Reflexão | Games possuem prazo de validade?

Qual a perda ao se jogar um game lançado há alguns anos atrás?

Essa era uma antiga discussão que rolou incontáveis vezes nos bastidores do blog, quando tínhamos uma equipe e um fórum privado para criar pautas e discutir alguns assuntos antes dos mesmo serem transformados em matérias para cá. Era uma discussão que sempre dava confusão e exaltava os ânimos com uma rapidez assustadora. Talvez até por isso nunca acabou virando propriamente uma reflexão por aqui. Até agora.

Para posicionar melhor a relevância do assunto basta pensar que estamos num momento de transição de geração, onde a sétima geração de consoles (PS3, X360 e Wii) está dando lugar a oitava geração (PS4, Xone e Wii U). Durante esse momento da indústria dos games é muito comum o debate entre comprar um novo console da nova geração ou comprar outro console dessa geração que está chegando ao fim e aproveitar os games exclusivos que você não teve a oportunidade de jogar ao longo da geração?

Muitos defendem que não se deve comprar um novo videogame em início de geração porque ele ainda não tem muitos games, os custos para se manter é maior do que o habitual, os aparelhos podem ter bugs e problemas de hardware e perante aos consoles concorrentes fica difícil tentar enxergar qual irá se sobressair perante os demais ao longo da geração. Nesse cenário é muito melhor adquirir um console da geração que está terminando seu ciclo já que existem bons benefícios em função do momento em si, como o preço ser mais camarada, já existir uma biblioteca consolidada de títulos para se escolher e assim por diante. Parece fazer sentido, não? E faz.

Aí é que entra a discussão sobre a experiência com games recém lançados e games que já estão nas prateleiras há alguns anos. Mas antes disso é preciso se perguntar: os games envelhecem e a experiência do jogador com isso é prejudicada? Jogar um game no lançamento tem realmente alguma diferença do que esperar alguns meses ou até mesmo o final de uma geração? A minha resposta nesse momento é: depende.

“O modelo Brotherhood”

Vou dar um exemplo prático. Já comentei várias vezes aqui no blog que sou uma lesma para jogar os títulos da franquia Assassin’s Creed. Somente no mês passado pude concluir AC: Brotherhood. Jogo lançado no final de 2010, ou seja, faz um pouco mais de três anos que o mesmo foi lançado. Por conta disso é claro que somente agora iniciei AC: Revelations e ainda tenho parado na prateleira AC III e AC: Black Flag. O curioso é que mesmo jogando Brotherhood nestes últimos meses não senti o peso do envelhecimento do game, talvez pelo fato de ter respeitado a cronologia da série e não ter experimentado as sequências. Agora que já iniciei Revelations e senti as pequenas mudanças de cenário e mecânicas de gameplay percebo a melhora na experiência do jogador. Com certeza se tivesse brincado um pouco com Revelations enquanto ainda terminava Brotherhood isso iria comprometer um pouco o meu vislumbre pelo título, que já trazia muitas mudanças positivas em relação ao AC II.

Essa minha experiência acima é importante também em outro fator: multiplayer. Vivemos a era do multiplayer. Muito mais do que qualquer outra geração anterior ouso dizer. Antigamente um game era desenvolvido pensando primeiramente na experiência solo do jogador e depois é que se preocupavam com o que seria feito no modo multiplayer, isso quando o game possuía multiplayer. Mesmo em jogos que tradicionalmente precisam de multiplayer, como esportes, corridas, lutas etc sempre se preocupou muito com a experiência do jogador que não pode apreciar o multiplayer a qualquer momento. E esse é um reflexo que mudou ao longo da sétima geração, com a popularização do multiplayer online. Basta pensar que o primeiro e segundo Assassin’s Creed não possuíam multiplayer, até a Ubisoft perceber a importância do multiplayer aos gamers da atualidade.

E apesar do multiplayer nos dias de hoje possuir dois aspectos – online e offline – esse é um fator que envelhece muito mais rápido do que single player de determinados títulos. Volto ao Brotherhood como exemplo, pois ao terminar o modo história resolvi testar o modo multiplayer, que sinceramente não havia tido a menor curiosidade de testar até finalizar a campanha, e descubro que é meio impossível usá-lo online porque não há muitos jogadores online e por isso as partidas ficam naquela eterna busca por players e partidas. Tudo bem que foi o primeiro AC com tal elemento, que o próprio sistema dele parece meio precário e bugado (pesquisando no google li relatos disso desde a época do lançamento), mas ainda assim, três anos depois do lançamento o modo multiplayer de Brotherhood está praticamente morto. Faz sentido quando lemos notícias de que servidores de games lançados há três ou mais anos acabam sendo desativados devido a baixa quantidade de jogadores em determinados títulos. Ou seja, é uma experiência que perdi ao decidir esperar tanto tempo para jogar Brotherhood.

Claro que esse foi um exemplo de uma franquia que criou o hábito de se lançar um novo game anualmente, fazendo com que os jogos mais antigos envelheçam muito mais rápidos do que outros jogos. É apenas um dos aspectos desse debate. Mas é um importante. Ao longo dessa geração tive algumas outras experiências com multiplayer online que envelheceram muito rápido e rapidamente morreram. Lembro quando adquiri Turok (de 2008) e o quanto era difícil jogá-lo online. Tive problemas semelhantes com Bulletstorm, que saiu em 2011, e ao testá-lo em 2012 já havia poucos jogadores em salas de multiplayer. E Shadowrun então? Saiu em 2007 e tinha a premissa interessante ao funcionar em modo cross-plataform, entre Xbox 360 e PC, mas logo que saiu as notícias de que o game não havia ido mal nas vendas, também se percebeu o abandono dos gamers das salas de multiplayer e com isso o título que só funciona online praticamente foi dado como morto.

Então chegamos em dois pontos:

“Clássicos são clássicos”

Mas há outros pontos que podem expandir esse debate. E jogos que foram lançados em gerações passadas. Jogar The Legend of Zelda: Ocarina of Time em pleno 2014 é a mesma experiência de quem jogou o game lá na geração Nintendo 64? Mesmo presumindo que essa pessoa nunca jogou um The Legend of Zelda que tenha sido lançado depois de Ocarina (porque senão cai no mesmo ponto de Brotherhood onde a experiência de uma sequência abaixa a bola do game anterior) não vai ser a mesma coisa. Ainda vai ser uma experiência legal? Se essa pessoa curte a Nintendo é bem provável que sim, mas ainda assim não vai ter o mesmo gosto de quem pode testar essa grande clássico dos games na época em que o mesmo saiu pela primeira vez. Na minha visão é claro.

Num paralelo seria a mesma coisa de mostrar um filme da nossa infância a uma criança dessa geração. Eu me lembro de gostar de Os Goonies e História sem Fim, porém apresentar esses clássicos para uma criança hoje em dia não vai causar o mesmo efeito que tivemos em nossa infância. Ou essa criança vai achar uma merda, pelos efeitos toscos da época, ou ela até pode curtir mas dificilmente vai gostar tanto quanto aos filmes de sua própria geração.

Clássicos ainda são clássicos é claro. E alguns são tão divertidos quanto eram na época em que saíram, mas tenho pra mim que a experiência deles jamais serão iguais a época em que estavam em seu auge. E cada caso é um caso. Eu ainda me divirto com Super Mario World, mas não posso dizer que tenho a mesma paciência com Super Mario Bros 2. Acho que este envelheceu mal. Então há esta questão também, de jogos que envelhecem mal. Tem alguns Mega Man das antigas que acho intragável nos dias atuais, mas tem muitos que ainda são excelentes. O primeiro Sonic The Hedgehog é outro exemplo dentro desse caso de envelhecimento, ainda mais se você o comparar com Sonic 3. E o primeiro Mario Kart para SNES, então? Não dá mais.

Mas não precisamos ir tão longe assim. Há muitos títulos da geração PlayStation One que já apresentam sinais de envelhecimento, em especial, aqueles primeiros plataformas 3D com gráficos rudimentares. Tudo bem que o primeiro Spider-Man do PSOne ainda me parece divertido na minha memória, mas não sei se tenho coragem de colocar isso a prova. Muito coisa que nos lembramos como bom está atrelado a nossa memória mais sentimental. Tente jogar os primeiros games de Resident Evil. Clássicos sim, mas nenhum gamer novato vai idolatrar como nós idolatrávamos na época.

O mesmo vale para geração PS2/Gamecube? Apesar de lembrar do Gamecube com muita simpatia – o considero meu console favorito de todos os tempos – admito que há certos títulos ali que não gostaria de revisitar mais. Mas aí como separar a memória afetiva do bom senso? Apesar de acreditar que muitos títulos da sexta geração valem a pena serem experimentados e até mesmo ganharem versões remasterizadas em HD para esta geração da alta definição, não acredito que os mesmo causem os mesmo vislumbres que tinha na época. Gostaria de jogar Viewtiful Joe novamente? Com certeza, porém gostaria de um novo game dessa série que a Capcom esqueceu que existe do que simplesmente um remake HD, mais emparelhado com o que existe tecnologicamente nos dias de hoje para produzir um jogo desse gênero beat-up.

Então aqui surgem mais alguns pontos:

“Prazo de validade de um game atual”

 Entrando na último parte dessa reflexão – apesar de acreditar que existem muitos pontos – é preciso discutir qual o prazo de validade de um game atual. Esqueça aqueles lançados da sexta geração para trás, discutidos acima. Estes já são clássicos e precisamos tratar como tal. A questão agora é aquela proposta lá no início do texto: a troca de geração está acontecendo e com isso qual é a janela para a experiência completa de um título?

Desconsiderando os casos discutidos lá no primeiro bloco da matéria, onde as excessivas sequências envelhecem os primeiros títulos da franquia e também dos games mais antigos possuírem grandes chances dos modos de multiplayer online estarem desativados ou simplesmente abandonado pelos jogadores, o que resta para ser avaliado?

Você sobreviveu a sétima geração sem nenhum console e está adquirindo um agora ou talvez você possui apenas uma plataforma e está querendo adquirir uma outra dessa geração que ainda não fechou as portas completamente para aproveitar alguns dos exclusivos que perdeu nestes últimos anos. A sua experiência com esse “novo” console e seus games será idêntica aos jogadores que já usufruíram destes títulos ao longo destes últimos anos? A minha resposta e opinião é: não!

Claro que esse “não” vem carregado com alguns “depende”. Você comprou um Wii, então talvez você fique vislumbrado com Super Mario Galaxy 2, mas será que consegue dizer o mesmo se jogar Red Steel lá do começo da vida do console? Ou você comprou um PS3 e vai adorar The Last of Us, porém será que terá a mesma impressão se jogar Heavenly Sword? Então quem sabe um Xbox 360 e possivelmente vai adorar Gears of War 3, mas vai estranhar muito se resolver testar Ninety Nine Nights. Qual é o ponto em questão? Essa sétima geração possui uma linha temporal enorme e alguns jogos dela já estão um tanto quanto ultrapassados, envelhecidos por uma geração que teve uma evolução fantástica no desenvolvimento de títulos e novas franquias, fazendo muitas coisa ficar envelhecida rapidamente.

Isso significa que não valem mais a pena serem jogados? Não é isso que estou dizendo. Muitos games do começo dessa geração Wii/360/PS3 valem sim serem apreciados, mas muitos já precisam daquela visão contextualizada, onde o jogador precisa entender que um game do começo de geração é bem inferior, a níveis gritantes, dos títulos que estão saindo nos últimos dois anos pra cá. Que um GTA IV é impressionantemente inferior a experiência proporcionada por um GTA V.

É preciso compreender que estamos vivenciando um momento da história dos videogames onde a cada ano novas e impressionantes inovações estão sendo aplicadas aos gêneros de games e que isso faz determinados títulos já lançados, sejam sequências de uma franquia ou não, ficarem rapidamente defasados e que se você não entender a cronologia dessa linha do tempo, alguns games vão lhe dar uma experiência muito diferente daqueles que a tiveram dentro da janela de oportunidade causada pelo auge de determinado título.

Não estou defendendo que um game precise ser comprado e jogado no momento em que ele é lançado. Não, não é isso! A grande questão aqui é que existe um momento em um determinado título onde ele está em seu auge de jogabilidade. E não estou me referindo apenas ao multiplayer online. É aquele momento onde todos estão comentando sobre o game, aquele momento onde seus amigos estão jogando o mesmo, aquele momento do ápice do entusiasmo com tal título. Esse é um dos momentos mais divertidos dessa experiência. Você pode ignorar isso e ainda assim se divertir? Claro que pode, mas não venha dizer que a experiência é igual.

Em mais uma comparação com o outro lado do mundo do entretenimento seria como alguém começar a assistir Lost hoje. Vai dizer que a experiência de ver essa série hoje é igual a quando a mesma explodiu? Ou no caso de você não ter ido ver Vingadores no cinema e estar esperando o filme estrear na Tela Quente da Globo. A experiência não é idêntica. Não significa que qualquer coisa tem seu auge em seu lançamento. Breaking Bad é um excelente exemplo, onde o seu ápice foi na reta final. Foi quando as pessoas descobriram a série, onde ela se tornou popular e virou assunto do momento. Essa foi a melhor janela de experiência para quem conseguir pescar o momento. Eu, por exemplo, perdi esse momento. Significa que hoje não vale mais a pena ver Breaking bad? Claro que vale, mas não tem o mesmo estímulo e entusiasmo que havia quando ela explodiu. É o que acontece hoje com Game of Thrones.

Com o mundo dos videogames estes momentos também acontecem. Claro que é impossível quanto tempo a bolha de ápice de um jogo vai durar. Pode ser anos, podem ser meses e até mesmo semanas. Há quem diga que o boom de um novo game que dure apenas algumas semanas não vale a pena e eu concordo com isso. Quanto maior foi o auge de um título, mais divertido é a experiência proporcionada por ele. Não basta apenas durar algumas semaninhas e depois cair no esquecimento. Longevidade também é um fator importante. Só que longevidade não significa durar para sempre. É ilusão achar isso – e muito gente acha – pois uma hora ou outra, o ápice de um game terminar.

Então a validade de um game não possui uma regra exata, que pode ser calculada usando alguns simples parâmetros. E veja bem, isso não quer dizer que todo bendito game precisa ser aproveitado dessa maneira. Eu acredito que isso nem seja possível. Há momentos e títulos que a gente precisa despriorizar, deixar na prateleira, esperar uma promoção ou até mesmo deixar passar. Assim como fazemos com filmes, séries e quadrinhos. Não dá para consumir tudo no momento de seus respectivos auge. Mas é importante vez ou outra você curtir esse momento, porque é realmente uma experiência bem diferente de comprar um game que já está aí no mercado há alguns meses e já caiu no esquecimento.

Claro que vivemos num país onde o mercado de games não é fácil. É um entretenimento caro pra burro. Então é comum existam jogadores que só agora estão aposentando seus PS2 e entrando na sétima geração, sem nem pensar na oitava geração. Não fiz esse texto para persuadir qualquer um de que o melhor é ter o console mais atual e moderno possível. Não se pode moldar a realidade de cada um. Até porque eu mesmo já disse algumas vezes aqui no blog que ainda não vale a pena entrar na oitava geração a menos que você realmente queira e entenda o que é ser um early adopter. Também não é para menosprezar aqueles que não podem acompanhar em tempo real esse universo dos videogames, porque muitos até gostariam mas não possuem condições. E menciono isso porque quando esse debate surgia privativamente aqui no blog ele sempre descambava para esse lado dos egos, de poder ou não poder, não ter condições e de quem tinha condições estava de chacota com quem não podia. Algo que sempre achei imbecil, mas o mundinho dos games tem muito desse mimimi, desde guerra de consoles a “o melhor é melhor que o seu”.

A minha proposta aqui é apenas passar adiante a reflexão de que alguns games possuem um prazo para serem apreciados em seu total potencial, independente da situação individual e específica de cada jogador de poder ou decidir por si mesmo vivenciar ou não tal momento. Isso também é importante na hora de pegar um game mais velhinho e não entender como o mesmo fez sucesso na época em que saiu, ou porque a sua experiência com o mesmo não foi tão bacana quando a daquele seu amigo. Até mesmo ter a consciência disso na hora de adquirir um console que já está no mercado a muitos anos e do momento de escolher quais títulos você deixou passar e que valem serem jogados independente de já terem se passado da validade de seu pleno potencial.

Fechando então os últimos pontos:

Sendo assim, na minha opinião os games possuem sim um prazo de validade. Porém isso não significa que ao término desse prazo eles se tornem descartáveis e dispensáveis. Os bons games eventualmente se tornam clássicos e clássicos são para sempre, mesmo aqueles que acabam envelhecendo muito mal, porém contanto que você entenda o contexto e do porque eles ficaram para a história e na memória de muitos, ainda será válido a experiência adquirida ao joga-los. E se você é daqueles que curte esperar uma geração estar próxima do fim para adquirir o console, talvez você esteja perdendo um tipo de experiência muito prazerosa desse universo gamer. Claro que se você não tem condições de ter um novo console mais cedo, tudo bem, é a realidade na qual vivemos, isso não o torna menos gamer. No fim, o importante é jogar e se divertir, cada um a seu tempo e momento. Uns mais cedo, outros mais tarde.

Deixe nos comentários o seu relato. Já experimentou esse “auge do game” que menciono no texto? Não acredita que os jogos possuem validade e que jogar eles em qualquer momento dá vida não interferem em nada a sua experiência com eles? Como é a sua política de aquisição de novos games e consoles?

Obs: infelizmente alguns pontos acabaram ficando fora da matéria, como a questão do jogos para portáteis, a situação de remakes antigos com novas roupagens gerações posteriores, a tendência do desenvolvimento de games apenas com multiplayer online nessa oitava geração, a manutenção da validade de alguns títulos mediante DLCs – pagos ou gratuitos – mantendo o interesse do público etc, o mercado indie e assim por diante.  Entretanto são pontos que podem ser discutidos nos comentários e até mesmo voltarem futuramente em reflexões próprias por aqui.

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