador for confundido a perder o controle de seu personagem a qual ele passa a atacar sua equipe.

Não é só isso. O jogo oferece uma quantidade considerável de personagens para o jogador ter dentro de sua equipe, ainda que simultaneamente controle sempre quatro deles. São diversos personagens da série, nesse caso apenas do elenco infantil, sendo que eles são bem diferentes entre si, funcionando entre as muitas classes de heróis que existe dentro do jogo. Cada classe com golpes e especiais próprios, onde podem se focar em defesa, ataques físicos ou psíquicos, que funcionam melhor à distância ou próximo, com danos de elementos ou aqueles que são bom para ataques individuais e aqueles que possuem ótimos golpes que detonam múltiplos inimigos.

Isso faz com que o jogador esteja a todo momento mexendo com sua equipe. É impossível ter uma única equipe do começo ao final do game. Até mesmo porque a história obrigada em diversos momentos a experimentar outros personagens, deixando sempre um ou dois fixos de acordo com o que o enredo está trabalhando.

Elogios também para algumas das batalhas de chefes ao longo da campanha, que demorei um pouco mais de 20 horas para completar. Há diversas situações onde não basta lutar contra um inimigo até que sua barra de HP chegue ao fim. O game cria cenários onde é preciso fugir, aguentar em pé por alguns turnos até que algo aconteça, as vezes é preciso de um recurso extra ou que eventos inesperados mudem os rumos das batalhas. São batalhas únicas e que surpreendem a experiência, sem comprometer a estratégia em si.

Em termos gerais, South Park – A Fenda que Abunda Força não é um game excessivamente difícil, mas tem lá seu desafio. Não é um daqueles RPGs onde o jogador não precisa tomar cuidado em alguns momentos. Sempre uso como medida nestes casos me ver obrigado a usar invocações ou itens para não ser derrotado em batalha. RPGs onde não me instigam a usar tais recursos sempre me dão a impressão de estarem mais desbalanceados e acabam se tornando uma experiência mais rasa. No caso deste South Park me vi em diversos momentos encurralado, onde precisei de itens e das invocações para passar por uma batalha. Não foi sempre, mas teve seus momentos, o que pra mim já é um fator positivo.

O que talvez o game perca um pouco de pontos é que as batalhas mais genéricas, contra personagens que ficam no mundo aberto do game, que servem meio como um grinding para que se mantenha o nível de poder equilibrado com certo momento da trama normalmente são bem fáceis e não oferecem uma experiência muito diferente entre si. Se repete bastante tais combates, porém é o que se pode esperar de um RPG, certo?

Mais próximo ao fim do game, o jogo meio que entende que estas batalhas genéricas já cansaram e tenta misturar um pouco o núcleo de inimigos, o que cria alguns momentos mais interessantes e desafiadores, porém achei que esse momento chegou um pouco mais tarde do que gostaria. No ponto em que isso aconteceu já estava louco para avançar pela história e não me vi interessado em ficar batalhando.

Último ponto a respeito do sistema adotado nesse game e que merece destaque diz respeito a diversidade de classes que o jogador tem acesso ao longo da campanha. Inicialmente são apenas três classes de heróis, com poderes e habilidades distintas, mas logo esse leque vai se abrindo e muitos outras novas classes surgem, dando inclusive a liberdade do jogador misturar os golpes dessas classes formando assim um personagem único, que nenhum outro dos outros membros da equipe irá se espelhar.

Explore South Park

Esse conceito já existia no primeiro game, da liberdade do jogador andar por toda a cidade de South Park, entrando nas casas dos personagens e descobrindo segredos da cidade. Foi a primeira vez que os criadores do show mapearam a cidade, e aqui na sequência o modelo foi mantido.

Como informei alguns parágrafos acima, não tive a oportunidade (infelizmente) de jogar o game anterior, então foi bem divertido explorar a cidade pela primeira vez. Vi relatos de jogadores que se cansaram disso rapidamente após as primeiras horas da campanha, mas sinceramente não achei um grande problema, pois o jogo possui diversos pontos de viagem rápida que são destravado conforme o jogador vai acessando novas áreas pela primeira vez. Os loadings de se viajar assim são bem satisfatórios e há somente um momento singular da campanha onde estes pontos de viagem são obrigatoriamente desligados.

E explorar South Park não significa apenas andar e ficar batalhando contra inimigos genéricos. Estas batalhas, por sinal, nem são tão frequentes quando talvez esteja fazendo parecer. Na maior parte do tempo o jogador vai se encontrar buscando mesmo os muitos colecionáveis existente no jogo.

Existem diversos colecionáveis na campanha, talvez a mais expressiva seja as selfies que se deve tirar com quase todos os personagens presentes na cidade. E nem todos aceitam tirar esse selfie na primeira vez que se pergunta para a pessoa, sendo então obrigatório o jogador realizar alguma ação para conseguir a foto, seja comprar um item ou aguardar um ponto da trama para reencontrar tal pessoa e só aí ela aceitará tirar a foto contigo.

Há também cartazes que devem ser restaurados, uma quantidade imensa de desenhos orientais que estão espalhados por toda a cidade (e é um das piadas do jogo com animês e mangás), bolsas e mochilas com itens de fabricação, além de uniformes extras para seu personagens.

Muitos destes colecionáveis não são acessíveis na primeira vez em que são encontrados, sendo necessário esperar até destravar habilidades que irão auxiliar o jogador a interagir com o cenário do mundo aberto. Estas habilidades envolvem formar parcerias com outros membros da sua equipe.

E, não posso esquecer, há também as privadas. O jogador deve dar uma cagada em todas as privadas presente no game. O que se ganha com isso? Nada realmente expressivo, mas é um mini game que inicialmente é divertido e é uma forma que os desenvolvedores arrumaram para fazer com o que o jogador entre em todas as casas de South Park.

Falando sobre o início do game, dá para se dizer que o título tem uma curva inicial meio lenta. As duas ou três primeiras horas da campanha é muito mais sobre explorar, caçar itens e evacuar nas privadas das casas alheias do que sair batalhando e entrando em combates mais engenhosos. O ritmo é meio estranho inicialmente, mas melhora consideravelmente a partir do momento em que o jogador passar a ter quatro membros em sua equipe. Aí o jogo deixa a exploração de lado e se dedica mais as mecânicas do combate estratégico, as insanidades da trama e em escalonar o desafio como um todo.

Gatos perdidos a tramas nefastas

A trama de A Fenda de Abunda Força foi um elemento que inicialmente não me despertou interesse, mas após justamente essa curva inicial ser ultrapassado, na qual o jogo apresenta vagarosamente suas mecânicas e a cidade para se explorar, o roteiro cresce em um nível tão absurdo que fica impossível não ser conquistado pela história.

O game começa fazendo a transição da brincadeira da criançada da cidade que ainda está brincando de cavaleiros, dragões e magos do game anterior quando Cartman surge como o Guaxinim e leva parte da molecada para brincar de super-herói. Logo todas as crianças da cidade entram no clima da brincadeira.

Inicialmente o objetivo deles é encontrar um gato perdido, na qual a recompensa de 100 dólares irá permitir, segundo Cartman, o financiamento de uma franquia de filmes e séries baseado no universo em que eles estão brincando. Obviamente o jogo faz uma brincadeira com o universo Marvel dos cinemas (e na Netflix, que é até mesmo mencionada em uma das piadas dentro do game), enquanto os rivais no jogo fazem o contraponto, em uma equivalência aos X-Men, que apesar de coexistir no mesmo universo não pode legalmente se misturar. Esta armado a Guerra Civil entre Guaxinim e Amigos (Coon and Friends) e o Amigos da Liberdade (Freedom Pals).

Só que o roteiro vai escalando a trama conforme novos elementos vão sendo inseridos e quanto mais perto de resolver o mistério dos desaparecimentos dos gatos de South Park vai se revelando uma figura misteriosa surge como o algoz de todo um grande esquema ilegal de… bem… é melhor não revelar isso. Mas particularmente digo que achei genial! Basta dizer que o vilão escondido do game é uma grande sacada dos produtores, e uma referência das antigas do seriado, que mesmo que o jogador não conheça, não faz ser menos hilário.

E é interessante que o game brinque com a história, onde em certos momentos fica óbvio que as crianças estão em um jogo de faz de conta e criatividade absurda e em outros você tem certas dúvidas e questionamentos onde é imaginação e onde a realidade ficou comicamente absurda, insana e surreal. O que faz sentido dentro do humor proposto por South Park.

Fora que há todo um contexto que coloca um status de modernidade ao game quando se analisa mais de perto a excelente ideia de dar smartphones para as crianças, onde a progressão de seu personagem acontece por meio de um aplicativo no celular e uma rede social que Cartman criou especialmente para a brincadeira e serve como uma paródia para Instagram e Facebook.

Em uma avaliação mais ampla dá para dizer que o humor e as piadas de A Fenda que Abunda Força me agradaram no geral, entretanto aconteceram dois ou três momentos em todo o game que achei meio vergonhoso e extremamente sem graça certas situações que obviamente os criadores de South Park, que escreveram o roteiro do game, erraram o compasso da brincadeira.

Uma destas situações de humor ruim é um dos segmentos que já haviam sido mostrados antes do lançamento do jogo, onde o jogador precisa dançar no colo de um adulto em um clube de strip peidando na cara do mesmo. Todo esse segmento não é tão legal assim (exceto a batalha final que exige fugir do chefe que é muito bem estruturada). Parece um humor muito errado, ainda que entenda que South Park é famoso por não ter limites.

Outro ponto é a relação de comédia que se tem com o garoto protagonista, chamado apenas de Novato, que tem um caso de flatulência tão grande que pode distorcer a linha do tempo e espaço. Isso é legal, admito, mas descobrir que todas as situações do game são resolvidos com peidos não é uma coisa que me fez morrer de rir. É curioso como as animações norte americanas tem essa relação com gases como se fossem a coisa mais engraçada do mundo. E não é, minha opinão, claro.

O problema aí é que crianças (não das do jogo, mas as de verdade) acham peidos engraçados. E acham de gargalharem e ficarem se ar (piadas de peido em animações no cinema provam esse ponto). O caso é que South Park A Fenda que Abunda Força não é um game indicado para esse público infantil. Por sinal, aqui no Brasil a classificação etária do game é acima de 18 anos. Eu mesmo joguei todo o game sem a presença do meu filho de 5 anos. Não achei sequer apropriado para ele me ver jogando.

O game brinca com sexualidade, racismo, drogas, opção sexual, religião, política, é desbocado e tem violência excessivamente gratuita (ainda que seja algo animado no estilo de South Park) e coloca crianças em situações onde claramente crianças reais não deveriam se colocar. Enfim, South Park sempre foi um show para adultos, então não é algo que deve ser criticado, mas sempre observado, especialmente para o público a qual ele obviamente não é indicado. Não é diferente de outros programas como Rick e Morty, Um Família da Pesada ou filmes como Ted. São produções que atiçam a curiosidade das crianças, porém cabe aos pais avaliarem se é devido ao não dependendo da maturidade e idade do pequeno. No meu caso, achei inapropriado. É um jogo para adolescentes em diante. E quando digo isso, não me refiro a necessariamente apenas a jogá-lo, mas até mesmo deixar uma criança assistir alguém jogando.  E respeito, para ficar bem claro, esse ponto não é um demérito, South Park é assim mesmo.

Considerações finais

South Park – A Fenda que Abunda Força é um excelente game, em vários aspectos. A jogabilidade é uma delícia, com uma grande variedade de personagens, vários tipos de golpes e estratégias que podem ser pensadas combinando os diferentes personagens que podem ser usados ao longo da história.

Os combates possuem um fluxo que tendem a se repetir em alguns momentos, mas é algo inerente ao gênero RPG, não há como evitar, porém os desenvolvedores souberam criar ótimas e diferentes batalhas dentro da trama que chacoalham o ritmo e a dinâmica ao longo de toda a campanha.

A história pode não lhe conquistar de cara no começo, devido a curva um pouco lenta do game para engatar em todos seus aspectos, porém quando a trama começa a ficar maluca a coisa escala e não para mais e o jogador entra na insanidade que South Park é. Afinal quem não quer viajar em um unicórnio que peida arco íris junto com um peixe falante até os portões do paraíso só para tirar uma selfie com Jesus? Pois é!

O humor é exatamente o que se espera de South Park e o jogo inteiro pode soar como uma grande temporada do seriado. Um episódio de mais de 20 horas de duração. Quem é fã desse universo vai se sentir em casa. Escrito pelo criadores do show não havia como ser diferente.

A versão nacional também oferece boas opções em termos de localização. Eu não gosto de South Park dublado, mas é muito legal que a Ubisoft tenha contratado os dubladores nacionais do desenho para suas contra partes no game. E está impecável a dublagem, com palavrões e piadas bem localizadas. E para quem não curte a dublagem (meu caso) todo o game pode ser jogado em inglês com legendas em português, sem que se tenha que mudar idioma do videogame. Está ali nas opções de menu mesmo, o que é excelente.

Ah vale lembrar que as cópias físicas do jogo estão incluindo uma key digital para South Park: The Stick of Truth, tanto no Xbox One quanto no PlayStation 4. Porém estes keys possuem um alerta de que devem ser resgatadas até o final de janeiro de 2018. O site oficial do jogo também reforça esse aviso.

Por fim, South Park – A Fenda que Abunda Força é um dos melhores games do semestre. Mecanicamente ele funciona dentro de sua proposta de RPG estratégico ao mesmo tempo em que oferece e respeita o legado da série. É divertido e quando não se está forçando uma piada acaba sendo muito, mas muito engraçado e oferece um ótimo desafio e imersão dentro de um mundo muito, mas muito estranho que é a vida dessas crianças de South Park.

Galeria de imagens

Fãs de South Park irão se sentir em casa
Ótimas mecânicas e jogabilidade
Passado o ato inicial, a trama se torna genial
Engraçado, exceto quando se força uma ou outra piada
Localização BR perfeita, opção de dublado ou legendado
Muitos personagens, classes e golpes diferentes
Boas batalhas, especialmente em chefes

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