O Wii U é diferente? Ainda bem, pois a Nintendo é diferente! (Reflexão)

A Nintendo sempre procurou pela inovação como forma de obter um diferencial de mercado. Essa busca está marcada em “DNA”. É só lembrar quando seu negócio principal eram as cartas de Hanafuda. A Nintendo adquiriu junto à Disney os direitos para utilizar os clássicos personagens de Walt Disney para lançar uma linha de cartas totalmente diferente daquelas disponíveis até então. Ela buscou uma inovação e com esse diferencial fez um sucesso tremendo. Aliás, até hoje existe torneios anuais de cartas promovidos pela Nintendo. Com os seus consoles de mesa, também vemos facilmente essa busca pela inovação aliadas a maneiras diferentes de buscar espaço em mercados até então fechados ou de nicho.

O Famicom não foi tecnicamente o primeiro console Nintendo, mas a maneira como foi idealizado mercadologicamente é bem interessante. No Japão, o Famicom console 8-bit foi batizado como Family Computer. Contando com diversos acessórios, era um console feito para todos da família. Porém, depois do “crash de 84”, colocar um console nas prateleiras das lojas era uma tarefa muito difícil. Vale lembrar que nessa época o videogame não era visto como algo voltado para as crianças, desde sempre os consoles eram vistos em todo o mundo como algo para todo mundo!

Então, quando chegou aos Estados Unidos, a Nintendo teve que remodelar o visual do console e vendê-lo como um brinquedo, tentando burlar assim a rejeição que os lojistas tradiconais de eletrônicos tinham com videogames. A estratégia deu certo, e com o sucesso estrondoso do NES não demorou para que o console estivesse nas prateleiras de qualquer loja. E o NES já trazia acessórios que traziam novas propostas de interação com o usuário, como o U-Force, a Power Glove, o Power Pad, o fantástico robozinho que joga “sozinho” R.O.B. (que era a “desculpa” perfeita para inserir o NES nas lojas), e muitos outros. O Super Famicom (Super Nintendo no ocidente) não ousou muito em termos de novas interações, mas não podemos deixar de citar o mousepad de Mario Paint, ou o sistema de conexão via satélite exclusivo do mercado japonês, o Satella View.

Já no Nintendo64 a Nintendo decidiu resgatar o conceito de videogame para todos, que estimula a jogatina em turma, e tivemos jogos incríveis que fizeram valer e muito as quatro entradas de controles. E quem aí se lembra do sensor cardíaco do Tetris64? Quanto mais nervoso você ficava, mais a dificuldade da partida aumentava. A adição do Rumble Pak foi muito festejada também, em seu lançamento o acessório foi incluído em um bundle com o jogo Star Fox 64. Preciso dizer algo? E o Transfer Pak, que trazia para o 3D seus monstrinhos de bolso do Game Boy? Ou o jogo Hey You, Pikachu!, o primeiro jogo de console a aceitar comandos por voz; era tão divertido falar “PlayStation” pro Pikachu!

O GameCube manteve a tradição do N64, mas a Nintendo queria mais inovações. A começar pela conexão com o GameBoy Advance, que rendeu o maravilhoso Zelda: Four Swords, um jogo bônus para a versão GBA de Zelda: A Link to the Past. A fórmula não conseguiu o mesmo sucesso em Final Fantasy: Crystal Chronicles, porém eu sempre esperei que mais jogos utilizassem esse conceito, o que infelizmente não vingou. E o design do controle do GameCube, com os botões A, B, X, Y com formatos diferenciados, ideia de Miyamoto, que na época disse que estava obcecado com a ideia de criar um jogo que utilizasse apenas um botão. E não é que botão A do GC era perfeito pra isso?

E o tão polêmico Wii, que na cabeça de alguns dividiu o mercado entre casuais e hardcores? Nele temos uma materialização da filosofia da Nintendo, de tudo o que a empresa buscava há alguns anos: devolver o videogame à sala. Chega de esconder o console em um quarto, o Wii foi criado tendo em mente que ele seria utilizado por todos os familiares. Muitos afirmavam que a Nintendo estava buscando um nicho de mercado com o Wii, mas eu refuto essa ideia, pois ela estava promovendo o acesso de todos a um videogame, assim como o NES o fez em sua época. Muitos diziam que a Nintendo já não era a mesma, que havia abandonado seus fãs, mas a verdade é que nunca ela foi tão fiel a si mesma e a tudo o que ela representou desde a sua fundação.

Não, a Nintendo não mudou, foram as pessoas que mudaram e se fecharam no seu mundinho. E infelizmente a indústria de videogames também havia se fechado nesse pequeno mundinho, e foi difícil fazer com que ela e os jogadores rebeldes percebessem que o mundo é tão mais amplo que eles pensavam. Claro que a Nintendo não agiu sozinha. A ascensão dos jogos das redes sociais e daqueles oriundos dos aparelhos celulares deu uma tremenda força à Big N, revelando por fim que não havia sido descoberto um novo mercado, mas sim que aquele mercado foi resgatado, que esse mercado sempre existiu, mas que a indústria com o passar dos anos passou a ignorá-lo.

Por fim tivemos recentemente a revelação do novo console da Nintendo, o Wii U, um legítimo sucessor do “restaurador/expansor de mercado” Wii. Em sintonia com as tendências do mercado global, o console agrega valores tão ou mais inovadores quanto seu antecessor, por meio de uma nova interface de controle, que assim como o Wii, vai permitir um input diferenciado. Aguardo pelas novas possibilidades que os jogos a serem convertidos ou idealizados do zero para o Wii U possam trazer. A indústria do videogame foi despertada de seu estado egocentrista pelo Wii, mas fazendo um balanço dos jogos do console, é fácil notar que ainda há muito que se recuperar. Muitas empresas  insistiram em meros gimmicks e não tiveram a coragem de criar algo diferenciado.

Tal preguiça também foi em parte culpa do hardware do Wii, sejamos justos. Não era possível pegar um jogo de PS3/X360 e simplesmente fazer uma versão mais simples. Era necessário criar tudo do zero no Wii, desde a modelagem dos personagens até os códigos de programação. A maioria dos estúdios simplesmente não podia contratar uma equipe dedicada só para fazer uma versão de seu jogo para o Wii. O resultado era que o console da Nintendo na maioria das vezes ficava sem receber algumas franquias.  Em muitos casos, quando a adição dessa equipe extra de desenvolvimento era possível, os estúdios aproveitavam para fazer versões para PS2/PSP. Isso era até bom mercadologicamente falando, mas tirava o foco da equipe no Wii, o que na prática foi algo ruim, pois a interface do console não era aproveitada.

Com o Wii U as coisas serão diferentes. A maneira de programar jogos é a mesma dos outros consoles (atuais e provavelmente de seus sucessores), o que vai facilitar na hora da produtora fazer a conversão para o Wii U. E sendo mais fácil, é possível destinar mais recursos para a equipe de desenvolvimento extraia mais recursos do hardware, e novos inputs possam vir a serem implementados. Essa característica do Wii U agradou bastante aos desenvolvedores, durante as entrevistas feitas após a conferência da Nintendo muitos deles deixaram claro que vão poder se dedicar mais no trabalho que será feito no novo console. Resta saber se a preguiça dos últimos anos não vai atrapalhar, pois eu não quero só ver conversões diretas de jogos, é obrigatório que os times de desenvolvimento se esforçam mais agora, pois não tem mais desculpas.

Algumas características do Wii ainda deixam a comunidade gamer confusa. Sabemos que haverá compatibilidade com o Wii, mas não com o GameCube. Bem, sobre a ausência da compatibilidade com o GameCube, foi uma decisão acertada. A maioria dos hacks disponíveis para uso no Wii explora essa compatibilidade, então era realmente preciso que a Nintendo fechasse essa porta para a pirataria & Cia. E os jogos de GC podem muito estar ser disponibilizados por meio do Virtual Console. A opção por fazer do HD externo uma opção de armazenamento também foi acertada. O HD do Xbox por ser proprietário é algo ruim, eu mesmo estou com um de 250GB encostado aqui (alguém quer comprar? Aceito propostas!), já o PS3 permite o uso de um HD comum de notebook, mas a instalação dele não é lá muito fácil. Já com o Wii U, o conceito de plug & play deve ser usado, bastando conectar o HD em uma porta USB, o que facilita as coisas pra todos.

O componente da rede online ainda é algo bastante misterioso. Mas a Nintendo é bastante experiente, desde o NES ela se aventura no ambiente online, e ela contratou uma parceira para estabelecer uma rede mais forte do que a Nintendo Wi-Fi Connection. Aliás, acho que aa nova rede deve ficar bem parecida com a PSN e a Live. O que eu acho que é praticamente certo é que a e-Shop, que estreou agora no 3DS, estará na rede do Wii U. E que o conteúdo que havíamos comprado na WiiWare poderá ser transferido para o novo console, assim como foi feito do DSI para o 3DS.

O controle, como de praxe nos consoles Nintendo, é uma estrela à parte. Todos os consoles Nintendo sempre apresentaram controles que viriam a oferecer novas soluções para a concepção de novos tipos de interface entre jogador/videogame. Engraçado que alguns ao ouvirem que no Wii U os ditos jogos hardcores teriam maior espaço e que o Super Nintendo teria sido uma grande inspiração, pensaram que o console viria a ter um joypad tradicional. Esses com certeza não conhecem a Nintendo, senão não pensariam que ela faria esse retrocesso. O joypad com algumas alavancas e botões pertence ao passado, a vida precisa seguir e evoluir, e por isso eu vejo sim que o controle do SNES inspirou sim o controle do Wii U, mas o controle também traz características que o diferenciam.

E são essas novas características nas quais deposito minhas esperanças de que a indústria tire a bunda do sofá também e me surpreenda. Apesar dos videogames cada vez mais se estabelecerem como uma forma de entretenimento para todos, em muitos aspectos a indústria do videogame ainda é assustadoramente conservadora, até medrosa eu diria, e esse medo encontra seu sentido naqueles jogadores que querem ficar sentados no sofá jogando infinitas continuações de jogos que ostentam padrões de jogo da época do Telejogo.

Muitos dizem hoje não reconhecer mais a Nintendo, que ela não é mais aquela maravilha que conheceram no passado. Eu discordo e essa busca dela por um diferencial tem sido sua marca registrada, é parte do DNA Nintendo. Se a Big N chegasse com um console com poder gráfico absoluto, drive de blu-ray, HD de 500GB, uma rede online igual à Live e afins, aí sim eu teria a certeza que a Nintendo não era mais a Nintendo e assim ela teria se tornado apenas mais uma empresa com medo de sair de sua zona de conforto.

Se a estratégia vai dar certo ou não, ainda é cedo para se ter alguma certeza, mas desde já podemos notar afirmar que como sempre, a Nintendo quer conquistar um belo mar azul, e não apenas a piscininha no quintal, e ela será acusada de muitas coisas ainda, mas nunca poderá ser apontada como uma empresa que não tentou fazer coisas diferentes. Pois não é à toa que ela já usou o slogan The Nintendo Difference.

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