Curse Rounds é um roguelike frenético com elementos de bullet hell bem simples e curto, mas que oferece um grau adequado de diversão e desafio, oferecendo um estilo gráfico de 1-bit (ou seja, é um jogo em preto e branco), onde a vitória sobre cada rodada coloca maldições ao jogador que torna mais difícil sua sobrevivência a longo prazo. E o bacana é que trata-se de um jogo independente desenvolvido por um estúdio aqui no Brasil.
Seu lançamento original aconteceu em fevereiro deste ano para o PC, contudo, no último dia 14 de agosto o jogo também foi lançado no Nintendo Switch & Switch 2, PlayStation 4 & 5 e Xbox One & Xbox Series X|S. O título foi desenvolvido pela Tentacles Interactive, um estúdio brasileiro localizado em Campina Grande, no estado da Paraíba. Sua distribuição global ficou a cargo da publisher QUByte Interactive, empresa que publica muitos jogos aqui da região da América Latina.
A proposta do jogo é sobreviver em um ambiente de tela fixa, com obstáculos e armadilhas, enquanto inimigos vão surgindo em duas ou três ondas para lhe eliminar. Eliminando todos, o jogador vence a rodada, recebe um atributo para melhorar um de seus status, como velocidade ou ataque, mas também recebe uma carta de maldição, que tornará a próxima rodada mais penosa. Após algumas rodadas, há uma batalha de chefe, que lhe concede uma bênção, contudo novas rodadas seguem adicionando ainda mais cartas amaldiçoadas.
Claro que ao morrer, todo o ciclo é reiniciado, zerando os bônus ganhos nas rodadas, assim como suas cartas de maldição e bênção. O sistema é procedural, o que significa que a cada recomeço os inimigos, a rodada, tudo é diferente, incluindo o ciclo de chefes que vão aparecendo. Não há uma ordem exata, e tudo é aleatório. Cada partida depende da sorte, ou do azar, do jogador para definir sua vitória ou derrota.
Pesadelo monocromático
Curse Rounds não é exatamente um jogo narrativo, mas há um mote singelo que dá um norte a sua apresentação. Ao iniciar o jogo há uma animação mostrando um garoto sendo atraído e levado por tentáculos ao sótão de sua casa, como se houvesse algo maligno e sombrio nele.
Por isso que a cada rodada, existe uma animação onde o protagonista do jogo surge de um alçapão do chão. Dando a entender que ele está preso nesse looping, talvez em uma dimensão macabra, o que justifica também o portal que se abre ao final, quando toda a área fica livre de inimigos. Ele entra no portal e o ciclo se reinicia, ainda mais difícil.
Claramente o jogo tem uma influência de jogos como The Binding of Isaac, inclusive em termos de design de personagens. O protagonista é um boneco simples, sem roupa, que lembra o próprio design do Isaac, meio neutro e padrão, contudo isso dá um contraste e brilho maior a engenhosidade dos inimigos, que são bem elaborados, de criaturas estranhas para alguns animais, de elefantes a jacarés, o que é algo inusitado de se esperar em um sótão.
Alguns inimigos podem parecer simples, como uma espécie de slime, ou algo assim (é redondo com um rosto simples) que se você deixar vagando pelo estágio fica se multiplicando. Parece inofensivo porque ele não é ágil ou não tem muito interesse em vir lhe confrontar, contudo, quando eliminado, dispara uma enorme esfera de energia em sua direção. Tenta matar vários dele ao mesmo tempo, para impedir a multiplicação acelerada, e você descobre o baita problema que eles são.
Curse Rounds segue o estilo de um roguelike shooter top-down, o que significa que o jogador sempre irá ver toda a tela do jogo de um ângulo superior, vendo o movimento de todos os inimigos. O personagem tem um pistola com uma cadência um tanto lenta de tiros, assim como diversos dos inimigos disparam projéteis e bombas em direção ao personagem, assim como alguns inimigos sem qualquer percepção de mira, trazendo um elemento ao acaso ao se movimentar pela arena, porque desse jeito é você é quem pode ir parar na rota de um disparo aleatório.
Projéteis não são o único risco ao jogador, pois toda arena tem armadilhas, como pisos com espinhos ou barris explosivos, que podem causar dano. Encostar nos inimigos também causa dano e existe inimigos que ficam criando inimigos menores, então se não eliminar a fonte principais, inimigos menores e mais fracos continuam ininterruptamente surgindo, criando ainda mais caos na rodada.
Em certos momentos, quando alguns inimigos são eliminados, eles podem largar uma caixa de power-up, que pode aprimorar seu disparo por alguns segundos. Escudos e corações também podem surgir em algumas ocasiões. Há diversos tipos de power-ups, mas não há indicação de qual é o tipo de disparo que o jogador irá adquirir até de fato coletar a caixa. Existem alguns power-ups que não são tão bons a depender da situação, então até nesse aspecto a sorte ou o azar estão dentro da roleta da ocasionalidade.
Deck amaldiçoado
O maior atrativo de Curse Rounds, sem dúvida alguma, é seu extenso leque de cartas amaldiçoadas, dos mais diversos efeitos negativos. Alguns efeitos são terrivelmente complicados de se lidar. Duvida?
Bem, existe uma carta que duplica todos os inimigos na sala se você levar um dano, tem outra que cria uma chance de inimigos mortos serem ressuscitados, uma em que você não pode atirar por alguns segundos se também levar dano, assim como uma que aumenta o HP dos inimigos e também a quantidade deles ao iniciar uma rodada. Não se esqueça daquela do fantasma imortal que fica lhe perseguindo enquanto não eliminar todos os demais inimigos.
Claro que nem toda carta amaldiçoada é tão terrível como as que mencionei. Ao limpar uma sala (rodada), sempre será dado ao jogador da escolha entre 2 cartas, então é só escolher a “menos pior“. Existem várias maldições que só afetam os primeiros segundos da rodada, como duplicar apenas o primeiro inimigo a tomar dano, ou você ficar ser atirar por alguns segundos ao iniciar a sala. São maldições mais fáceis de se lidar do que algumas que afetam constantemente todo o tempo de cada rodada.
Tenho um bom exemplo assim, a carta que faz a tela tremer sempre que um inimigo levar um dano. E sendo esse um bullet hell, o que significa que o jogador não para de atirar e acertar inimigos, pode acreditar quando digo que essa é uma das piores cartas de todo o jogo. O efeito de tremor da tela é terrível. Tudo realmente treme, da linha das bordas da sala as armadilhas, obstáculos e inimigos.
E lá no começo do texto, mencionei cartas de bênção, certo? Estas cartas são obtidas ao vencer um cada um dos cinco chefes do jogo. São boas cartas, que podem aumentar a sua taxa de tiro, ou fazer com que inimigos mortos aumentem a chance de surgir corações para recuperar a vida, ou até mesmo restaurar completamente a sua vida. Claro que muitas vezes elas não compensam todas as maldições adquiridas, mas ajudam a equilibrar um pouco essa balança de azar.
Considerações finais
Curse Rounds é um indie game modesto, sem grandes pretensões, mas legitimamente divertido e bem idealizado, ainda que não aproveite o pleno potencial de sua proposta. É um jogo de um ciclo bem curto de duração, que em poucas horas acaba deixando de surpreender, mesmo que tenha a praticidade de criar partidas diferentes a cada novo ciclo.
Também é bacana mencionar que é um jogo independente com um preço bem reduzido aos demais padrões do mercado, ainda que esteja com valores meio desordenado com sua chegada aos consoles, chegando a custar (na publicação desta análise) exagerados R$25 nas plataformas Xbox, caindo para R$17 na PlayStation Store e chegando a custar justos R$15 na loja digital da Nintendo. É uma discrepância meio ruim. Contudo, no Steam, o jogo pode ser encontrado pela bagatela de R$ 8.
Faço meus elogios ao game na plataforma da Nintendo, que além do menor preço entre os consoles concorrentes, tive a minha experiência com o jogo no Nintendo Switch 2, e jogar o título em modo portátil é maravilhoso. Prático, divertido e não ocupa o tempo da TV, que muitas vezes pode ser disputado aqui em casa entre os demais membros da família. Aliás, é um jogo que acredito que poderia se sair muito bem em dispositivos móveis.
Na parte da crítica, o que posso apontar de Curse Rounds não são exatamente elementos ruins, mas limitações que qualquer jogo independente muitas vezes tende a apresenta, inclusive são também pontos comuns de roguelikes mais padronizados, que não ficam fora de uma curva de excepcionalidade. A expectativa de duração do jogo é uma delas, é um jogo rápido e curto (pode ser finalizado em 30 minutos), que peca em um certo senso de progressão.
Se for pensar, grandes e famosos roguelikes, e aqui posso até mesmo citar o já mencionado The Binding of Isaac, existe uma compensação entre o ciclo de começar tudo de novo, e dar alguma recompensa ao jogador, para sentir que ele pode progredir mais a cada nova rodada. Em Curse Rounds, existe essa sensação, mas ela é muito sutil e pouco visível. Novos inimigos, apresentados em rodadas mais avançadas, tentem a aparecer mais cedo depois de descobertos, criando novas dinâmicas nos ciclos das partidas.
Então existe, mas falta uma sensação tátil, com mais peso e melhor estruturado. O jogo não tem, por exemplo, uma enciclopédia de inimigos ou cartas já descobertas – somente durante a partida existe um livros de cartas já adquiridas. O personagem é sempre o mesmo, o disparo padrão é sempre igual. O ideal seria o jogo se expandir para novas experiencias de personagens com mobilidades e disparos diferentes, ou uma enciclopédia para rastrear tudo que foi descoberto, ou até mesmo permitir que o jogador decida algo mais amplo ao iniciar uma partida, e não apenas as maldições aleatórias comuns a cada novo ciclo.
Também seria interessante se o jogo tivesse novas áreas, novas cartas ou conteúdos diferentes após ser finalizado uma primeira vez. Até mesmo múltiplos finais seria importante nesse estilo de jogo. Talvez expansões futuras possam incluir elementos nestas direções? Talvez, mas não posso avaliar o futuro, tenho que olhar para o que ele é agora. E no momento, fico com essa sensação de que há potencial para muito mais.
Contudo, mesmo diante destas considerações, ainda penso que Curse Rounds é um título que vale a experiência. Primeiro porque é um jogo independente brasileiro, e é legal incentivar nossos estúdios, que podem crescer e criar jogos ainda melhores e maiores. E segundo, porque a experiência de gameplay é genuinamente boa, assim como a própria estrutura do jogo. Os controles respondem bem, o desafio é muito bom, o aspecto visual, monocromático tem seu charme, assim como o design das criaturas. Tem um clima sombrio, ainda que tente se manter bem minimalista.
As cartas criadas para a aventura são muito bem desenhadas, assim como diferentes e com uma boa variedade de maldições e bênçãos. Há mais de 60 cartas ao todo. Cada partida realmente cria um cenário único de maldições, e o jogador precisa lidar de forma de diferente com cada cenário, o que traz uma certa vantagem ao ciclo rápido entre partidas. É um ótimo jogo para períodos curtos de videogame, onde sorte é não ter azar demais a cada sala vencida. Que você seja amaldiçoado, mas não tanto assim!
Galeria
Gameplay *via nossa canal no YouTube
Dando nota
Simples e modesto, porém funcional em sua proposta, oferecendo partidas rápidas e com bom desafio - 7.5
Visual 1-bit monocromático dá um charme ímpar ao jogo, combina com a proposta - 7.8
Boa variedade de inimigos, com um belo design para eles - 8
Grande variedade de cartas, ainda que muitas sejam senso comum (óbvias) e poucas acabem surpreendendo - 7.8
Controles respondem bem, ainda que a cadência de tiro vá dificuldade sua vida (e é proposital) - 7.5
Como é curtinho, falta senso de progressão (de forma prática), fica repetitivo muito rápido - 6
7.4
Bom
Curse Rounds apresenta uma boa proposta e a executa muito bem, oferecendo um desafio interessante em partidas rápidas e ciclos diferentes a cada novo ciclo. Ser amaldiçoado a cada rodada vai escalando a dificuldade, e oferece contextos diferentes a partir da escolha do jogador. Há boa variedade de inimigos, chefes bacanas e mais de 60 cartas em repertório. Os tropeços ficam no fato do jogo ser curtinho, não ter nenhuma sensação de progressão e os preços desequilibrados nas plataformas de consoles. Um jogo independente desenvolvido no Brasil, e é sempre muito bacana ver nossa capacidade de desenvolver bons jogos com ideias criativas e divertidas.