Pirataria | Roube este episódio…

Aqui no blog o assunto da pirataria já foi pauta por diversas vezes ao longo dos últimos anos. As vezes de forma mais escancarada, as vezes nas entrelinhas de alguma conversa, e não há como ser diferente, afinal estar na internet é esbarrar nessa questão diariamente. E motivado por um episódio da 25ª temporada dos Simpsons resolvi trazer mais uma vez o assunto à tona por aqui, pois também estava em busca de um brecha para falar em questão sobre aquela baía dos piratas que todo mundo conhece, mas que ainda há muitos que nem fazem ideia de como navegar por estes mares.


The Simpsons – S25E09 – Steal This Episode

Mas antes de entrar nessa questão em si, quero elogiar o excelente episódio de Os Simpsons chamado “Steal this Episode” (não estou certo como foi traduzido aqui no Brasil o título, mas seria algo como Roube este Episódio), pois há muito tempo que não assistia um episódio da família amarela tão provocativo, bem humorado e no ponto certo do contexto dos dias atuais. Pra mim Os Simpsons teve seu auge, onde havia um contexto, os episódios representavam seu momento na história da cultura americana e até mesmo ditava um pouco as regras desse cenário da animação para adultos. Mas depois de 25 temporadas, é claro que esse força diminuiu e boa parte do show hoje em dia é pasteurizado, sem grandes momentos, sem críticas pertinentes e com muita coisa que te deixa com a impressão de já ter visto algo parecido em antigos episódios. Felizmente Simpsons ainda tem seus momentos, como no caso desse episódio em questão, que representa o nono episódio da 25ª temporada (S25E09).

A história do episódio em questão se resume ao fato do Homer querer assistir a um filme de lançamento nos cinemas, mas em determinado momento ele se revolta com preço do ingresso, com as pessoas na sala do cinema, com óculos 3D, com as propagandas exibidas antes do filme (e tudo isso é uma grande cutucada ao formato atual de modelo de cinema) e isso ocasiona ele ser banido do cinema sem ter assistido ao desejado filme. Nisso Bart, claro que seria o elo mais jovem, lhe apresenta o Pirate Bay (o nome não é mencionado no episódio, mas a referência é clara e óbvia), e um novo mundo se abre ao Homer, que resolve abrir uma espécie de clube de cinema ao céu aberto aos habitantes de Springfield e tudo vai bem até a polícia dos Direitos Autorais bater em sua casa e bem… o resto do episódio você precisa conferir por conta própria.

Eu gostei de uma cena em específico ao final do episódio, quando Bart e Lisa estão sentados numa sala de cinema e Bart pergunta a Lisa algo como “E aí, Lisa, afinal de contas, quem está errado nessa história? As pessoas que pregam a liberdade da internet e o livre arbítrio de compartilhar um conteúdo ou a indústria do cinema que alega prejuízos, mas que sabemos que ela também abuso de seu poder e aperta os bolsos dos consumidores?“, e a resposta da Lisa vem naquela direção de que “acho que todos estão um pouco errados e um pouco certos, afinal todos querem algo em troca, todos visam o lucro, de forma predatória e sempre será o elo mais fraco o maior prejudicado, mas a verdade que alguns não sabem ou se sabe não quer admitir é….” e o episódio corta a cena, como uma espécie de brincadeira com censura. É genial o diálogo! E é aí que a coisa toda abre para uma discussão!


Um papo pirata…

Claro que pirataria envolve muitas outras áreas do que apenas downloads ilegais de filmes e seriados, mas dá para se ter uma opinião básica sobre o assunto de forma geral (ou genérica se preferir assim). É óbvio que a minha opinião não representa a verdade absoluta sobre o assunto, assim como a sua opinião também não faz a mesma coisa e até mesmo a forma como a lei, seja do país ou lá de fora, nem sempre expressam verdadeiramente o que todo o mundo acha a respeito da pirataria. Em resumo, o que dita o mundo da pirataria é a forma como a sociedade se adapta a uma situação que nunca será extinta, porém nunca poderá ser legitimamente permitido. Para ser pirataria e para que ela exista, é preciso que ela transite no meio termo entre o aceitável e repúdio por parte de quem se sente prejudicado.

Só que é interessante como a visão, tanto da indústria, quando da sociedade e até mesmo da cultura em si, mudam de tempos em tempos. Há momentos onde ela é mais aceitável e momentos onde o combate se intensifica, o que é natural se você pensar nela como ações na bolsa de valores, se ela estiver em baixa (aceitável) tá tudo bem, um pouco de pirataria é natural, mas se ela estiver em alta e estiver prejudicando além do aceitável os detentores do direito o combate a mesma aumenta e ela se torna a vilão da história. E ainda há aqueles que possuem jogo de cintura, que entende que a pirataria também é um meio de consumo, que pode haver formas de se obter vantagens necessárias que o produto pirateado ainda assim retorne parte do investimento ao detentor do direito, muitas vezes de forma indireta (seja por outros produtos licenciados, a propaganda boca a boca onde há pessoas que vão buscar o programa ou produto pelas vias oficias entre outros formatos). A pirataria acaba sendo um meio de tornar algo mais popular e acessível a qualquer pessoa, e indiretamente isso é bom para um produto que precisa se massificar e se tornar conhecido por muita gente.

Claro que a pirataria ainda é uma vilã na visão de muitos da indústria, mas nestes últimos anos já ficou claro que nunca será possível acabar com ela, ainda mais com o advento da popularização da internet banda larga. O Pirate Bay é a maior referência quando se pensa em pirataria digital e de vez em quando alguém tenta derrubar os caras, que logo que se sentem ameaçados mudam de país e servidores assim como quem troca de cueca todo dia. Talvez o sistema nunca os pegue, talvez pegue, mas o que todo mundo entende é que se algum dia o Pirate Bay cair, a natureza digital da internet, tão logo faz com que outro espaço semelhante nasça, justamente em pró do equilíbrio de o conceito de um espaço virtual compartilhado mundialmente. Não importa então pensar se algum dia o Pirate Bay vai sumir ou sair do ar, eventualmente a internet tem como parâmetros o fato de que nunca o livre compartilhamento de conteúdo acabe por completo. Pode vir tempos em que fique mais difícil de encontrar isso ou aquilo (já é dependendo do que você procure), mas acabar totalmente com a pirataria digital, isso jamais acontecerá. Isso não significa que a indústria tenha que desistir do combate, pois ele não é feito para extinguir a pirataria, mas sim para servir de alerta para não abusar do recurso. É a regra do bom senso.

Perceba que no parágrafo acima usei o tempo “compartilhamento digital” com “pirataria digital”, mas acho que é importante frisar que pirataria é uma espécie de compartilhamento, só que nem todo compartilhamento é uma espécie de pirataria. Nunca foi crime emprestar um livro, um DVD, um game para um familiar, um amigo ou até mesmo conhecido. Isso é compartilhar. Pirataria extrapola esse conceito de compartilhar, ainda mais o digital, onde você compartilha para um planeta inteiro algo que é seu, e é isso que se discute como um meio errado de dividir, ao mesmo tempo em que a internet veio exatamente pra fazer isso. Antes dela, seu entretenimento era sentar e ver o que a televisão tinha para lhe oferecer. Era aquilo e pronto. A internet faz esse contraponto da TV, ela lhe dá o conteúdo que você quiser porque os meios dela não se amarram a uma panela corporativa que lhe diz o que você quer ver, mas dá a liberdade de qualquer um compartilhar entretenimento, tal qual faço aqui neste humilde e pequeno blog. A televisão, como um meio, não permite que qualquer um tenha uma emissora com seu próprio conteúdo, até porque o Governo regula isso, mas na internet você é livre para construir seu próprio mundo e compartilhar com aqueles que quiserem ver o que você faz. Então pirataria é apenas um meio de compartilhamento na internet, um que gera discussões e polêmicas, mas é apenas um segmento no final das contas.

Agora um contraponto que precisa ser condenado e é um dos elementos que reforçam que pirataria precisa ser combatida e não pode ser 100% aceitável legalmente é no que diz a respeito daqueles que lucram diretamente sobre um produto na qual não tem direito para tal. É o caso de alguém que baixa um filme, grava num DVD, e começa a fabricar massivamente um produto na qual não tem o direito de venda. Talvez, e aí é algo muito pessoal e ainda assim cheio de conflitos internos, é um pouco diferente daquele que produz um conteúdo diferenciado para algo que originalmente é de baixa qualidade produzido para massas que não querem pagar muito por algo. Por exemplo, há muitos pela internet que fazem cases e boxs colecionáveis para seriados e animês que muitas vezes nem são comercializados em alguns países. Nesse ponto, eu entendo que há um pouco daquele conceito mais artesanal, de produzir algo com carinho, diferente, bem feito, as vezes superior ao produto original, na qual o que se vende não é, filosoficamente falando é claro, o rompimento bruto do direito autoral, mas o tempo artesanal e de dedicação a aprimorar algo. Claro que isso ainda é moralmente questionável, até em questão da forma como é feito, do tempo gasto e se eventualmente esse trabalho artesanal se torna algo industrial, um copia e cola num processo de esteira industrial, porém acho interessante passar por esse ponto, pois com certeza cada caso é um caso e novamente, bom senso é tudo nestes casos.

Clássica Tirinha do Laerte!

Então há também a pirataria física, mas vou deixar ela para outro dia e outra discussão, porque há realmente muito mais pormenores e detalhes nesse tipo de mercado do que o conceito da pirataria digital, onde o consumidor final em 99% das vezes tem o conteúdo sem precisar gastar com isso, dando dinheiro de forma direta a alguém que não é detentor do mesmo. Claro que muitos destes sites de compartilhamentos e downloads ganham (ou apenas se sustentam) de forma indireta, por meio de banners ou até mesmo doações. E questionável? Não sei, o Pirate Bay também ganha indiretamente, mas isso faz parte de outro conceito de internet, que não apenas sites de pirataria possuem, e o mais importante, a meu ver, é que nestes casos, ninguém é obrigado a dar dinheiro pra alguém que não é detentor de um direito, muito diferente da pirataria física, onde você compra algo, em geral de baixa qualidade, que muitas vezes é uma cópia ou produto falso, que há uma rede de envolvidos que ganham a custo do trabalho alheios, violando licenciamento e direito autoral.

Viu como pirataria não é algo assim tão complicado? Ao menos pra mim não parece também assim. É aceitável dentro de seus limites, tanto que empresas encontram uma maneira de conviver com ela no mundo de hoje. É preciso um certo bom senso para lidar com ela. E eu acredito que as pessoas estejam mais instruídas hoje em dia a lidar com a pirataria e também a entender que se você é fã de algum produto, marca, show ou seja lá que for, se não rolar eventualmente um apoio oficial, diretamente ou indiretamente, você está prejudicando algo que curte. Então os fãs sempre vão encontrar um meio de apoiar as empresas, a indústria, naquilo que eles querem ver mais sendo feito. Posso não ter comprado um blu-ray daquele filme porque é caro, mas eu fui prestigiar ele nos cinemas. Posso não ter assistido toda aquelas série bacana na TV porque vi pelo Pirate Bay, mas influenciei uma porrada de amigos a assistir a série e boa parte deles assistem pelos canais oficiais mesmo, pois acham mais prático. Posso não ter comprado aquele game original no lançamento e baixei ele pela internet mesmo, mas tempos depois rolou uma promoção da versão digital por um preço excelente e o comprei. Todos estes são cenários que envolvem tanto a pirataria como o apoio ao produto original, direta ou indiretamente. Porque convenhamos que num mundo capitalista e predatório, ninguém dá conta de consumir apenas o original, o 100% correto. É preciso do meio termo, e não há porque se envergonhar dele, pois é um mal necessário na sociedade mesmo. Bom senso, em geral a maior parte das polêmicas do mundo civilizado poderia ser resolvido com estes duas palavrinhas. E a gente esquece que elas existem com uma frequência absurda.

E acho que por enquanto é isso! Precisei abrir esse texto nessa nova fase do blog porque tenho a ideia de futuramente ensinar algumas coisas básicas para leigos que sentem dificuldade em alguns assuntos e que podem ser complicados na visão de outros falar abertamente sobre isso, por exemplo, como colocar um arquivo de legenda num filme, que programa usar para transformar um vídeo em AVI ou num formato que seu leitor player toque ou até mesmo como buscar algo de forma eficiente em sites como Pirate Bay ou até mesmo a usar torrents. E como disse, nada disse é completamente errado, está tudo ali, em cima do muro, dependendo de você empurrar para o lado certo ou errado.

obs: sensacional arte encontrada lá no DeviantArt do user Lord-lluvatar.

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