Dragon Quest I & II HD-2D Remake é, em sua essência, uma experiência de cunho arqueológico, onde a finalidade é apresentar duas icônicas lendas a uma nova geração de jogadores, a fim de demonstrar como esses títulos criaram a fundação do gênero RPG/JRPG que conhecemos em incontáveis games atuais. O remake não é sobre mudar, modernizar ou adaptar esses jogos para a era atual, mas sim como apresentá-los com uma roupagem que torne essa fundação jogável em tempos modernos, mantendo sim arestas e parte de sua rigidez estrutural dentro desta base primordial, enquanto mantêm todo o conceito épico que mudou os videogames para todo sempre.
A coleção foi lançada agora, no último dia 30 de outubro, chegando as mais atuais plataformas da geração: PlayStation 5, Xbox Series X|S, Nintendo Switch 2 (e também no primeiro Switch), assim como o PC.
A coleção é baseada nos dois eternos clássicos: Dragon Quest/Warriors (1986) e Dragon Quest II/Warriors II (1987), que foram originalmente desenvolvidos pela equipe da Spike Chunsoft, liderado pelo lendário desenvolvedor Yuji Horii, e contou desde sua concepção com arte e design de personagens criados pelo (também) lendário Akira Toriyama (autor de Dragon Ball), sob o selo de sua empresa (Bird Studio). Todos são nomes que precisam ser mencionados, porque são criadores fundamentais desse universo de tamanha importância ao mundo dos games e ao gênero do RPG eletrônico.
Agora, pensando apenas no remake, os envolvidos atuais em seu desenvolvimento foi um time interno de supervisão da Square Enix, liderado pelo grande Tomoya Asano, que tem sido responsável pela atual fase de jogos com gráficos que mesclam 3D (ambientes) e 2D (personagens), encontrados em títulos como Bravely Default, Octopath Traveler e Triangle Strategy.
Junto a equipe de Asano, houve a colaboração de co-desenvolvimento do estúdio ArtDink, que tem trabalhando com a Square Enix desde Triangle Strategy, e os auxiliou bastante ano passando quando Dragon Quest III HD-2D Remake foi lançado, antecipando esta nova coleção baseada na Trilogia Erdrick, a qual explicarei mais adiante.
Revisar parte do passado acaba sendo uma jornada importante para entender a proposta de Dragon Quest I & II HD-2D Remake, pois caso contrário, quem chegar sem entender um pouco o que o título representa, irá se frustrar com o que a coleção tem a oferecer. Contexto tem uma importância enorme neste caso.
Antes de começar a destrinchar outros pontos, preciso colocar logo uma ferida em evidência, e a qual retornarei mais a frente deste texto: Dragon Quest I & II HD-2D Remake não apresenta localização em português, o que é um pecado de alto impacto, considerando a escolha de uma inglês medieval e arcaico (thou art = you are), criando barreiras de acessibilidades que atrapalham em muito a experiência com o título. Abordarei isso mais adiante.
Quando tudo era mato
Não pretendo me prender muito ao passado ou repassar a completa história dos jogos de RPG, mas é muito importante entender que o primeiro Dragon Quest (1986) foi de fato o percurso de seu gênero, e dos JRPGs que surgiram a partir dele, inclusive até mesmo para o primeiro Final Fantasy, que seria lançado um ano depois, em 1987. Duas séries que ainda inspiram gerações de novos jogos.
O ponto é que Dragon Quest não surge do nada, Yuji Horii teve como inspiração jogos como Wizardry e Ultima, ambos de 1981, títulos com desenvolvedores diferentes, e nenhum deles localizado no Japão. Mas se o gênero já existia, então porque Dragon Quest tem toda essa importância? Porque foi o jogo que simplificou a estrutura desse gênero, tornando possível que o mesmo se tornasse acessível a qualquer pessoa. Criar uma fundação que pudesse popularizar um gênero inteiro foi de suma importância para a escalada dos JRPGs ao longo das décadas de 80 e 90.
Isso porque até então, o que existia eram jogos complexos, com muito texto, feitos para computadores rudimentares, burocráticos, difíceis de serem assimilados por qualquer um não habituado com a prática o próprio RPG de Mesa – sendo que este surge rudimentarmente no fim da década de 1960, e tem como pontapé oficial o ano de 1974 com o, até hoje famoso, Dungeons & Dragons.
O primeiro Dragon Quest (1986) revoluciona o formato, justamente o simplificando, tornando-o acessível como uma aventura interativa narrativa, apresentando um mundo complexo, mas compreensível, com personagens encantadores, principalmente no Japão, pois veio somado ao charme de design de Toriyama, que na época já fazia sucesso com Dragon Ball, onde o mangá já estava em publicação desde 1984
Acima de tudo, Dragon Quest oferecia mecânicas que surpreendiam para na época, explorando liberdade e experiências singulares de descobertas de forma individualizada, a depender de como cada um partia dentro da jornada do jogo, o que criava a sensação instantânea de imersão ao mundo proposto. Não havia uma progressão rígida como jogos de aventura e ação, que na época, era extremamente lineares.
Claro que, mesmo com tudo isso, essa fundação não surge perfeita ou sequer poderia se dizer pronta. Diversos outros elementos surgem depois, em sua sequência e outros títulos que usaram essa base recém criada. Quer um exemplo? O conceito de uma equipe de protagonistas, com diferentes classes e funções, tão comum nos RPGs, só viria a se concretizar no segundo jogo, em Dragon Quest II (1987).
O primeiro jogo tem inclusive essa aura icônica, e pode soar muito estranho jogá-lo dessa forma hoje, porque é a jornada de um herói solitário, sem ninguém para lhe auxiliar nas batalhas. E neste novo remake é exatamente isso que acontece, o herói (sem nome, nomeado apenas pelo jogador) é o único personagem controlado pelo jogador ao longo de toda a aventura. Ele detém todos os tipos de ataques, encantamentos e feitiços. Não há uma classe de suporte. É você contra o mundo, o que pode tornar a aventura original bem complicada.
Quando Dragon Quest II estreia em 1987, todos os elementos do jogo original se intensificam. Masmorras são mais elaboradas, oferecendo labirintos e puzzles; o mapa do mundo é muito maior, há meios diferentes de se navegar pelo mapa; os inimigos passam a atacar em grupos; os três protagonistas agora possuem classes (suporte e magia), e há mais feitiços e magias espalhadas entre eles; a narrativa é mais densa, melhor elaborada, complexa; além disso a aventura coloca um vilão mais presente e marcante; adiciona mais missões secundárias, mais itens e a dificuldade escala bastante próxima do final da aventura.
Uma digna sequência que traz mais de tudo, só que refina ainda mais toda a fundação simplificada do primeiro Dragon Quest. E isso também explica porque Dragon Quest I & II HD-2D Remake é uma coletânea de 2 games, diferente do que ocorreu ano passado com Dragon Quest III HD-2D Remake. O primeiro título é cru, simples e curto para os padrões de hoje, e mesmo que ainda funcione de forma isolada, sua experiência parece melhor apreciada quando somada ao que o segundo fez pelo gênero em si.
Se o terceiro título, um dos mais famosos de toda a franquia, é o que é até hoje, se dá por conta de toda a estrutura que os dois jogos anteriores criaram, até mesmo em termos de mundo e narrativa. Isso porque o terceiro título é um prequel, ele conta uma história que já havia sendo contada aqui, nestes dois jogos. Para a época, voltar e contar algo que só era mencionado, foi um evento fantástico, ainda que hoje, o recurso do prequel já não seja tão surpreendente mais. E por isso, Dragon Quest III HD-2D Remake foi lançado ano passado (2024), antes do primeiro e segundo jogo ganharem o remake. O que faz sentido HOJE.
REMAKE | Experiência (quase) arqueóloga
Explicar toda a essa história do passado acaba sendo importante para entender porque Dragon Quest I & II HD-2D Remake faz o que faz nesta nova edição, neste novo remake. Porque algumas coisas ocorrem da forma que podem parecer… ultrapassadas, ainda que o remake se esforce imensamente para funcionar de forma clássica, mas funcional. Caso contrário, talvez ninguém o quisesse jogar. Esse possivelmente foi o maior desafio da equipe de desenvolvimento.
A parte mais fácil deste remake é visivelmente notada: os gráficos! A Direção de Arte se aproveita da técnica HD-2D, que surge com bastante evidência em meados de 2018, com o lançamento de Octopath Traveler, utilizando técnicas que misturam elementos e perspectivas bidimensionais aplicadas a objetos e personagens criados em sprites de pixel arts incrivelmente detalhistas, dentro de ambientes completamente construídos em gráficos 3D, adicionando muitos elementos de efeitos visuais de alta resolução, como fogo, raio, reflexos e afins. Uma técnica que combina dois mundos, gerando um resultado ímpar que até hoje segue impressionante a qualidade e riqueza de seus detalhes.
Dragon Quest I & II HD-2D Remake é, como o próprio título já afirma, construído inteiramente em cima desta técnica. O resultado é um mundo totalmente detalhado, que chega a impressionante em sua gama de detalhes, que sequer existiam nas versões originais, de poucos bits. Os personagens estão completamente inspirados nas artes e design original do Toriyama, especialmente das criaturas do mundo, que tudo de seu visual original.
Nos personagens humanos, o traço de Toriyama fica um pouco menos evidente, por conta da direção pixelada, mas existe a atenção em pequenos aspectos, como as roupas características das artes oficiais. Esse respeito de detalhes é mais do que merecido, em minha opinião.
A Direção de Arte de Dragon Quest I & II HD-2D Remake preenche muita coisa de ambos os jogos originais, mas sempre com todo o respeito ao universo existente, utilizando cores e aspectos que os próprios títulos mais modernos da franquia já apresentaram. A coleção, por exemplo, adiciona inimigos e chefes que em ambas as obras originais não existiam, mas pertencem ao lore do universo, porque estão presentes em jogos posteriores.
Dentre os dois títulos, talvez as maiores implementações tenham ocorrido no primeiro jogo, ainda que muito dos aspectos originais, como controlar apenas um personagem a aventura inteira, tenha se mantido. Uma mudança, e possivelmente bem vinda, diz a respeito a luta contra grupos de monstros. No jogo original, era necessário lutar com um único mostro por vez. No remake, o herói pode lutar com grupos ao mesmo tempo, inclusive com magias que podem afetar todos simultaneamente.
Esse mudança, apesar de impactar a experiência original, me parece lógica e sensata. Inclusive, a velocidade dos turnos, se mantida no formato original, é um pesadelo. O remake lhe dá o poder de acelerar as animações realizadas entre os turnos. Amém a isso, porque a velocidade normal é incrivelmente penosa aos tempos modernos. Minha ansiedade agradece.
Outra função importante, e algo que o jogo lhe pergunta assim que se começa a aventura, é se você gostaria que o mapa lhe indique onde você deve ir a cada etapa da jornada. Na obra original NÃO HAVIA INDICAÇÃO, o jogador precisava explorar o mapa, afim de encontrar rotas e direções que lhe fizessem progredir pela aventura.
Isso por mais que seja um recurso que até hoje pode ser contraditório em muitos jogos, sob o pretexto de pegar demais na mão do jogador, num título como Dragon Quest, onde as batalhas ocorrem de forma aleatórias, apenas andando pelo mapa, e grupos de inimigos vão se repetir a exaustão nesse esquema, é essencial para jogadores que querem a experiência da narrativa ao invés do puro grinding (batalhas a exaustão afim de ganhar pontos de experiência). Ambos os jogos tem a função de indicador de rota no mapa. Ufa!
Contudo, devo dizer, seguir a rota mais óbvia, jogando na dificuldade normal, pode sim, eventualmente, causar problemas aos jogadores. Isso porque ambos os jogos foram construídos e idealizados pensando no fato de que jogadores precisam explorar o mundo de forma mais livre, as vezes errando caminhos e explorando mesmo. Isso lhe renderiam mais batalhas aleatórios, mais pontos de experiência e escalada no nível do heróis ou de sua equipe no caso do segundo game. E de fato, indo direto, usando item de viagem rápida, eventualmente lhe fará sentir a falta do grinding, com inimigos fortes demais e o jogador em um level mais balanceado.
O remake não lhe dá uma saída boa para não precisar fazer tanto grinding. Poderia permitir ganhar experiência mais rapidamente, e talvez até faça isso de forma comparativa com o jogo original, de toda forma, algum grinding em certas etapas da progressão ainda se faz bastante necessário. O que o remake lhe ajuda nesse sentido, é que o auto save está por toda parte. Então, mesmo se perder uma batalha, por estar em nível baixo de força, o jogo recarregará imediatamente antes dessa batalha. Diferente do original, onde o salve ocorria apenas em pontos fixos do mapa (as igrejas), e morrer explorando o mapa significava a perda de todo o progresso.
Falando em batalhas, elas também ocorrem dentro da perspectiva de ambos os jogos originais, ou seja, na visão frontal em primeira pessoa. Essa é uma característica que não vingou nos RPGs mais modernos, mas que curiosamente continua com muito sucesso em jogos de tiro. Lembrar que os primeiros Dragon Quest possuem essa mesma perspectiva é muito interessante, ainda que mecanicamente não impactem a jogabilidade. Só é estiloso mesmo.
De toda forma, o que me parece é que Dragon Quest I & II HD-2D Remake tenta ao máximo manter parte da experiência histórica intacta, retirando apenas os elementos que poderiam soar frustrantes e enervantes aos tempos modernos, como perda de progresso se não houvesse auto save, ou lentidão entre turnos que os combates originais entregava. Se manteve o que era importante e positivo na experiência original, e se amenizou o que poderia estragar essa experiência arcaica, como batalhar com inimigos um a um no primeiro jogo.
Criou-se certo ritmo e melhor dinâmica, sem alterar os verbos e estruturas da fórmula original. Por isso a jornada do herói, na aventura original, é tão importante não ter sido alterada.
Para os fãs, também houve atenção aos detalhes. Há mais histórias, mais detalhes do mundo de cada jogo. O primeiro Dragon Quest ganhou uma missão que o conecta com os personagens de Dragon Quest II. Há novas áreas, cavernas agora são totalmente iluminadas (no original usava-se um item), o segundo jogo tem mais ponto de exploração no mapa, incluindo pelo mar, há diversos novas batalhas de chefes. Existem diversas novidades e adições, que fanáticos das obras originais vão amar receber mais conteúdo, sabendo que nada foi eliminado e que toda a experiência e jornada original continuam intactas e presentes no remake.
Olhando um pouco para Dragon Quest II, acho interessante mencionar que Dragon Quest I & II HD-2D Remake adiciona a mecânica de táticas e auto batalhas para os aliados da equipe do protagonista, algo que acaba sendo introduzido originalmente em Dragon Quest 4 (1990). Isso, por sinal, é padrão do jogo, sendo necessário desligar a função, para poder controlar os demais membro da sua equipe.
Admito que até achei interessante, com diversos auto comandos bem definidos, como dar suporte, focar em curar e até atacar como se não houvesse amanhã e sua mana fosse infinita. Contudo, não acho a CPU sábia ou dinâmica o suficiente para lidar com tantas diferentes situações que uma batalha de RPG pode originar. No meu caso, prefiro controlar cada membro da minha equipe manualmente. Decidindo o que cada um fará a cada turno, mudando táticas e estratégia em tempo real, algo que a CPU não consegue lidar.
Também preciso dizer que certas burocracias estranhas foram mantidas nos remakes, que pode levar um tempo para se habituar. Por exemplo, posso carregar itens que ficam na minha bolsa de jogador, mas que não estão sendo carregados pelos personagens, o que faz com eles não possam usar durante as batalhas. É preciso distribuir e dividir esses itens para cada personagem. As vezes isso é cruel… ter, precisar gerenciar, coordenar e resolver não fazer, até ser necessário em batalhas cruciais e se arrepender da preguiça. Ouch!
Sabe outro elemento clássico que é penoso de entender logo de cara? Spell e Cast, porque ambos são basicamente magias, mas ficam em menus separados dentro das batalhas, ainda que ambos sejam utilizadas com a barra de mana. Isso ocorre porque originalmente, menus e submenus era uma forma de jogos melhor gerenciarem diversos comandos, sem tanta a facilidade de transitar telas e listas como tempos hoje em dia.
Então, assim como os originais, os remakes seguem separando isso. Isso torna comum esquecer onde fica certa magia ou porque diabos está em um menu e não e outro. A lógica nesse caso é que Spell sejam todas as magias que tem utilidade tanto em batalha quanto fora dela. Heal (cura) por exemplo. Já Cast é magia exclusiva de combate e só funciona nestes momentos. Entende isso ajuda um pouco nessa dinâmica, especialmente quando as batalhas ficam mais intensas, e o jogador deve entender melhor as opções de seu repertório.
Inglês esquecido no tempo
Antes de partir para os pontos finais desta análise, preciso trazer um ponto que me incomodou um pouco ao me aventurar por Dragon Quest I & II HD-2D Remake: o inglês utilizado neste remake, somado a sua falta de localização em português.
Sem português, muitos acabam optando por um dos idiomas originais: japonês ou inglês. Sei que existem muitos jogadores que muitas vezes optam pelo idioma espanhol, mas admito que não estou habituado a fazer isso. Cresci com jogos em inglês, então aprendi muito do idioma com jogos eletrônicos. Tenho um bom conhecimento do idioma, e raramente o vejo como uma barreira de acessibilidade. E se não tem o idioma daqui, prefiro inglês porque ao menos assim o treino e não fico tão enferrujado.
Mas Dragon Quest I & II HD-2D Remake realmente tem um inglês que desafia e atormenta. O remake usa um inglês arcaico, medieval, envelhecido e não muito conhecido. Não acredita? Olha só, no remake é utilizado pronomes arcaicos, como: thou, thee, thy, thine, ye. Já ouviu isso em alguma série de TV atual ou em qualquer cursinho de inglês?! É louco pensar que “thou art“, presente regularmente nos diálogos do jogo é simplesmente “you are“.
E esses termos? Art, hast, dost, doth, wilt, shalt, canst e mayst… verbos arcaicos!! Você talvez os conheça como are, have, do, does, will, shall, can e may. Isso porque nem vou levantar aqui expressões arcaicas (I beseech thee) ou contrações do pronome e verbo arcaicas (’Twas). Basicamente é um outro nível de conhecimento do idioma inglês!
Aí você pode indagar se isso sempre esteve presente em Dragon Quest? Ou se os jogadores dos países que possuem o idioma como principal não se incomodam esse tipo de texto? Bem, são duas perguntas pertinentes, mas não correlacionadas. Vamos por parte. Preciso contar uma história para responder a primeira pergunta.
O primeiro Dragon Quest em seu idioma original, o japonês, não tem nada dessa licença poética linguística antiga/arcaica. Isso desde a sua primeira versão. O texto original usa a linguagem moderna e natural dos japoneses. Contudo, quando o jogo é localizado no ocidente, no mesmo ano de 1986, houve essa alteração, pois se achou que o jogo pareceria mais autêntico se seguisse um texto mais medieval.
Essa mudança, na época, não se refletiu apenas no texto original. A arte de capa do jogo no ocidente não utilizou os desenhos cartunescos de Toriyama, optando por uma arte mais realista, mais condizente com artes comum do universo de Dungeons & Dragons. Até mesmo o título foi alterado: por muitos anos (e jogos) a franquia foi conhecida nesse lado do globo como Dragon Warrior. Pense que chegou-se a 2001, e o sétimo jogo da franquia chegou a ser lançado nos Estados Unidos como Dragon Warrior VII (já no primeiro PlayStation).
Contudo, também cabe mencionar que Dragon Quest I também ganhou novas versões, remaster e remakes ao longo das décadas. E nem sempre essa adaptação linguística medieval arcaica fora mantido, ou foi recalibrado para não ser tão pesado. Há o famoso remake de 1993, para o Super Nintendo japonês (Super Famicon), e depois portado para o Game Boy Color (em 2000), onde esse texto foi parcialmente suavizado. Ou seja, não é algo intocável, ainda que exista uma base de fãs que pareça defender o texto original.
Só que para Dragon Quest I & II HD-2D Remake, ouve esse olhar para o texto original. Super carregado, de difícil compreensão, e decidiu se manter. Bem, neste ponto, tenha opinião de que houve uma falha grave. Acho que pensando no texto original em japonês, que não é enfeitado com terminologias arcaicas, assim como parece haver com a localização dele em outros idiomas (como espanhol, francês e alemão), não vejo com bons olhos que decidiram manter no idioma em inglês.
O mínimo, pensando em acessibilidade, seria ter duas opções em inglês: arcaico e moderno. Tanto para fins de globalização do título, caso de territórios como o Brasil, onde sequer se localizou em nosso idioma, mas também para países com o próprio inglês como língua materna, pensando que parte do público, até mesmo infantil, não vai ter um extenso conhecimento do inglês não mais utilizado. Deve soar estranho para muitos, ainda que não todos. E até mesmo no Reddit é possível encontrar esse tipo de discussão (outro exemplo). O mais sensato uma opção dentro do próprio idioma que melhor agradasse todo tipo de público. Com isso em mente, não acho estranho que seja uma franquia que até hoje tenha tanta resistência do público norte americano.
Considerações finais
Dragon Quest I & II HD-2D Remake é uma releitura história de jogos percursos dos RPGs como os conhecemos atualmente, que mantém toda a fundação arqueológica em torno de cada experiência de ambos os títulos, mas envelopando-os em elementos técnicos modernos que constroem algo palpável a era moderna.
Os novos gráficos, atrelado a uma Direção de Arte, incrivelmente bem aguçada, entregam uma mundo vivo e de encher os olhos de lágrimas dos mais fervorosos fãs. O estilo HD-2D de jogos como Octopath Traveler verdadeiramente resgatam com grande louvor essas pérolas perdidas no tempo. Jogos que em seu formato original, são difíceis de engolir na experiência intocada original.
Diferente deste novo remake, que soube onde manter os elementos intactos e onde era preciso recalibrar, afinar e dar ao jogador, a opção de transpor tal barreira. Aceleração do combate, indicação de missão no mapa, novos conteúdos, expansão da lore, são alguns dos elementos que enalteçam a nova edição.
Mesmo assim, não é uma obra que fica isente de críticas. O grinding é um elemento que nem todo mundo tem paciência hoje em dia, e ainda se faz muito necessário para progredir pela história de ambos os jogos. Falta de localização em nosso português, somado a um inglês carregado de termos antigos e pouco conhecidos de quem tem o idioma apenas no básico e atual, atrapalha muito na condução narrativa.
Quanto a experiência em si, da jogabilidade, é preciso ter o olhar de um jogo antigo. De seu valor dentro da história dos videogames. É repleto de estereótipos inerentes do gênero. Batalhas aleatórias contra os mesmos inimigos, recursos limitados, golpes conhecidos e manjados, o desafio vem pelo cansaço, pela falta de grinding, ainda que existam momentos de genialidade, onde entender cada inimigo, cada tipo de seus ataques, faça com que abordagem e estratégias diferentes sejam planejadas – o que para jogos tão antigos, é um fato surpreendente.
Dos dois jogos dessa coleção, admito que me simpatizei muito com o Dragon Quest I, mais direto e simples, porém mais diferente. A jornada do herói solitário me pegou muito aqui. Gostei demais do desafio de não ter uma equipe. Já o segundo, com todo o repertório de JRPGs jogados, soou mais clichê. E visivelmente o título foi concebido para durar mais porque entendeu ter a gordurinha que o gênero tem que ter (no começo, você fica indo e vindo pelos mesmos locais, afim de encontrar o príncipe do reino de Cannock). A aventura do primeiro jogo é mais classuda, mais diferente. Você joga percebendo que os criadores ainda estavam aprendendo como fazer. É uma aula de história do RPG incrível. O segundo já não transparece isso, ainda que demonstre toda a maturidade inerente do gênero.
De qualquer forma, Dragon Quest I & II HD-2D Remake é uma obra prima, que entende a própria importância da obra e de seu passado. Entrega uma experiência que combina com a atual geração de videogames, mas encontrando uma maneira de lhe mostrar toda a experiência clássica, que originou…. basicamente tudo. Não dá para dizer que o jogo seja atemporal, mas ele certamente vence o tempo. Mostra que macaco velho ainda faz grandes truques quando recebe a abordagem certa.
Galeria
Dando nota
Direção de Arte que enche os olhos, especialmente quando comparado com os gráficos de poucos bits dos originais - 10
Jogabilidade se mantém intocada naquilo que importa, enquanto se esforça para refinar o que hoje seria desastroso - 9
Trilha sonora inteiramente orquestrada é exatamente o que se espera de um projeto assim - 10
Dragon Quest I é encantador em todas suas lacunas; desde a jornada solitária, ser mais direto e linear, ainda aprendendo a ser um RPG - 9.5
Dragon Quest II é mais óbvio, no sentido do que conhecemos como um RPG, mas tem uma trama mais elaborada, mais profunda - 9
Falta de localização em português e o uso do inglês arcaido (pouco conhecido) abre um abismo enorme em termos de acessibilidade - 5
A necessidade do grinding (batalhar para subir de nível) ainda pode soar cansativo em certos momentos de ambos os jogos - 7.5
8.6
Lendário
Dragon Quest I & II HD-2D Remake é uma experiência pensada no valor histórico de duas obras que criaram as fundações de uma dos maiores gêneros dos jogos, que nesta edição mantém importantes pontos para entender as razões disso, enquanto reforma aspectos em um remake que encanta por sua incrível direção de arte e jogabilidade, que mantém a essência clássica, mas refina o que poderia soar ruim aos tempos atuais. Em paralelo preenche outras tantas lacunas do passado, incorporando novos conteúdos que respeita o legado, sem nunca romper com a construção original de ambos os títulos.
