Crítica | O Rei Leão 3D – Eu Fui! (Sessão Nostalgia)

O que separa os clássicos de simples filmes antigos? E quem decide isso? Não sei, não me interessa. Rei Leão é clássico absoluto, símbolo do verdadeiro significado da “magia Disney” e bomba emocional para todos que foram espertos o bastante para se apaixonarem por ele em 1994. Não é à toa que, 17 anos depois, sua reestreia lota salas de cinema com marmanjos barbados inevitalmente levados a lágrimas quando “Circle of Life” começa a tocar, transformando o lugar em uma grande máquina do tempo.

A experiência de rever esse que é meu grande favorito dentre filmes de animação (e talvez até dentre todos, se eu os comparasse), numa sala de cinema, chorando e rodeada por pessoas chorando e cantando Hakuna Matata junto com o filme… foi algo que não me acho capaz de descrever. Ainda assim, nesse Eu Fui! lembrarei dos grandes momentos, falarei de aspectos técnicos, da dublagem e do que mais vier à mente enquanto ouço a trilha sonora.

Spoilers? Bom… se você ainda não viu O Rei Leão, tome vergonha na cara e providencie a redenção de tal pecado. O post foi escrito assumindo que todos aqui já assistiram isso ao menos uma vez, e que o verão de novo pela nostalgia. Portanto, sim, lotado de spoilers.

A paz em Pride Rock

Mufasa, grande rei e pai, poderoso, imponente, sábio. Todos os ensinamentos que dá a Simba conseguem nos tocar, de uma forma ou de outra. Nunca vamos praticar nos enfiar na grama para atacar um pássaro, mas a forma como a relação pai e filho é demonstrada em todas essas cenas é impecável. E quem assistiu O Rei Leão 2 sem preconceitos com certeza viu como essa característica foi bem adaptada para Simba e sua filha Kiara, mas isso é conversa pra outra hora. Neste primeiro filme, tanto a apresentação do reino, do topo da Pedra do Rei, quanto a repreensão do filho pós o incidente com as hienas controem perfeitamente a relação de respeito e admiração do filhote pelo pai. Vemos também, nesse início, a curiosidade e a esperteza de criança, o desejo de se provar tão bom quanto o pai, e o medo deste de perder o filho. A ida de Simba e Nala ao cemitério de elefantes marca o tom das partes tensas que veremos logo no início. A audácia do pequeno (“I laugh in the face of danger, hahahahaha!”), o pavor de quando chegam as hienas e a coragem, superando o grande medo, pra defender a amiga e tentar se impor.

Toda essa primeira parte é voltada para nos acostumarmos com os personagens, enterdermos como cada um se sente. Se vemos que Scar tem raiva e ciúmes de Mufasa e, por tabela, de Simba, será que imaginamos a forma como ele o matará? Em que outro filme Disney o vilão chega às vias de fato em algo desse tipo? Bambi é o único que, como ele, faz com que nos afeiçoemos a um personagem antes que ele morra, provoque mudança no filho e então passe o tempo (filmes bem parecidos nesse sentido, aliás). Merece crédito também por ser de 1942, muito antes de O Rei Leão mostrar Mufasa morrer daquela forma, ainda que, convenhamos, a morte de uma mãe seja normalmente mais emotiva em filmes, sem grande esforço. Tirando esses dois, porém, a mãe da raposa de O Cão e a Raposa e, mais recentemente, a mãe do Nemo em Procurando Nemo são os únicos exemplos existentes, mas diferem de Bambi por não nos importarmos tanto com aquela morte. Não havia, neles, cenas de carinho, convivência ou aprendizagem entre pais e filhos. Fora esse critério, Rei Leão ainda se destaca por creditar essa morte importante ao vilão do filme, o que em Bambi é algo mais abstrato. Como disse, Scar é único. Parecido com ele, apenas Sabor, o tigre de Tarzan, que mata os pais do pequenino, mas não movido por ganância ou coisas do tipo, e a morte não tem tanta importância também, pelo motivo anterior.

The infinite sadness… e Hakuna Matata

O estouro da manada, Simba em perigo, a excelente música dessa parte (“To Die For“, Hans Zimmer), Mufasa se atirando para salvá-lo, o desespero de não voltar a aparecer, e de repente, está salvo! Ou não. Simba não vê, mas Scar mata seu pai da forma mais fria e planejada possível. “Long live the king!!” seguido de “Noooooooooo!” é chocante. Não sabemos se morreu ou não, o que aconteceu, e então a música entra na parte lenta, vemos Mufasa estirado no chão, o rosto apavorado de Simba… “Dad? Dad, c’mon. You’ve gotta get up.” e mais triste “Dad! We’ve gotta go on.”, tentando acordá-lo, mordendo a orelha, da mesma forma carinhosa com que o acorda no início do filme, e então se afasta, percebendo que não tem o que fazer. “Heeeeeeeeelp!”; grita por ajuda, com a expressão mais angustiada que já vi em uma animação. “Somebody!! Anybody…” qualquer um serve… apenas ajudem o pai dele. “No…” e finalmente as lágrimas. Nem preciso dizer que o cinema, nessa hora, era só gemidos e func func de narizes escorrendo. Todo mundo no meu raio de visão estava chorando e tirando os óculos 3D pra limpar os olhos. Todos.

O conforto do pequeno filhote junto ao corpo inerte do pai é interrompido. Scar chega para culpá-lo da morte e o faz fugir, apavorado. É só uma criança, com a cabeça totalmente virada por um vilão cruel. Foge, e embora saibamos, por ser o protagonista, que vai voltar, ganhar e etc, o estado em que Simba fica é muito triste. É, acima disso, revoltante, pela forma como Scar tem sucesso em manipulá-lo. Depois de crescido isso é ainda pior. Realmente me irrito com a forma como deixou de pensar nisso, colocou pra baixo do tapete, finge que não tem mais jeito. Nesse sentido, aliás, tenho mixed feelings quanto a Timão e Pumba. Por mais que o tenham salvo da morte e reanimado seu espírito, é como se o tivessem desviado do caminho. Nunca totalmente, claro, o que fica óbvio pelo incômodo de Simba quando conta a eles sobre os reis ancestrais estarem nas estrelas e rirem da cara dele. Hakuna Matata, “the problem-free philosophy”, nada mais é que a fuga da culpa e da tristeza, mas isso é uma análise muito de fora. Pra quem está assistindo, com o coração pesado depois da cena da morte, era tudo o que nós, também, queríamos. Um momento leve, para nos recompormos antes de mais uma problematização e o clímax. A passagem do tempo e um Simba adulto, bonito e forte também é ótima. O vemos sorrir, brincar, e ainda assim se entristecer ao lembrar do pai. A culpa.

O amor e o retorno do rei

Pride Rock completamente devastada pela má administração de Scar, até as hienas já passam fome. Nossa tristeza pelo que se deu com o legado de Mufasa, o filme querendo que sintamos vontade de empurrar Simba de volta pra lá. Nesse momento, Nala caçando Pumba é uma das minhas cenas favoritas do filme. A subsequente briga de Simba com ela e então o reconhecimento mútuo, êxtase do reencontro e a descoberta de sentimentos. “Can You Feel The Love Tonight” é a música da parte mais linda do filme, e também marca o início do fim. Confuso, em conflito com a culpa, os ensinamentos do pai, o estado deplorável de Pride Lands narrado por Nala e a fuga fácil proporcionada por Hakuna Matata, Simba vê a luz através de Rafiki, um dos personagens mais importantes do filme. A forma meio maluca, mas totalmente sábia, com que se comunica e age, a habilidade de instigar o jovem leão a segui-lo, correndo como nunca com a esperança de rever o pai, e então o confronto com o próprio. Mufasa é duro com o filho, o reprime por ter esquecido de quem é, esquecido do pai. É uma cena bem bonita. Simba entende, então, que tem que tomar uma atitude, e é Rafiki quem dá o empurrãozinho final, num pedacinho ínfimo do filme, mas com uma lição que serve pra todos nós:

Corre, então, voltando para tomar o que é seu. Nessa parte, pra quem assiste animê, seria o clássico “IKEEEEEEEEEEEE” (“vaaaaaaaaai!!!”) berrado por alguém. A desolação do lugar nós já tínhamos visto, mas não ele. Pra completar, Scar berrando “Saraaaabiiii!”, cobrando dela comida, e a rainha com ar mais nobre impossível, inabalável pelas hienas ou pelo “rei”, dando-lhe a notícia curta e grossa de que simplesmente não há mais o que caçar no reino, que eles terão que ir embora. A patada que Scar dá nela por mencionar Mufasa quase me faz levantar da cadeira, mas Simba se mexe antes. Muito agoniante as cenas seguintes, em que, mesmo que por curto momento, todos acreditam que Simba é mesmo o culpado pela morte do antigo rei, incluindo ele. Não sei vocês, mas mal-entendidos são top na lista de coisas que me deixam enfurecida. Em termos de impacto, porém, esse final não nos provoca grandes emoções, ainda que a luta contra o chefão seja até em câmera lenta. Os arrepios, então, ficam por conta de Simba subindo a Pedra do Rei, debaixo de chuva, e rugindo como o novo soberano das Pride Lands, com as leoas o imitando depois. É o triunfo final, antes do final feliz com a renovação do ciclo da vida. Lindo e forte.

Mais algumas coisas

Timão e Pumba: que fique claro aqui o quanto eu gosto deles, apesar do efeito de acovardamento que sua filosofia de vida provoca em Simba. São extremamente engraçados e carismáticos, indispensáveis para o filme como um todo.

Sarabi: a rainha por excelência, que poderia ser apenas uma sombra ao lado de Mufasa, mas que após sua morte, lidando com Scar, se revela de um caráter bastante impressionante. É a cena a que me referi mais acima.

Nala: uma das maiores personagens do filme. Forte (psicologicamente, apesar de que no outro sentido também), séria, sarcástica, charmosa e, bom, é a mocinha. Na cena da discussão dela com Simba, é quem está raciocinando com a cabeça, e mostra tudo que aguentou todos esses anos em que ele ficou fugindo de seu dever. É até idiota a forma como ele tenta revidar, mas a cena é também bonitinha, parecem um casal velho.

Scar: compete ativamente pela minha preferência como personagem. Esperto, vil, medroso, orgulhoso, único. Scar é desses personagens que ganham uma voz icônica, reconhecida por qualquer um que tenha visto o filme ao menos uma vez. Cheio de firulas e acentos, brincando com as palavras, sendo irônico. Não deixo também de ter pena dele, que foi a sombra de Mufasa provavelmente a vida toda. Sua música, no filme, é talvez a melhor das cantadas por personagens, mas não vou trazer aqui porque quero que vocês vão ao cinema ver, né.

No Brasil: somente dublado e em 3D; problem?

Notaram que todos os exemplos que trouxe até agora foram em inglês? Me desculpem por isso, imagino que todos ou a grande maioria conheça Rei Leão dublado, por ser o que habita suas memórias de mais jovens. Não quis ser purista ou algo do tipo, mas é que meu VHS desse filme era em inglês, e sem legendas, (contrastando com todos os outros filmes da Disney que eu tinha), e era o que eu mais assistia, uma vez depois da outra, por meses e meses a fio. Decorei as falas, as músicas, tudo, e aí, pra mim, ver em português não é a mesma coisa. Repito, não é uma questão de “credo, ver dublado”, porque qualquer outro filme Disney seria diferente; é questão de costume. Quem aqui prefere Dragon Ball Z PT-BR, mas nem pensa em ver animês atuais sem ser em japonês, entende o que digo.

Não tive escolha, porém, já que todas as sessões nacionais são obrigatoriamente dubladas. Vi assim mesmo, fazer o quê, e isso me fez notar algumas coisas. No geral, a dublagem é muito boa, principalmente do Scar, que conseguiu ter um afetamento realmente parecido com o do original. Sarabi não ficou tão boa assim, e a voz do Simba adulto é mais fina em português, mas nada demais. Rafiki é o que mais sofreu, porque o sotaque britânico de estilo macaco dele é sem igual no inglês. Alguns momentos de frases de efeito também sofreram com a necessidade de adaptação, mas é assim com toda tradução, né. Quanto às músicas, todas muito boas, ainda que com os mesmos problemas aplicados às falas. Faço uma reclamação, porém!! Qualidade do áudio bem questionável. Músicas e vozes estavam ok, mas os efeitos sonoros muuuuito baixinhos. Alguns momentos em que há sons de impacto, no cinema, que dariam aquele efeito de tremer um pouco a sala, mal consegui ouvir! Cenas como na manada e Mufasa salvando Simba perderam parte do impacto, me pergunto se fui a única a notar. Talvez, também, seja culpa de eu ver muito esse filme com fones de ouvido no computador, o que sempre aumenta nossa percepção dessas coisas.

Já o 3D… é o grande motivo para terem feito a reestreia desse filme, é verdade, e então agradeço, pela primeira vez, a essa moda, mas é pouquissimamente utilizado no filme. Nas cenas iniciais com os pássaros sobrevoando o reino, no abismo de espinhos de quando Simba foge de Scar, nos microtúneis de raízes pelos quais Simba se esgueira na perseguição a Rafiki e… basicamente isso. Efeitos de alguma parte da animação saltando aos olhos, mas totalmente desnecessários e “cheap”. Não atrapalha a apreciação do filme, mas só mostra, de novo, o quanto ainda não aprenderam a usar de forma mais criativa esse recurso. É uma pena que tenhamos que pagar mais pra ter um efeitinho que nem queríamos no filme e, no meu caso, sem nem poder escolher a dublagem, mas é o que temos, e vale toda a pena ir ver esse clássico no cinema. E queria eu, muito mesmo, que outros filmes antigos da Disney voltassem às telonas. Poderiam vir reclamar de “reciclagem de filme velho”, mas se o filme é bom, e paga quem quer, qual o problema? Acho sempre triste pensar que as crianças de hoje muito provavelmente nunca verão esses filmes, a não ser que os pais sejam fãs. Nada contra a Pixar, adoro os filmes dela também, mas eu realmente acredito na magia 2D da Disney.

Ficha Técnica

Título Original: The Lion King
Diretores: Roger Allers e Rob Minkoff
Roteiro: Irene Mecchi, Jonathan Roberts e Linda Woolverton
Gênero: Animação/Aventura
Elenco: Jonathan Taylor Thomas, Matthew Broderick, James Earl Jones, Jeremy Irons e Moira Kelly
Estréia nacional: 26/08/2011 (08/06/1994)
Duração: 89 minutos

The Lion King OST
Elton John, Tim Rice, Hans Zimmer

Tenho em mídia física esse belezinha épica, mas acho que as coisas boas têm que ser apreciados pelo maior número possível de pessoas, então disponibilizo aqui suas 12 faixas para download. Cliquem aqui.

“A true classic stands the test of time.”

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