Portallos Entrevista: Alexandre Nagado! Especialista em Cultura Pop do Japão, escritor e ilustrador!

Alexandre Nagado trabalha nos bastidores da produção de entretenimento do Brasil há muito tempo. Se você nunca ouviu falar dele, com certeza já ouviu falar (ou já foi aé um colecionador fervosroso!) de algumas de suas contribuições: a revista Herói, ícone dos anos 90, participações no Omelete e Bigorna e seus quatro livros publicados até agora:  Almanaque da Cultura Pop Japonesa (Via Lettera, 2007), Cultura Pop Japonesa: Mangá e Animê (Hedra, 2004), co-autor, Mangá Tropical (Via Lettera, 2003) – coordenador e co-autor, Dicionário Anime>DO (Ed. Escala, 2000) – co-autor. E, possivelmente, você pode ter visto ele nos programas: TV Cultura, TV Gazeta, Multishow, Play TV, TV Bandeirantes, TV Globo, AllTV, Rádio Bandeirantes, TV iG e outros.

Ainda estava na faculdade de jornalismo quando fiz uma matéria para um jornal local que precisava de um “dicionário de anime”, para as pessoas em geral. E, desde aquela época, eu conto com alguns auxílios por parte do Nagado.

Sendo assim, o convidei para a nossa seção de entrevistas, que, aliás, já contou com partipação do PatoFu, Wendel Bezerra (dublador), Thalita Rebouças (escritora) e aguarda muitas outras surpresas para 2011!

Então, após o Continue Lendo confira a entrevista com Alexandre Nagado, que falou, entre outras coisas, sobre seus gostos pessoais, mangá X comics, animes cortados no Brasil, o mercado de anime, entre outras questões nas nossas famosas “10 perguntas!”. Espero que gostem!

P.E Você trabalha com o mercado pop há muito tempo, principamente, no que se refere à cultura pop do Japão. Como foi a transição entre fã (afinal, imagino que tenha que ser um grande fã para se aprofundar tanto) e profissional da área? Acha que a época que começou era mais propensa que hoje, com mais oportunidades do que agora – para quem pretende trabalhar com o assunto de alguma forma?

A.N Foi por ser fã que consegui espaço para escrever sobre os assuntos de cultura pop japonesa. O primeiro foi Ultraman, pra revista SET Terror e Ficção em 1993, após fazer um teste para o editor Carlos Miranda. A Herói veio um ano depois, a convite do André Forastieri e Rogério de Campos, que trabalhavam na SET na época em que fiz uns textos lá. Eu já era roteirista de quadrinhos profissionalmente e, quando me vi redigindo resenhas e matérias, fiz questão de aprimorar a redação e a pesquisa, dando uma de jornalista mesmo, apesar de não ser um. A área era complicada, pois não havia ainda um público especializado. Por outro lado, quando havia a procura por gente que entendesse do assunto, as revistas pagavam por cada matéria, cada notinha. A internet tirou espaço das revistas e ajudou a difundir muito a informação. Hoje, é fácil criar blogs ou escrever para sites especializados. Por outro lado, quase sempre isso não rende dinheiro para quem escreve, que acaba fazendo tudo por amor. Quem pretende virar jornalista ou editor pra escrever sobre mangá e animê, vai ter que trabalhar com algo remunerado para se manter.

P.E- O que marcou a sua infância e que ainda você acha legal? Digo como exemplo a fase inicial de CDZ, que, quando eu era criança achava incrível, mas que, hoje, ao tentar reassistir, não caiu muito bem….

A.N- Acho que Ultraman, Speed Racer, A Princesa e o Cavaleiro, Ultraseven… Mesmo datados em termos de produção, as histórias eram – e são – muito divertidas. O material produzido na década de 1960 era ingênuo, criativo e experimental. Hoje, a preocupação com mercado é o que domina, havendo pouco espaço para experimentação. De material da década de 1970, tem a Patrulha Estelar, até hoje meu animê favorito, especialmente pelas aventuras grandiosas e a trilha sonora, uma das melhores já concebidas. Basicamente, o que eu gosto é visto como coisa “tosca” pela maioria esmagadora dos fãs, que por falta de bagagem, enxergam mais a superfície brilhante das produções de hoje do que a ousadia criativa de gerações anteriores.

P.E- Você acha que a produção de anime e mangá tem mais qualidade que a produção ocidental em geral (séries animadas, quadrinhos,etc.)?
Observo que a produção oriental, embora se apegue a certas fórmulas, procura inovar sempre, atualiza o traço e tecnologias, muda o rumo da história e, para mim, a principal diferença: tem início, meio e fim! Diferente da produção da DC, por exemplo, que os personagens já morreram, ressuscitaram, foram reinventados muitas vezes, suas origens, personalidades, enfim… Mas, a linha principal continua sendo Batman, SuperMan etc. há cerca de seis décadas…

A.N- Não vejo tanta supremacia de uma produção sobre a outra. Os japoneses, tradicionalmente, ousam mais e há muitos personagens que morrem de fato. Mas o Japão também tem uma tradição, ainda que menor, em personagens cujas histórias nunca terminam e heróis que morrem e ressuscitam uma infinidade de vezes. São culturas diferentes. No Japão, há dezenas de heróis Kamen Rider, Ultraman, Gundam… Se Batman fosse um herói japonês, já teríamos um exército de Homens-Morcego, tipo Batman X, Batman Black, Batman Fighter, Batman Zero… E há os clones. O sucesso de Mazinger Z, nos anos 70, impulsionou a criação de dezenas de séries de robôs superpoderosos, um parecido com o outro. Japoneses reciclam fórmulas de modo voraz. O que eu quero dizer é que ambas as culturas são capitalistas e encontraram seus meios para gerar lucro. Nos EUA, reciclam e atualizam seus heróis para que cada geração se identifique. Basta comparar o Batman vivido por Adam West com o de Michael Keaton ou o de Christian Bale. No Japão, também existe isso. Basta ver quantas atualizações teve o Astro Boy, Cyborg 009, Godzilla… E há inovação nos EUA, goste-se ou não. Ben 10, por exemplo, é um produto recente. Estou um pouco cansado de ouvir a comunidade otaku desdenhando os personagens made in USA por birra, como se o Japão fosse a meca da criatividade intocada e pura. Os autores japoneses se permitem ousar mais que suas contrapartes ocidentais, mas também são presos às regras de mercado locais.

P.E- Por que você acha que os animes são tão editados no Brasil? Enquanto asistimos a novelas e outros programas com conteúdo mais pesado e que não sofrem censura. Acha que é por ignorância da distribução que só copia o padrão norte americano, ignorância dos profissionais que aprovam ou não isso, enfim…

A.N- Normalmente, as edições vêm de fora, especialmente dos EUA. Há muita hipocrisia na mídia, basicamente por acharem que, se é desenho animado, só pode ser para criança. Enquanto isso, essas merdas de reality shows vão fazendo a cabeça da garotada e inserindo seus valores cínicos de se dar bem na vida a qualquer preço.

P.E- Você escreve sobre o assunto há muitos anos e lembro do seu nome desde a época em que a Herói saía em “formatinho”… Por que você acha que as publicações com esse conteúdo têm vida curta? Falta de profissionais, anunciantes, de público? Me espelho por exemplo na NeoTokyo que abordava os mesmos assuntos da Herói, que saia mai de 10 anos antes: Yu yu Hakusho, CDZ, enfim, sem fazer parte diretamente com o público contemporâneo e matérias bem fraquinhas, com diagramação meio bagunçada.. (é só uma opinião geral).

A.N- A Herói foi bastante longeva. Acabou no começo dos anos 2000 porque a internet começou a roubar público, com sua agilidade superior. E também porque as editoras começavam a publicar mangás originais, dessa vez acertando a mão e conseguindo formar público. As tentativas anteriores não deram certo por uma série de fatores mas, com a chegada de mangás ligados a séries de TV de sucesso, como Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, tudo mudou. E os leitores mostraram que preferiam ler mangás do que somente ler sobre mangás e ficar sonhando quando poderiam ver isso. As coisas mudaram. De material moderno, a Neo Tokyo me chamou a atenção por apresentar algumas matérias com muita profundidade.

P.E- O que você acha da atual cultura Otaku? Dos eventos de Anime mega grandes, com um público que vem crescendo ainda mais… Você esperava que o fenômeno iniciado pela exibição da Rede Manchete chegaria tão longe?

A.N- Não esperava tanta popularidade, mas também vejo tudo isso com reservas. A maioria dos eventos se transformou em agitadas micaretas. Tudo é festa, é bagunça, é espaço para adolescentes correrem de um lado para o outro e ficarem babando com cosplayers. Acho interessante ver como o movimento do cosplay ganhou força e atropelou tudo o mais. Porém, por mais artística que seja uma boa produção e uma boa performance, não vejo como isso contribui com a valorização dos temas. Contribui no sentido de espalhar mais a cultura pop japonesa, mas também tem o lado freak show que a mídia gosta de ver. Muita gente só vê o lado excêntrico, sem se atentar ao fato de que a maioria dos cosplays se inspira em mangás e animês e que essas mídias têm uma história, uma força e um valor criativo que mereciam ser mais conhecidos. E vendo cosplays de Bob Esponja, Chaves, Zorra Total e afins pipocando em eventos, fica bem claro que tudo está virando um grande baile de carnaval. Não tenho saudades da época em que um evento de mangá atraía 20 ou 30 pessoas, mas acho que, do jeito que está indo, a cultura não está ganhando nada, só o entretenimento.

P.E- O mercado de anime é uma mina de ouro para as editoras brasileiras? Pela quantidade de títulos em circulação, pela qualidade baixa do papel e de custo baixo, sendo cobrado o valor que é, acha mesmo que virou um negócio super rentável? Porque também sabemos sobre custo de distribuição, licenciamento etc. Contudo, é impressionante como material de melhor qualidade (papel, cores, etc.) é vendido tão mais barato no exterior…

A.N- É um nicho de mercado, não uma mina de ouro. Há poucos títulos consagrados ao grande público, mas o mangá se tornou tão segmentado que as editoras já estão sabendo melhor para quem estão produzindo e se é viável economicamente apostar em cada nova publicação.

P.E- Quais semelhanças e diferenças que você enxerga ne geração que curtia anime nos anos 90 e a de hoje? Claro que levamos em conta a internet rápida, disseminação absurda de títulos, entre outras coisas. Mas, me refiro a comportamento: consumo, exposição, menos vergonha? Enfim, o que ahca que mudou e que se manteve?

A.N- A diferença maior é que, com o acesso à informação, a cultura otaku ganhou ares mais pop. Antigamente – e vou retroceder mais, indo aos anos 80 – era cultura de gueto, algo meio alienígena e isolado.

P.E- O que você acha dos desenhos animados americanos ganharem traços de anime com tanta força,principalmente em cenas de humor, mais debochadas, por exemplo, ou mesmo a nova versão de Thundercats, ou Batman… Acha que o estilo do anime está, de certa forma, se entranhando de uma forma irreversível no mundo ocidental?

A.N- De certa forma, sim. Há gerações formadas vendo animê que acabam passando essas influências em seus trabalhos. Muitas vezes, misturando isso a outras influências. Mesmo no Japão, há influências de trabalhos ocidentais.

P.E- Você consome muito da cultura pop do Japão, além de avaliar e escrever sobre o asunto? Dizem que quando se trabalha com algo muito tempo, acaba enjoando… Se ainda consome, o que você indica par ao leitor do Portallos, que títulos de manga ou anime, literatura especializada, enfim, um pouco sobre o que você aprecia, pessoalmente e profissionalmente.

A.N- Hoje em dia, gosto mais de ver coisas novas de títulos antigos. Ainda acompanho tudo ligado a Ultraman (que continua saindo no Japão até hoje), sempre dou uma olhada em Kamen Rider, acompanhei muita coisa sobre o filme do Yamato e espero ver logo como ficou e assim por diante. Aos mais jovens que gostem de boas histórias e tenham a mente aberta para não enxergar somente aparências ou efeitos visuais, recomendo alguns animês como Yamato (Patrulha Estelar) e Zillion. De mangá, ainda quero muito ver editado no Brasil títulos como Maison Ikkoku, You´re Under Arrest e Galaxy Express 999. Gosto muito de anime songs e gosto de acompanhar o JAM Project, o principal grupo desse segmento. O Voyager, que faz temas de Ultraman, também é bem interessante. No J-Pop, Chage and Aska e a banda The Checkers pra mim foram os maiorais. De J-Pop contemporâneo, descobri recentemente a banda Scandal, garotas que fazem um rock autoral e vibrante. Tem muita coisa nova sendo feita e é impossível acompanhar tudo. Como me interesso por outros assuntos fora do Japão, não tenho mantido o foco tão concentrado como na época em que eu escrevia direto sobre cultura pop japonesa. Mas acho que é por ter um leque de interesses bem amplo que eu consegui escrever tanta coisa na carreira. Acho que é isso.

Obrigado pela atenção em responder as nossas perguntas e desejo sucesso em seus futuros trabalhos!
E o leitor do Portallos pode conferir o trabalho do Nagado e se comunicar com ele no twitter e no blog.

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