Análise | Everything

Disponível para PlayStation 4, Nintendo Switch e PC

Espere o inesperado. Essa é uma boa forma de resumir a experiência que Everything entrega a quem for jogá-lo. O título foi lançado originalmente em 2017, para PlayStation 4 e PC, porém voltou aos holofotes novamente agora no começo de 2019, quando ganhou uma versão para o Nintendo Switch.

Everything é uma produção independente, do artista David Oreilly, produtor de cinema,com o auxílio de mais dois desenvolvedores, enquanto que a Double Fine Productions ficou responsável em atuar como publisher, responsável por distribui-lo nas plataformas a qual o mesmo se encontra atualmente disponível. O título é uma expansão de uma ideia que David trabalhou anteriormente no game Mountain (2014), cuja a proposta é simular a vida da natureza de uma montanha. Em Everything, o jogador tem o total controle de… tudo!

Experimentação

Dá para dizer que Everything é uma experiência que foge das regras convencionais dos jogos de videogames. O jogo não se enquadra exatamente em nada que possa facilmente ser comparado. É um jogo que mistura elementos casuais, com simulação, exploração e reflexão. É um jogo sobre perspectiva da vida. Que filosofa o que ou quem somos no enorme espectro que é o universo em si.

Inicialmente o título parece assumir algo mais cômico, meio que como uma piada. Isso ocorre porque o jogador começa como um animal (pode não ser o mesmo para todos, pois há algumas variações do tipo de animal você pode ser inicialmente – comigo foi um cervo). E aí você vai andar com esse animal e vai perceber que ele não anda, mas gira em seu próprio eixo. Como se fosse uma roda. Outros animais a sua volta estão fazendo a mesma coisa.

Tudo bem, isso é estranho. Fazendo um salto aqui, pensando um pouco mais adiante, já entendo melhor o jogo, é possível tirar duas conclusões a respeito dessa mecânica do girar de alguns animais. Primeiro é o impacto e choque que isso causa logo no início da experiência. É esquisito, é diferente, é bizarro. Isso por si só já deixa o jogador curioso para saber o que diabos é Everything. O segundo motivo, e também mais prático, seja o fato de que trata-se de um jogo independente com um orçamento pequeno, com mais de “mil coisas” que o jogador irá descobrir que pode assumir a forma. Animar tudo isso seria completamente inviável. Então simplificar animações torna o jogo mais funcional para aquilo que ele quer fazer.

Everything não é um simulador exatamente. Ao menos não sob o aspecto do realismo. Ele não vai deixar o jogador assumir a forma de qualquer tipo de animal, vida vegetal, objeto e fazê-lo sentir como esse próprio corpo deveria se comportar no mundo real. Longe disso. A simulação proposta pelo jogo é sobre a perspectiva da vida e seu existencialismo.

Isso não fica claro logo no começo. No início você é esse animal bizarro que anda rolando em seu eixo. De repente o jogo vai lhe ensinar algumas de suas mecânicas. Tudo possui um canto. Animais da mesma raça podem se agrupar e dançar. E, de repente, você aprende que pode assumir outras formas no jogo, ascendendo ou descendendo. E isso não está restrito a animais. Quer ser uma pedra, ou talvez uma árvore? Você pode ser isso. Talvez um… dente? Bem…

E novamente o realismo vai por água abaixo quando se percebe que é possível andar como uma pedra ou uma árvore. Bem, este não é exatamente o ponto do jogo. Não é sobre realismo, mas sobre assumir formas. O que mais você pode assumir? Bem, aqui entra a melhor parte do jogo: a experimentação. Quer ser um tufo de grama? Tente. E aquela joaninha? Vá lá. E aquele microrganismo invisível a olho nu? Vai se impressionar ao saber que funciona também. E aquele átomo? E dentro do átomo? Vá! Teste!

A lógica ao contrário funciona. Aumente a escala. Quer ser um continente? Um planeta? O sol? Uma galáxia? O que vier depois de uma galáxia? Everything lhe permite ser tudo o que você achar que é possível ser. É sério! E é surreal assumir tantos tipos de perspectivas e escalas de tamanho até conseguir realmente ver a volta que o jogo quer lhe ensinar e de que há muitos poucos limites do que você, como jogador, pode exatamente ser dentro do game. Experimentar é o verbo ativo do jogo.

Objetivos

Não dá para dizer que Everything não possui objetivos. Na verdade há alguns que empurram o jogador a continuar experimentando, viajando e conhecendo novas coisas ao longo de suas horas iniciais. Existem pensamentos espalhados por todos os cantos de todas as camadas de realidade que você viaja.

Inicialmente estes pensamentos começam lhe ensinando as regras do jogo. Como se agrupar, como dançar, como saltar de um corpo para outro, utilizando o termo ascender ou descender e afins. Estes pensamentos lhe empurrar a mudar a perspectiva do mundo. Encolhendo até onde for possível ou expandindo até além do universo em si.

Claro que tudo isso é feito aos poucos, enquanto o jogador está assimilando essa realidade imposta pelo título. Nesse intervalo entre lições, e após todas elas, há pensamentos mais mundanos, mais filosóficos. Sobre a vida, sobre existir e ser o que você for, sobre perspectivas diferentes e afins. Há muita filosofia inserido em suas mensagens.

E aí vem a melhor parte: há diversos áudio logs dentro dessa caçada por mais pensamentos, enquanto está caçando mais coisas diferentes para ser ou camadas de perspectiva para entrar. Estes áudios pertencem ao filósofo Alan Watts (1915-1975), de trechos de documentários do mesmo, em que se discute diversos temas, sobre o que é o ser em si, sobre a criação da vida, o que ela representa, sobre a criação do universo, sobre existir e ser e por aí vai. É muito insano ouvir estes diálogos enquanto navega pelo mundo do jogo. Ao final dessa análise há um trailer de 10 minutos que faz exatamente isso e dá a dimensão absurda que Everything pode proporcionar ao jogador.

Então os objetivos primordiais são: explorar, coletar pensamentos e ouvir os trechos de áudio do documentário do famoso filósofo. Em determinado momento o jogo eventualmente vai lhe dizer a respeito de um objeto dourado que existia no primeiro minuto, de quando você começou o jogo. Há uma surpresa lá dentro. Você deve voltar ao ponto inicial e entrar dentro desse objeto.

O que há lá dentro não é algo que você vai querer saber por aqui. Descubra por si próprio. Posso afirmar que valerá a pena. Só uma dica: se você viajou demais, para muitos pontos e camadas de realidade e agora não sabe voltar ao ponto de partida… bem, largue o controle e deixe o autoplay do jogo lhe guiar. Ele fará toda a jornada de volta ao ponto de partida. É incrível ver o jogo fazendo isso por você.

A função do Autoplay é outro recurso interessante de Everything. O jogo é uma experiência que também é contemplativa. Então é possível apenas colocar os áudios (já encontrados) para tocar e ver o jogo avançar por si próprio, mudando entre animais, vegetação ou objetivos (sim, é possível ser coisas inanimadas também, como casas, postes, chaleiras etc). É uma ideia interessante, ainda que explorar por conta próprio seja hipnotizante. Horas podem passar e você bem perceber.

E tudo em Everything é registrado e catalogado. Tudo que o jogador virou entrar em uma biblioteca gigantesca, com algum textinho falando sobre aquilo que você se tornou. O objetivo final do game é que você se torne tudo que for possível no jogo. E como disse, são mais de mil itens. Não é algo que você vai fazer tão facilmente ou tão rapidamente.

Uma correção: se tornar tudo não é o objetivo final do jogo. O título não tem um objeitvo final. Se tornar tudo é uma opção para ter visto tudo e encerrado tudo que Everything pode lhe oferecer. Mas ser tudo não é algo que todo mundo vai querer correr atrás. Tanto que há um ponto do game que o mesmo lhe diz para relaxar e esquecer de objetivos. Pede até mesmo que desligue parte dos menus visuais do jogo apenas para ficar com a parte visual em si… contemplando a vida, o universo e tudo mais.

Considerações finais

Certamente Everything não é um jogo para qualquer um. Trata-se de uma experiência de interação. Aqui não há combates, não há inimigos. Há uma história, mas ela é filosófica sobre a vida e a existência de tudo e de todos. É algo que vai ficar sob a interpretação de quem o jogar.

Mecanicamente é muito minimalista. Tudo tem uma animação bem simples e não há nada a se fazer sendo muitos objetivos a não ser andar com o que você se tornar até decidir se tornar outra coisa. Cada item do jogo tem um “canto” que podem interagir ou não com outros itens. É curioso ver o canto de algumas coisas, assim como o fato de que todos dançam, e são diversas danças diferentes.

E determinado momento dessa experiência, o jogo lhe dará mais poder. Quer se tornar qualquer coisa? Você irá poder. Um mosquito no espaço sideral? Uma baleia no universo microscópio? Você é tudo, e tudo é possível em Everything. Basta chegar até o ponto em que essa jornada torna-se possível.

Criar caos também faz parte dessa exploração, e pensando nisso há alguns recursos interessantes dentro do jogo. É possível, por exemplo, resetar os mundos, retornando-os ao aspecto original. Quer visitar um planeta, mas não quer ascender até a escala de achá-lo no sistema solar? É possível se tornar esse planeta, independente de onde estiver, e assim entrar dentro dele. Restrições não fazem parte dessa experiência.

O único ponto ruim de Everything? A falta de localização em nosso idioma. Tudo está em inglês. Tanto os pensamentos, as legendas do áudio logo. A barreira linguística pode ser uma barreira para que muitos jogadores assimilem parte da filosofia do jogo. O que é uma pena. Ainda dá para curtir a experiência e a interpretação que o jogo lhe dá por suas mecânicas e pelo jogar, mas certamente parte significante é perdida se você não conseguir se virar no inglês.

Everything também não é um jogo propriamente longo. Foram necessárias cerca de três horas e meia para que eu conseguisse todas as habilidades que o jogo pode dar ao jogador. Depois disso você está por contra própria, explorando a seu prazer e da forma que quiser. Descobrindo mais áudios e sendo mais coisas. E não, três horas não é suficiente para ser e ver tudo que o jogo pode lhe mostrar. Você está arranhando apenas a superfície dessa jornada. Para aqueles que curtem algo mais casual, fora da bolha, Everything é uma opção obrigatória.

Galeria

Dando uma nota

Inesperado e cheio de surpresas - 10
Gráficos simples podem incomodar alguns, mas casa com sua proposta - 9.5
É sobre experimentar e explorar, descobrir e interpretar sua própria jornada - 9
Quantidade de itens que se pode incorporar é impressionante - 10
Áudio logs filosóficos são sensacionais, pena estarem apenas em inglês - 6
Mecânicas simples, mas funcionais. É fácil entender tudo, e tudo responde bem - 8.5
Diversas camadas de realidades dão longevidade a tudo. Dimensão de escala é fantástico. - 10

9

Surreal

Everything é um achado. É uma algo que foge dos padrões habituais dos videogames. É sobre experimentar, refletir, explorar e não exatamente seguir qualquer fórmula pré-estabelecida. É um jogo sobre o inesperado e algumas surpresas. Não é para qualquer um, mas qualquer um pode apreciá-lo. Só é uma pena não estar localizado em nosso idioma. Se tivesse seria um jogo quase perfeito.

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