Tooth and Tails | Afiem suas presas, escondam suas caudas e preparem a pólvora! (Impressões)

Tooth and Tails é um ébrio jogo de estratégia em tempo real – o quase esquecido RTS – que traz ventos frescos ao gênero, muito necessários já há certo tempo lançado para PC e na PSN. Hoje o RTS tornou-se um jogo de nicho, sobrevivendo apenas com – e corrijam-me se estiver enganado – Starcraft II e as séries Civilization e Total War. Tooth and Tails se mostra um adventure-RTS enxuto num gráfico em 16 bits, com pouca coisa de tudo que um jogo de estratégia costuma ter e um dinamismo em grande destaque. Ganha aqui quem é rápido, e não necessariamente o maior estrategista.

A história se passa entre animais antropomórficos em um ambiente que se assemelha com a Europa em guerra do século XVIII, como a França pós-revolução; mas esqueça aqui as pompas vitorianas: falamos da elite cruel e do populacho miserável, lutando para comer e escondendo com bebida a sua fome. E o jogo gira em torno disto mesmo: fome!

Quem irá para a cozinha hoje?

No mundo de Tooth and Tails, a civilização passa por uma grande estiagem em que pouca comida é produzida após a massiva industrialização das cidades, que absorveu mão de obra do campo, reduzindo assim a produção. Carne tornou-se a principal fonte de comida, e, além dos conformados suínos que aceitam seu destino como alimento e são assim tratados, de onde mais obtê-la se não das próprias feras? As feras (no original, beasts), assim, sobrevivem da forma que podem – e uns podem mais, outros menos. Após um período de grande confusão, a casta dos Civilizados (Civilized), um grupo quase religioso que estabelece algum controle social, cria um sistema de sorteio para determinar quantos e quem irão “para as cozinhas”. Após um tempo esta facção torna-se corrupta, e é visível que nenhum de seus membros é sorteado. Quando o Comerciante (apelidados de Longcoats pelos casacos distintos que usam) Arroyo Bellafide ira-se ao ver seu filho ser sorteado e levado, chama por seus amigos para a guerra: este sistema precisa acabar.

Mais à frente irá juntar-se à cigana Hopper que lidera os marginalizados, os Commonfolks, e que prega um sistema baseado em voto para a decisão de quem irá servir aos outros. Esta aliança enfrentará os Civilized  e a KSR, uma organização militar responsável pela manutenção da ordem na sociedade. Porém, quando começam os levantes incitados por Bellafide e Hopper, passam a lutar por manter seu status quo.

O mundo de Tooth and Tails é bastante rico, com política, traições e animais muito característicos: camaleões são calados, esquilos são bêbados, javalis são brutamontes… E de alguma forma peculiar, apenas os quatro líderes de cada facção são ratos.

Mas há um pequeno grande problema nisso tudo: todo esse universo fantástico não é explorado. Quando tive o primeiro contato achei tudo incrível e maravilhoso, sendo incentivado pela arte e música (das quais falarei melhor mais pra baixo), mas após duas das quatro campanhas do single player, resolvi explorar mais por mim mesmo e qual não foi minha surpresa ao descobrir que não há nada disso informado ao jogador. O trailer visto acima é a única coisa que abre o modo história, e você já cai numa batalha-tutorial. Sequer no hotsite da Pocket Watch (estúdio também responsável pelo divertido Monaco) há menções a tudo isso que eu disse: nenhuma área de “Story”, nada adentrando melhor no universo ou esmiuçando cada protagonista… Não sei você, mas eu imagino com muita tranquilidade animações e quadrinhos que poderiam muito facilmente explorar tudo isso que eu disse. A gama de personagens é bastante rica, muitos com possíveis dilemas: Hopper não possui o braço direito, pois o sacrificou para que os seus pudessem comer; a Quartermaster, comandante da KSR, mantém sua lealdade à Tsarina acima de tudo; revela-se em certo momento do jogo que havia um espião duplo entre as duas alianças, e que ainda assim não concorda muito com nenhuma delas. E, mesmo no jogo, você só descobre se for atrás: cada facção tem um lobby em que você pode ir direto ao NPC com um balãozinho à cabeça para a próxima missão, ou pode ir conversando com quem está à sua volta. Somente desta forma você descobre outros nuances, e ainda assim, não todos.

Sinceramente? A Pocket Watch tem uma mina de ouro nas mãos, e eu estou torcendo para que saiba aproveitar.

Pixel art e música de bar!

Tooth and Tails mostra dedicação em toda sua esfera áudio-visual: sua arte 16 bits é bastante simpática e de fácil identificação no jogo; os cenários são simples, mas ainda bons em representar neve, campos e barro. Os filtros de clima para chuva, neve, por do sol envolvem o jogador. As artes de personagens e unidades possuem o mesmo estilo desta aí acima, e são um belo agrado aos olhos.

A trilha sonora merece um destaque especial: uma maravilhosa ambientação em tabernas modernas alcoolizadas, grupos de bêbados cantantes, marchas militares e tudo que há de peculiar nisto. Resolvi buscar mais sobre o sonorista Austin Wintory, e qual não foi minha surpresa ao ver que eu não deveria me surpreender?

Caso você não o conheça assim como eu não conhecia, Wintory é responsável pelas OSTs de jogos consagradíssimos como Journey, The Banner Saga 2, e de porte maior como Assassins Creed Syndicate, além de vários outros. Boa parte das músicas são muito gostosas de se ouvir mesmo fora do jogo, e seu estilo me lembrou, em alguns aspectos, Hearthstone. Não é difícil achar toda a trilha sonora por aí; recomendo que a procure e perca alguns minutos. Em suma, são músicas que casaram muito bem com o jogo e representam bastante bem seu estilo e até recorte “histórico”.

Mas afinal, como posso preparar minha janta?

Finalmente, o que há de tão diferente em Tooth and Tails de outros jogos de estratégia? A bem dizer, levando em comparação a série Age e os jogos da Blizzard – que a meu ver consolidaram o gênero, tudo.

O elemento principal do jogo é o porta-bandeira, o flagbearer. É o único personagem com quem se interage diretamente, e é ele o líder de sua facção. Com ele você explora o mapa, escolhe onde as construções serão feitas e comanda toda sua tropa com apenas dois botões: convoque a todos ou apenas algumas, que irão te seguir ou atacar. A geração automática de recursos e unidades e todos os elementos do jogo contribuem para velocidade de comando e raciocínio rápido, e mesmo assim sem ser complexo. Escolher 6 tipos de unidades dentre as 24 completamente distintas entre si para cada partida irá ditar sua estratégia.

O objetivo é proteger todos os seus moinhos (que você só começa com 1) e destruir os do seu oponente. Em cada moinho haverá algumas fazendas que gerarão comida de forma automática, e que interessantemente possuem comida limitada: seja a fazenda sua desde o início ou do oponente, ela jamais se renovará pela partida. Isto incentiva a velocidade do jogo, visto que não há muito tempo para se fazer grandes exércitos: as batalhas duram de 8 a 12 minutos; as mais longas, 15.

No fim, falando assim a partida pode parecer corrida, mas não é. O dinamismo é bastante presente, pois assim que se tem a comida mínima é importante ir criando novas tocas. Elas gerarão unidades automaticamente até um limite, que é expandido construindo-se mais das mesmas. Seu objetivo, então, é em balancear quantas e quais unidades é o ideal ter (ter muitas tocas significa gastar mais comida continuamente) e seu posicionamento. Mande todas ou algumas específicas para o moinho de seus inimigos e torça para ceiar esta noite!

Modos

Há tanto o modo história como o modo multiplayer.

O modo história, totalmente single player, passa pelas quatro facções, em pelo menos 6 missões cada uma. Ele nos apresenta calmamente às mecânicas, objetivos e diferentes unidades. Em cada facção há um tipo de lobby onde você pode conversar com outras feras para compreender melhor a situação, ou ir logo para a que tem uma missão para te oferecer.

O legal deste modo é que ele se inova bastante, pois diversas missões possuem regras próprias: água cura, ventos fortes e nevascas, sol escaldante que pode matar suas tropas, algumas vezes jogamos com fogueiras em vez de moinhos. Há muitos modificadores que tornam este modo interessante, além da riqueza da história. A campanha toda pode se estender até cerca de 15 horas bem aproveitadas.

O multiplayer tem bem aquela carinha de sofá com os amigos: podendo ter até 4 jogadores ou bots, utilizando teclado ou controles  ao mesmo tempo em splitscreen! Também há multiplayer online rankeado (!) e sem rank, mas não consegui achar partida para nenhum deles. A única decepção fica pelas facções: não há nenhuma diferença entre elas nem seus líderes, apenas a cor. As unidades, que no começo do jogo parecem ser separadas por facção, ficam todas à disposição também – em compensação, mudar isso poderia desbalancear o jogo.

Por fim, Tooth and Tails traz um fôlego muito interessante ao estilo de estratégia, com uma história apaixonante e arte muito atraente. O gostoso modo multiplayer em várias pessoas e mapas gerados proceduralmente dá uma ótima pitada ao jogo, e certamente é uma boa opção para o rol de opções multi. Mas prepare-se com alguma comida: a fome é inevitável!

Galeria de imagens

História e universo instigantes
Belas artes conceituais e gráficos 16-bits
Trilha sonora magistral, alegre e única
Mecânicas simples e inovadoras
Ideias criativas e inovadoras, mas pouco aproveitadas

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