Bambas! é um jogo independente inusitadamente estranho, que oferece uma experiência incomum, com potencial de ser um passatempo divertido para quem aprecia títulos com uma proposta mais livre, mesclando simulador, sandbox com pequenas tarefas, enquanto relembra aquela atmosfera “cultura urbana da rua”, termo que remete as expressões culturais em espaços públicos, do grafite, as atividades ao ar livre, passeios e locais de interação social, como parques e bancos de praça. Isso realmente existiu, muito antes de ficarmos presos as pequenas telas dos smartphones e redes sociais.
Seu lançamento aconteceu no último dia 27 de junho, para todas as atuais plataformas, chegando ao PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series X|S, Nintendo Switch (& Switch 2) e PC. Jogo foi desenvolvido (e distribuído) por um estúdio espanhol chamado DevilishGames, que já tem outros títulos (também curiosos) em seu catálogo – admito que fiquei intrigado com Minabo, um jogo de simulação social em que você é um nabo.
De volta a Bambas!, o título não é exatamente um simulador de caminhadas, porque não tem a pretensão de oferecer uma experiência super realista. Na verdade ele mistura essa ideia de controlar os passos, sob a perspectiva de ser um calçado, junto a uma experiência livre de narrativas lineares, oferecido pelo subgênero de jogos sandbox, ou seja, um mapa aberto em que o jogador pode explorar e realizar tarefas livremente.
Ainda sobre um de seus aspectos técnicos, convém informar que o jogo oferece localização em português, contudo na variação de Portugal, o que para nós é bastante compreensível, mas existem algumas diferenças, é claro. As vezes a leitura dá uma sensação de estranheza, pela forma como verbos são conjugados e alguns tempos e modo de falar (ainda que o jogo não oferece áudio e seja todo em caixas de texto). Mas é um jogo de fácil entendimento, e tudo dá para ser compreendido no português lusitano.
Passos atarefados
Bambas em espanhol é um termo que pode ser designado a se referir a tênis ou sapatos desportivos, utilizados para atividades físicas e esportivas, o que justifica claramente as razões do porquê o jogo desta análise ter esse exato nome. É um jogo de caminhada, utilizando apenas um par de calçados, sem um corpo físico, em um mundo onde todas as atividades estão correlacionadas com a passada de um pé ao outro.
Os controles de Bambas! são um dos desafios da empreitada. Cada analógico do controle movimenta um único pé, movendo-o para trás, lado e frente, em uma física em que o calçado sai do chão, mas encontra um limite para subir e até mesmo para se distanciar do outro pé. Além disso, se um pé levantou e está o ar, o outro não vai se mexer mesmo que você tente fazê-lo com o outro analógico.
Ou seja, trata-se um daqueles jogos malucos com uma física complexa e divertida, fugindo dos padrões convencionais. Leva-se um tempo para se adequar as mecânicas e entender que mesmo que cada pé seja gerenciado independentemente nos controles, é preciso trabalhar com ambos de forma alternada.
Junto aos analógicos vem os gatilhos, cada um controla um pé, pressioná-los faz com que o respectivo calçado dê um passo para frente. O pé vai a frente e então é preciso pressionar o outro gatilho para que outro pé acompanhe. Pressionar o mesmo gatilho várias vezes não vai te fazer andar. A alternância para criar a passada é obrigatória. E aí sim, no meio do passo, mexer o analógico do pé que está andando, para o lado, fará com que a a cada passado o jogador possa ir virando para os lados desejados.
Basicamente estes são os únicos controles de Bambas!, os dois analógicos e os dois gatilhos superiores. Os demais botões são usados para gerenciar menus, para adquirir novos modelos de calçados, verificar o mapa, suas metas/tarefas, quantidade de passas dados e o mapa principal do mundo. Tudo isso indicado no canto inferior esquerdo da tela.
O título não tem exatamente um modo história ou campanha. Você inicia o jogo no mundo principal, e após cumprir uma tarefa simples, de pisar em alguns sprinklers, e assim aprender os controles, você é livre para ir onde quiser, fazer o que bem entender.
O máximo de interação que o jogador terá são alguns diálogos com certos tipos de calçados, que vão lhe dar missões e pequenos objetivos para serem cumpridos. Seja imitar um passo de dança, pisar em chiclete para limpar uma área, realiza entregas em cima de um patinete ou tentar chutar uma bola ao gol. Alguns calçados também esperam que você esteja usando uma skin específica de calçado para lhe dar uma tarefa, então o jogador terá que desbloquear (cumprindo outras tarefas) ou comprar novos modelos com as moedas recolhidas pela cidade ou objetivos finalizados e concretizados.
Não existe exatamente uma ordem certa para cumprir os objetivos do jogo. Além disso, é possível realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, sem que o jogador precise focar somente em uma coisa. O progresso é permanente, então você pode fazer uma tarefa como pisar em tampas de bueiro e depois ir apagar bitucas de cigarro ou pisar em folhas secas, que a quantidade de vezes em que você executou estas ações continuará marcada no contador, até conseguir atingir o número solicitado, que pode ir até mais do que 150 vezes.
Algumas tarefas, no entanto, são de cumprimento imediato, então se você sair da zona da atividade, terá que começar tudo novamente. Isso ocorre na pista de skate em que você precisa limpar chicletes ou em atividade menores, como pular amarelinha ou atravessar a rua na faixa de pedestre pisando somente na área branca da faixa. Se erra ou sair das marcações, a missão precisa ser reinicializada. Tem uma bem legal com um paredão de água em que você atravessa a área sem encostar na água.
As recompensas pelas tarefas são moedas ou novas skins de calçados. Não é um jogo de grandes objetivos. Além disso todas as mecânicas e todas as áreas do jogo estão desbloqueadas desde o começo. Pode parecer que você não está progredindo pelo jogo, mas está. Inclusive se acostumando com a pisada e passada de pés com os controles, afim de conseguir executar tarefas mais complexas, como subir em algo e realizar o percurso sem retornar ao chão.
Basicamente essa é a estrutura geral de Bambas!, é um jogo não linear mesmo. Perfeito para jogar e relaxar, seja andando pelas muitas áreas do jogo, coletando ou pisando em diversos itens, cumprindo pequenas tarefas simples, sem frustração de combates, sem histórias para se acompanhar. É bom para aqueles momentos da correria do dia a dia, em que você só tem alguns minutos para jogar algo. Sem grilo, sem stress.
Considerações finais
Bambas! é um jogo independente direto ao ponto, sem firulas. E é honesto em sua proposta, um sandbox de sair andando por aí, cumprindo tarefas simples, que de uma certa forma, remete a tempos mais simples, até mais infantil, onde o mundo a seus pés era cheio de possibilidades, entre poças, saltos em calçadas de mesma cores, objetos para chutar, locais para escalar.
Dito isso, não estou dizendo que o jogo não tem pontos críticos que precisam ser considerados. Claro que há. Dentro da expectativa de um jogo de um estúdio independente, isso também é esperado. Por exemplo, mesmo que o jogo tenha diversas opções de skins de calçados, todo são exatamente iguais no aspecto da jogabilidade. Não há distinção entre diferentes calçados, o que talvez pudesse a vir a ser interessante em termos de valor de replay.
Contudo, o que talvez mais tenha me desagrado é seu layout com os menus. Ele tem uma estrutura de design pouco elegante, remetendo a um estilo de layout de jogos lá dos anos 90 (o que me parece ser proposital). Menus super coloridos, com botões enormes, super chamativo, mas nem sempre é óbvio aonde o cursor está selecionado e nem é muito prático a navegação por eles. Na loja fica causa certa desorientação, enquanto que no ícone no canto inferior, é uma questão de tempo até ficar tranquilo navegar pelas opções e comandos, mas ainda assim, é uma hud que poderia ser mais intuitiva e de fácil compreensão.
Mas está tudo lá, uma estação de rádio para alterar algumas faixas musicais do jogo, que pode se tornar meio repetitivo um pouco rápido demais (poderia ter, mas não há, colecionáveis na exploração que adicionasse mais músicas). No menu também existe um segmento de missões já descobertas, ainda que não seja muito prático rastrear por lá. Moedas coletadas, e passos dados também são computados. Por fim, o mapa, que pode ser expandido na tela e é de grande ajuda para se localizar na exploração livre, ainda que sinta falta de um marcador em tela para não ter que ficar abrindo ele constantemente.
No geral, acho que esses são os pontos que mais me desagradaram no jogo, não em sua jogabilidade, mas em seu gerenciamento de tela em si. Menus e opções caóticos, e não é o problema do estilo anos 90, mas de design em si. Maneabilidade, por assim dizer.
Controles também podem ser um ponto de discussão, mas não porque são ruins, e sim porque não é um formato de jogabilidade que agrada a todo tipo de jogador. Seguir por controles não convencionais faz todo o sentido, mas tem aquela parcela de jogadores que não se sente confortável com esse tipo de cenário, onde parte do esforço é em acertar o movimento, mesmo que isso seja, claro, parte do desafio do jogo em si.
Tenho meus elogios ao mapa do jogo, que a princípio pode parecer repetitivo e pequeno, mas isso até você entender como navegar por ele e explorar os extremos dos ambientes. Ruas, praças, locais de lazer e espaços públicos. Até mesmo uma praia está presente na seleção de cenários em que se pode passear. E se um local for longe demais para ir andando? Há skates e patinetes em que o jogador pode subir e atravessar grandes distâncias com melhor praticidade.
Além disso, pensando além do cenário de simulação e andar simplesmente por andar, Bambas! entrega uma grande variedade de missões, escondidas, óbvias, que levam tempo para serem realizadas ou imediatas em que basta certa destreza. É um elemento que para quem gosta desse tipo de atividade repetitiva, de pisar em coisas, coletar itens, explorar tentando achar de tudo que é possível realizar, vai se sentir satisfeito.
E o mais legal é que essa exploração não tem compromisso de estar certo ou errado. A ausência de uma campanha linear faz todo o sentido dentro de sua proposta. É um jogo que você faz o seu ritmo, que você cria sua dinâmica. Porém, só gostaria que fosse possível abrir mais o escopo da câmera, ou permitir expandir ela para um cenário ainda mais superior, que me deixasse ver melhor o que está a minha volta. Nisso de achar ritmo e dinamismo, também tem muitos momentos em que se anda a esmo, sem conseguir enxergar o horizonte, e isso acarreta uma sensação de “tempo perdido” quando se está nos locais errados.
A respeito de bugs, admito que não encontrei nada muito agravante. As vezes os calçados travam em certos locais, mais parece algo da estrutura do jogo, com sua física estranha. Houve, no entanto, uma situação em que subi em uma cama elástico e após pular por alguns segundos, ao voltar no chão, notei que os calçados estavam um linha abaixo do chão, dando a impressão de estar dentro do cenário. Precisei reiniciar o jogo para que isso fosse consertado.
Seu visual cel shading, causa uma sensação curiosa, porque as vezes parece algo que poderia ser encontrado de forma obscura em antigos consoles, como SNES e PSOne, consoles com bibliotecas gigantescas de jogos fora da bolha. Não é feio, mas não soa como um jogo de geração atual. Combina com o estilo anos 90, grafiteiro anos 90. Lembra aquela vibe teen radical descolado de Jet Set Radio (clássico da Sega). É bacana, porém não chega a ser memorável ou impressionante. Faz o básico.
Ao fim, Bambas! é um indie game interessante, que pode não ser indicado para qualquer pessoa, mas é um jogo honesto em sua proposta, e serve como legítimo passatempo eletrônico. Tive sessões em que disse a mim mesmo que jogaria apenas por 15 minutos, e quando dei por mim, mais de 40 minutos já havia passado. Então o jogo consegue causar imersão, o que é um dos pilares para qualquer jogo de videogame.
Galeria
Gameplay *via nosso canal no YouTube
Dando nota
Apresentação direta e objetiva, sem campanha, sem história. É ligar e sair jogando. - 7
Proposta original e inusitada, torna interessante experimentar e vê-lo como um passatempo digital - 7.5
Visualmente não soa como algo da geração atual, tem uma vibe (propositalmente) retrô - 7.2
Navegar pelos menus é meio desengonçado e pouco prático - 6
Controles com física incomum, não é qualquer um que curte, porém não são ruins - 7.2
Mundo é razoavelmente grande, com diversos ambientes, muitas tarefas e pequenos objetivos para se cumprir - 7.8
Bom para pequenas sessões de jogo, mas fica repetitivo depois de um tempo - 6.8
7.1
Bom
Bambas! oferece uma proposta objetivo e modesta, que trás um resultado satisfatório a quem gosta de jogos mais alternativos, estranhos e sem muito compromisso com história ou linearidade. É realmente um jogo de controles estranhos, incomuns, de explorar um ambiente sandbox, realizando pequenas tarefas e atividades. É quase como um passatempo eletrônico, para relaxar, sem muito compromisso, com um desafio tranquilo. Tem pequenos pontos fracos, como menus desengonçados, e um pouco de repetição eventual, mas tudo dentro do esperado de um escopo de obra mais independente. É sim um jogo de sair andando e interagir com o que quer que esteja pelo caminho. Simples assim.