Distrações: Memória Estranha e Aleatória

Palavras curtas sobre descrições e pátria, uma fuga do assunto do Portallos.

Estou atrasado, perco a hora, a de escrever e a de publicar. Enfim, muitas semanas atrás consegui um ingresso para Tim Maia – Vale Tudo no Oi Casa Grande. Julguem o quanto quiserem, nunca gostei de Tim Maia e não entrarei em detalhes. Gosto é gosto. Opinião é opinião.

Notei durante esse espetáculo como o contexto muda a realidade de uma pessoa, algo que já sabia. Não imaginava, todavia, que conhecer a história por trás do Tim Maia o tornaria uma pessoa tão diferente. Quero focar nesse tópico: contexto. Esquece o Tim Maia.

Qual o contexto de estar sentado e escrevendo sobre isso? É aquele tormento companheiro que nos persegue, ele nos passa a perna e paramos de fazer essa pergunta. Fazer a pergunta para qual não encontraremos resposta parece dificultar as coisas, tirar o pouco sentido ao qual nos seguramos. Nascemos com essa maldição, queremos uma interpretação da realidade que faça sentido mas nada disso faz qualquer sentido, convenhamos. E que realidade? Besteira. Por isso nós inventamos o sentido. Criamos o que queremos, extraímos o que necessitamos e sempre foi assim – vai mudar? Não interessa perguntas retóricas. Criar é a estupidez liberta pela inteligência e por isso a maior genialidade.

E aí criamos estes universos paralelos de loucura, excessos, sacrifícios e prazeres. E daí que inventamos? As coisas já são ocas, imagina se não as tivessemos criado. Criamos guerras, criamos monstros, criamos dungeons, criamos lendas, criamos desafios, criamos histórias que nunca foram contadas (recontamos outras), criamos achievements para poder sentir uma realização ou conquista e criamos distrações. E acaba sendo essas distrações que nos salvam, nos fazem inventivos sobreviventes – sobreviver é tudo que faço. Viver é outro departamento. Criamos a vida para que possamos morrer – e somente a morte nos é dada por nenhuma razão. O resto é conquista. Sou um estranho, vocês são estranhos. É um bizarro que só nós compreendemos. E conforme ganhamos a noção das coisas, colecionamos memórias, esquecemos de como é não existir – ora, eu ainda lembro! Lembro de tudo escuro, sons indistinguíveis e paz. Trata-se sempre da antiga habilidade: adaptação ao inevitável. Nasci. Ainda bem. Pressionamos o start e seguimos em frente. Continue. 10, 9, 8, 7, 6, não desista já, 5, 4, 3, última oportunidade para decidir, 2, 1, contagem suspensa.

Aos quatro anos, ganhei o meu primeiro console, o Sega Genesis. Não preciso nem dizer que o meu primeiro game foi Sonic the Hedgehog. Adoro pensar que essa seja uma origem, uma ponta pela qual começar. É um recheio do tempo em que nascia, crescia. Ainda cresço só que não como antes. Contudo, há mais por trás de assuntos um tanto esquecidos.

Joguei por um bom tempo no Sega Genesis. Não sabia nada sobre jogos, aprendi sozinho que era apertar os botões para atingir um objetivo: sobreviver e me divertir. Foi aí que tudo começou na minha cabeça teimosa. Dormia na frente do jogo às vezes, deixava o Sonic ficar batendo o pé. Acordava e voltava a jogar. Lembro de quase nada dessa idade mas o primeiro videogame é inesquecível. E acho que é pelo inesquecível que esquecemos todo o lixo que vai-se acumulando ao longo dos anos. Até fede. E ficamos com o inodoro, algo maravilhoso que já passou porém fica. E penso no Sonic sem pensar, inconsciente, escolho os botões e jogo.

Há acontecimentos aleatórios, dias e eventos que lembro e não sei porque o faço. Há essa lembrança daquilo que não fica esquecido até a morte, a lembrança de não esquecer, de não deixar ir. Não dá para deixar tudo se esvair pois coleciono a vida, procuro nos cantos mais remotos, os melhores motivos para ser como sou e ter segurança de quem serei. É uma vontade de ter o peso certo, a queda correta e o mais alto high score. Não interessa quantas páginas tem um livro – interessa as terem. Isso intriga-me, não sei se tenho páginas, se palavras ou se ambas. Palavras e páginas. E menos sei se as posso numerar.

Bastaria ter um disco externo para guardar tudo caso algum dia viesse a ter Alzheimer como o meu avô e perder a nostalgia, o pensamento caótico que não faz sentido. Assim que as coisas fazem sentido, tem claramente alguma coisa errada. Não faz sentido um cogumelo falar, um livro ter uma história que parece mais real que isso aqui, um filme alterar um raciocínio, um blog te fazer mais inteiro. E ainda assim, estimo esse não-sentido. Estimo a reação das pessoas ao que penso e ao que faço.

Acredito que já não sei escrever. As palavras não saem como deviam, não se adaptam, não se encaixam. Elas boiam, suspensas, abandonadas. Talvez seja o estresse, talvez o maldito contexto. Sei lá. É alguma coisa pela qual não me importo. Já me importei durante bastante tempo. Então, pensei que a solução fosse escrever.

Tenho uma aguçada suspeita de que não seja o único a ficar confuso sempre que um site pede para preencher uma pequena descrição. Não sei me descrever. Nem nos limitados caractéres, nem se me fossem dadas páginas sem conta. Aí invento quem sou, pego numa porção, enfeito e jogo lá na esperança de ter realizado alguma coisa – leia minha author box no fim deste texto para ter um exemplo. Fora o contexto, queria saber quem sou. Faz sete anos que perdi qualquer pátria que alguma vez tive. Ao menos pensei não ter mais nenhuma. E então lembrei: tenho memórias.

Não sou nada que finjo ser. Sou aquilo que penso, não aquilo que faço. Mas esse ser é muito solitário – nem eu lhe dou tanta relevância. Na esfera social, para mim não sou nada, para os outros devo ser algo que não compreendo. É complicado ser simplesmente. Nunca consigo integração. Fico à margem, mesmo quando reuno os maiores esforços, na dúvida se me mantenho isolado ou se me jogo no abismo. Queria poder pular, ser livre desse peso e cair somente o suficiente.

Procuro ser pelos outros sendo o meu limite e isso não funciona. Não há um lugar, uma cultura. É uma rede de gente que nem conheço, de gamers, nerds, geeks e leitores, cada um cuidando daquilo que estima. E o que estimo não consigo definir. São games, ficções, filmes, videos, séries, lugares, lembranças, pessoas, nem sei. Estimo a diversidade e a competitividade, também a liberdade por mais hilária que seja e vivo de ilusões reais – realidades ilusórias estou tentando jogar fora (reciclaria mas não dá certo). Estimo poder escrever sem pensar muito e assistir uma pessoa unindo milhões porque soube querer. Quero fazer o que Matt fez – alguém topa?

E descobri mais uma vez que sou antipático (egoísta não vale a pena repetir). Algumas pessoas me fazem sentir isso sem querer. Não posso contornar muito a situação, sou deformado para a sociedade e não lido tão bem com as pessoas. Admito e talvez esta seja uma ilusão real. Sempre tem algo me prendendo, me deixando pesado. É uma angústia não ser aquilo que se quer. Você sente uma falta de controle próprio aterrorizante como num jogo com controles que respondem mal à pressão dos dedos, ou páginas coladas – você fica com medo de rasgar as malditas páginas enquanto tenta separá-las. Eis que toda sepração, causa rasgos numa das partes. O mundo é indiferente a isso – ele está sempre distante mas unido. Aquilo que penso não se reflete naquilo que faço, para ser sincero. O pensamento é tão espontâneo e natural que se atira, livre. Sinto-me covarde perante ele, mesmo que ele seja eu num projeto inacabado, independente e desconhecido. Então, pulando para uma pergunta um tanto aleatória, o que é a pátria?

Não tenho identidade. Tenho uma carteira que alega ser uma identificação, sendo um número para contagem e controle – assuntos governamentais que não importam, não mesmo. Não sou os jogos que tenho aqui do meu lado ou os livros que li ou aquilo que escrevo no Portallos, sou o tempo que passei com eles. Existe uma diferença. Sou o desgaste, sou a consciência do que já não respira, a morte do meu consumo limitado. Não sou por escolha mas por contexto. Dizem que vivo errado – um acidente não passa pela vida como se ela tivesse um sentido certo, esses conceitos humanos estranhíssimos. O sentido, eu crio.

A pátria que tenho é o direito de não a ter, de ter deixado que a excluíssem de mim, de olhar para o mundo e ver o ser humano como um animal que procura prazer, satisfação, propósito, que consolida o seu contexto, que funciona como uma parte orgânica do acaso, convencido que tem alguma superioridade em virtude da sua inteligência. E constrói os seus prazeres, as suas certezas, os seus conhecimentos e morre ignorante, talvez sábio de nada.

Nunca planejei o fim desse texto. E não sei como terminar, não vejo um possível fim para algo que nunca começou, que não seria nem publicado. Por isso termino, não tenho outra opção. Ele continua pelos leitores ou morre naturalmente pelo silêncio. Abrupto.

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