Cinema | Homem de Ferro 3 (Crítica)

Tony Stark tem um coração.

O Homem de Ferro é um dos personagens mais interessantes da Marvel. E seu sucesso também. O herói da armadura tecnológica, surgiu em março de 1963, na HQ Tales of Suspense #39. Em seus primeiros anos de vida, o personagem parecia não ter nada de atraente para o público que na naquela época ainda era majoritariamente composto por crianças e jovens.

Ao contrário do Homem-Aranha, o leitor não podia se espelhar no Homem de Ferro. Era um cara maduro, muito inteligente, riquíssimo, rodeado de belas mulheres, envolvido em politicagens e assuntos empresariais. De fato, era mais fácil se identificar muito mais com o amigão da vizinhança e seus problemas mundanos pelos quais a maioria de nós passamos em nosso início de vida.

Ainda assim, Tony Stark sobreviveu, apesar de ter demorado muito até que finalmente ganhasse uma revista própria. Com o devido tempo, os leitores passaram a se afeiçoar ao personagem, entendendo que a identificação com ele não era algo imediato, mas algo com o qual podiam aspirar. E a armadura era um sem dúvida um belo componente a ser desejado.

Altos e baixos acompanharam o personagem durante as décadas seguintes, até que em 2008 a Marvel decide apostar as fichas em suas produções no cinema. Por motivos de direitos de utilização de personagens, a Marvel apostou tudo no Homem de Ferro, que dos Vingadores era o personagem mais fácil de ser trabalhado.

E tudo deu muito certo. Principalmente por ser uma adaptação, e não uma tentativa de transcrever aquilo que se leu nos quadrinhos para a tela grande. A Marvel entendeu que o cinema possui uma linguagem diferente, que o público era diferente daquele com o qual já trabalhava. Foi preciso atualizar o personagem, como se de fato ele tivesse sido criado em 2008.

Esse foi o principal ingrediente dessa receita de sucesso (que funcionou de maneira variada nos filmes da Marvel que sucederam Homem de Ferro), e lógico que não dá para deixar de mencionar que Robert Downey Jr foi um tremendo catalisador para que essa mistura entre aquilo que se viu nos quadrinhos e aquilo que deveria ser visto numa tela grande desse tão certo. O que nos leva diretamente a minha reflexão sobre a qualidade de Homem de Ferro 3. E digo que não me surpreendi ao ser surpreendido, no entanto, a surpresa foi muito positiva para mim.

Gosta de spoilers? Então vamos falar sobre o filme.

Homem de Ferro 3 acontece algum tempo depois dos eventos mostrados em Os Vingadores. Acostumado a ser “o cara” a ser batido, Stark vive agora cheio de dúvidas. Já não possui o controle da situação, algo com o qual não está acostumado. A reação dele é uma crise de ansiedade em querer estar preparado, de voltar a ter controle caso as coisas fiquem loucas como em Os Vingadores. Tony conheceu inimigos os quais ele nunca achou que pudessem existir. E amigos, também. O que era simples, básico,  acabou por tornar-se uma equação que Tony não conseguia resolver. E essa é uma das coisas que o deixam realmente abalado.

Em Nova Iorque, Tony entrou em um buraco de minhoca segurando um míssil nuclear, e agora ele tem uma espécie de buraco em sua própria cabeça, em seus pensamentos. Ele tenta se reencontrar, se reconstruir, e então, ele faz o que sabe. Ele constrói coisas. O resultado é Um monte de armaduras construídas contra um inimigo que ainda não existe.

É o Mandarim que acaba preenchendo esse vazio, sobretudo quando seu melhor amigo Happy entra em coma por meio das ações do terrorista. Tony não lida muito bem com perdas, e o medo de perder o amigo mistura-se com o sentimento de vingança e aí fica estabelecido uma linha de confronto entre Stark e o terrorista.

E que terrorista, meus amigos! E que escolha polêmica, meus amigos! A Marvel transformou um dos inimigos mais clássicos do Homem de Ferro em um mero ator a serviço do verdadeiro vilão, Aldrich Killian! Tem muita gente que parece estar tomada pelo Extremis e está cuspindo fogo por causa dessa mudança na caracterização do Mandarim…

Bem, eu achei uma ideia fantástica, e gostei ainda mais de ser surpreendido. E eu já não tinha muito apego pelo Mandarim das HQ’s, então, tudo bem pra mim, pois não acredito que esse Mandarim das HQ’s possa existir nos filmes. AINDA. Eu tenho um palpite sobre o papel futuro do Mandarim e da I.M.A. nos próximos filmes.

A maneira como Killian manipulou o público é digna de aplausos. Essa manifestação cheio de simbolismos na mídia de seu fantoche e suas implicações políticas que também ocorrem em nosso mundo real de certa forma.. foi interessante ver isso nesse filme. Killian queria a guerra para vender o seu peixe, digo, seu Extremis, e o terrorista garantiria isso, servindo como bode expiatório para as ações de Killian. Um prato cheio para aqueles que curtem teorias da conspiração e acreditam que o 11 de Setembro e tipos como Bin Laden são meras invenções…

Killian foi também o melhor vilão até aqui, sua vilania é plenamente justificada por tudo o que aconteceu com ele. Num primeiro momento, parece apenas uma busca por vingança e mero desejo de poder como Chicote Negro e o Stane e Hammer. Mas na real é bem mais que isso. Killian queria ultrapassar Stark e muito mais, ele tinha uma ideia  um sonho, e essa era a única coisa com a qual podia se agarrar e não se decepcionar. Ter o sucesso em sua ideia era o que o realizava, uma maneira de compensar suas deficiências físicas e sociais. Era sua vida e Stark foi um mero catalisador.

Junto com o Mandarim, o vírus Extremis aqui opera de maneira diferente. Mas assim como no caso do Mandarim, a mudança ocorre por uma causa maior, por um bem maior para o filme e sua história. Na HQ, Tony é submetido ao Extremis para salvar sua vida, e adquire a capacidade de controlar remotamente dispositivos eletrônicos (e outras habilidades). No filme isso não ocorre, o Extremis somente dá “superpoderes” aos infectados como na HQ.

Essa solução combina com aquilo que vimos em Vingadores, quando Tony usando uma pulseira consegue “chamar” a Mark VII. No filme, ao invés de termos o Extremis comandando as armaduras, é apenas a tecnologia aprimorada vista em Os Vingadores que consegue acessar as armaduras. Achei essa solução mais elegante e de acordo com os filmes anteriores. Stark consegue controlar as partes da sua armadura “com a mente”, e conta ainda com Jarvis para auxiliá-lo. Um upgrade digno dele e que fornece um vislumbre do que a Extremis poderá fazer no futuro. E sobre o futuro…

Homem de Ferro 3 é um filme bem focado em sua própria história, completando uma trilogia de maneira satisfatória enquanto deixa um espaço para ser ocupado ou não. Mas não se enganem, apesar de parecer meio isolado, Homem de Ferro 3 é o início da fase 2 da Marvel no cinema, então a gratuidade nos acontecimentos não existe, pois tudo faz parte de algo maior que passará pelos filmes do Thor e do Capitão, até chegarmos ao tempo em que os Vingadores se reunirão novamente.

É legal notar toda a evolução de Tony Stark, com ele abrindo cada vez mais seu coração e sua mente, e como ele e seus amigos que o rodeiam ganharam mais tempo de tela e peso na história. Em especial Pepper! Só o Rhodes que ainda não mostrou a que veio, infelizmente. Quem sabe em um filme solo!

Homem de Ferro 3 termina com um ar de liberdade, de renascimento, de retorno ao equilíbrio. Um reencontro consigo mesmo. Com a deliciosa sensação de que seu coração pode bater livremente.

Sim, ele pode. Tony Stark tem um coração.

Acompanhando os comentários do pessoal na internet, vejo que tem muita gente reclamando do filme, em especial um dos vilões. É gente se referindo a ele como tr00lada, cagada, embuste, decepção, etc. Imagino se vissem um oriental com jeitão do século passado ostentando 10 anéis mágicos (mas sim, eu sei que são tecnológicos) e acompanhando de um dragão gigante vestido com uma bermuda. O que diriam disso?

Vejo isso, e revejo o ano passado, onde em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, um dos vilões teve sua origem e quase todo o resto modificado para atender ao universo do filme no qual estava sendo inserido. Com o Mandarim, a proposta é bem similar. Embora eu não goste da trilogia Batman dirigida por Christopher Nolan, não posso negar que ele teve culhões de fazer algo com vida própria. Mas enquanto Nolan teve muitos filmes do Batman nos quais se espelhar, Jon Favreau e Shane Black tiveram que começar do começo. E de cara foram bem, o que é um mérito e tanto. Esses 3 diretores captaram a essência dos personagens nos quais trabalharam, mas não se deixarem ser conduzidos por essa essência, e sim a utilizaram como combustível para chegarem aonde queriam.

Exatamente como acontece no Universo Ultimate. A base é apenas para se sustentar, mas todo o resto deve ser construído de maneira nova, com situações e personagens caminhando sob novas perspectivas. Esse é o grande mérito da Marvel e do Marvel Studios. A Casa das Ideias trabalha com ideias, e temos que considerar que pessoas diferentes trabalharam de maneira diferentes com uma ideia.

Finalizando, um filme surpreendente e divertido, com ótimas atuações e efeitos especiais que garantem cenas empolgantes e legais. Não escrevi tudo o que queria nesse post pois o nosso amigo Rackor e talvez outros da equipe vão também colocar no blog seus comentários e vão enriquecer o bate-papo. Espero o mesmo de nossos leitores. Que venha Thor: O Mundo Sombrio!

Tony Stark voltará.

Sair da versão mobile