Análise | House of Ashes – The Dark Pictures Anthology

Disponível para PlayStation 4 e 5, Xbox One e Series & PC

House of Ashes é, sem dúvida nenhuma, a melhor aventura até então dentro da proposta dos contos macabros de The Dark Pictures Anthology. Este é o terceiro capítulo da antologia, lançado em outubro de 2021, precedendo as aventuras de Man of Medan e Little Hope. Segue sob o desenvolvimento da Supermassive Games em parceria com a Bandai Namco para sua distribuição global.

A Supermassive Games é um estúdio britânico, localizado em Guildford, na Inglaterra, responsável pelo icônico Until Dawn (PS4), um jogo de terror interativo, a qual o jogador acompanha uma trama e com base em suas decisões, pode salvar ou matar seus protagonistas. The Dark Pictures Anthology segue exatamente essa premissa, fragmentada em diversos capítulos com distintas narrativas de horror, a qual um grupo de personagens são perseguidos por um perigo sobrenatural que ameaça suas vidas.

A diferença entre Until Dawn e esta nova franquia é que o universo de contos aqui parece ter uma “pequena conexão”, ainda que possam ser plenamente apreciados individualmente. Sem mencionar que Until Dawn é um exclusivo do PlayStation, enquanto a parceria do estúdio com a Bandai Namco permitiu que este novo projeto se tornasse multiplataforma, levando assim essa experiência de terror interativo para uma comunidade muito maior de jogadores.

E um aspecto muito bom dessa série de games é que todos os atuais títulos da franquia estão totalmente localizados em nosso português. Legendados ao menos, o que já está ótimo. Claro que se fossem dublados, seriam ainda mais incríveis, mas a Bandai Namco não tem esse hábito em nosso mercado. Uma única crítica, é que em House of Ashes, a legenda branca se tornava meio difícil de ler em ambientes muito claros, o que ocorre em alguns momentos iniciais da aventura. Senti falta de uma opção para mudar a cor ou de colocar uma barra sombreada translúcida atrás da legenda. Mas ao fim, não foi nada que comprometesse a compreensão de seu texto.

Terror diferente

Um dos pontos que mais me chamou a atenção em House of Ashes é a temática do terror escolhida para a aventura. Diferente das duas histórias anteriores, Man of Medan e Little Hope, que tinham como o gênero de terror elementos espirituais, como bruxas, fantasmas e espíritos… a aposta de House of Ashes é muito menos sobrenatural e muito mais místico, do tipo lendas do passado e criaturas adormecidas em nosso planeta.

Uma mudança até audaciosa a meu ver. Afinal tira um pouco dessa coisa de que toda história de terror precisa ser um espírito ou alma penada, abusando bastante do sobrenatural. Não que seja ruim, mas depois de dois jogos nesse sentido, um terceiro já começaria a dar sinais de cansaço. Little Hope, o segundo game da antologia, já foi pra mim bem menos interessante do que o primeiro, ainda que tentasse ser ainda mais “assustador“.

House of Ashes cria uma atmosfera diferente, a qual um pequeno grupo de soldados norte americanos estão em conflito com soldados iraquianos, em algum ponto do Iraque, quando são engolidos por um terremoto que abre uma antiga tumba suméria, datada de milhares de anos antes de Cristo. Uma tumba recheada de mistérios, onde algo está adormecido abaixo do solo.

Dada as devidas proporções, foi como se estivesse vendo uma mistura do filme A Múmia com personagens de um Call of Duty. Tirar a trama de jovens adolescentes, algo também comum demais dos dois jogos anteriores, faz muito bem para o frescor do novo capítulo. Claro, ainda tem uma questão de amor perdido, do casal que não se vê a mais de um ano, de um terceiro envolvido nessa relação, mas não achei um elemento narrativo que contamina demais o enredo.

Tanto é que o melhor das tramas individuais deste título é quando um soldado norte americano e um iraquiano preciso resolver suas diferenças para sobreviver a uma ameaça maior. É daqui que vem os melhores diálogos e momentos do jogo. É uma narrativa que faz suas críticas ao exército, patriotismo, ao desrespeito cultural e a capacidade humana de não aceitar ideias diferentes. O desabafo do soldado, de algo que sequer é mostrado no jogo, é de lavar a alma.

Quanto as ameaças, admito que esperava alguns momentos dignos de um Indiana Jones, como armadilhas em paredes e alçapões secretos em tumbas. Curiosamente não há nada disso dentro da ambientação. As armadilhas criadas são feitas pelos próprios personagens presos nessa buraco no meio do nada, enquanto rola uma tensão maior de presa e predador, pois o inimigo é um ser que está adormecido por lá há milhares de anos, e que não tem nada realmente sobrenatural. Passado o susto inicial da trama, a mesma dá muito aquela sensação de “eram os deuses astronautas?“. Como disse, audacioso por parte dos roteiristas deste capítulo.

House of Ashes é muito mais sobre aquele clima de tensão, do suspense, de não saber o que vai acontecer a seguir, do que o de terror pelo terror. Não é um jogo que vai te dar medo, mas te deixará realmente tenso. Existe, sim, os momentos de jumpscare (susto), contudo são bem menos frequentes do que nos dois jogos anteriores, o que também avalio como positivo, pois significa que o jogo sabe prender o jogador sem abusar de recursos baratos para promover o medo.

Fórmula da interatividade

Na questão do gameplay, House of Ashes mantém as mesmas mecânicas já estabelecida nos capítulos anteriores. No geral o jogador acompanha uma história interativa, assistindo bastante cenas animadas (cutscenes) geradas in-game, sempre aguardando algum Quick Time Event (tela indica um botão a se apertar), que pode inclusive mudar o rumo da narrativa dependendo do apertar ou não o botão indicado. Ou seja, é preciso ficar com o controle em mãos a todo momento.

Além disso a narrativa também é conduzida por meio de uma linha de diálogos a qual o jogador escolher três opções de respostas, a qual normalmente se caracterizam como ficar em silêncio (e o silêncio as vezes diz muita coisa), responder com o coração (quase sempre é uma resposta mais emotiva) ou responder com o cérebro (uma fala mais racional, tentando sensatez). Todo o enredo é conduzido pela forma como jogador vai escolher esse diálogos e nem sempre fica claro a resposta que vai manter alguém vivo. Uma resposta emotiva pode salvar ou matar, da mesma forma que sensatez as vezes é traduzido no jogo como ausência de impulso para tomar aquela atitude que poderia salvar alguém ou a si mesmo. Ou seja, você não consegue saber sempre qual é a melhor resposta para deixar todo mundo vivo ao final da trama.

Outro ponto importante dessa jogabilidade é que você não fica escolhendo os diálogos de todo mundo, a todo momento. Cada capítulo da história foca a perspectiva do que está acontecendo a um único personagem. E o jogador assume os atos e respostas deste, enquanto a CPU segue a linha estruturada para os demais personagens. Em alguns atos, como sequências de ação, existe a possibilidade do jogo trocar a perspectiva dos personagens em tempo real, afim que se cumpra alguns quick time events, mas são momentos únicos e o jogo deixa bem claro o que está fazendo ao desacelerar o tempo, mostrando quem o jogador está assumindo a partir dessa mudança.

Para incrementar o valor de replay, os jogos da série The Dark Pictures Anthology possuem duas versões para se jogar em modo solo. A primeira é a versão cinema, que segue a narrativa padrão, criada para tal. A segunda versão, após encerrar o game pela primeira vez, é uma versão alternativa a qual o jogador assume  a perspectiva de outros personagens, dentro da mesma história. Por exemplo: na versão original você assumiu as decisões e diálogos de Eric com Rachel, então na versão alternativa, você irá assumir a perspectiva de Rachel, abrindo um leque de novos diálogos e situações que a versão original não lhe entregou.

Além disso há o multiplayer cooperativo, que possui duas modalidades. A primeira, com um segundo jogador, é possível jogar ambas as versões mencionadas acima. Cada jogador assume a perspectiva de um personagem dentro do mesmo capítulo, e ambos respondem ao que o outro está dizendo. Ambos tomam decisões que vão impactar a trama. Nesta versão em duplinha, pode-se jogar online e local. Na segunda modalidade, dá para até cinco pessoas assumirem a brincadeira, pois cada uma assume um dos cinco protagonistas, respondendo pelo seu próprio personagem, do começo ao fim do jogo, no tradicional estilo de passar o controle. E dessa forma, o suporte é apenas local, sem online.

Além de acompanhar a trama por meio de cutscenes, o jogo também apresenta diversos momentos em que o jogador precisa andar por um ambiente fechado, a procura de colecionáveis, que são segredos em forma de documentos que vão contar mais sobre o que está acontecendo na trama, enquanto se busca o próximo ponto de interação que dará continuidade a história.

Apesar de ser uma exploração limitada, digo que funciona bem para te colocar dentro da proposta imersiva de um jogo interativo. Se só houvesse os momentos de apertar botão, talvez a obra como um todo não funcionasse muito bem. Explorar os ambientes, buscar os colecionáveis, que até ficam destacáveis no cenário, assim como encontrar alguns que lhe permite ter uma espécie de premonição do que pode ocorrer em algum momento da história, dá uma sensação de que você está realmente envolvido na tarefa de manter todo mundo vivo.

Caso o jogador venha a perder um personagem, logo no começo da trama, a mesma vai se reorganizando afim de que tudo possa continuar, mesmo com aquele protagonista que veio a falecer. No caso de House of Ashes, percebi que o Eric é um destes personagens centrais, pois é líder do pelotão, ex da protagonista feminina, e quem toda as primeiras decisões que colocam todo mundo nessa enrascada, e ele pode ser um dos primeiros morrer no dilema da corda, que é bem cruel por sinal. Mesmo que ele morra, a trama continua. Tudo é orquestrado para o show continua. Exceto, claro, se todo mundo morrer antes do final pretendido.

A franquia tem como apresentador a enigmática figura do Curador, que em tese, é aquele que está lhe contando essa história. Ele interrompe a trama duas vezes, sempre para quebrar a quarta parede com o jogador para dizer se você está indo bem ou não. Ele também tece comentários a eventos que aconteceram a sua narrativa em particular, além de oferecer uma diga em certo momento, a qual você pode ou não aceitar.

Toda a experiência de House of Ashes, tem em média 7 horas de gameplay. O que é um tempo bom considerando que é um filme interativo em linguagem de um jogo eletrônico. É uma destas aventuras que podem ser apreciadas em um final de semana. Claro que o tempo com o jogo dobra e aumenta se o jogador quiser experimentar a versão alternativa, procurar todos os colecionáveis e ter uma experiência multiplayer com outra pessoa.

Quanto a experiência aqui com a fórmula dos capítulos anteriores, tive a ligeira impressão que House of Ashes conseguiu aprimorar um pouco destes elementos de gameplay atrelados a trama. Os Quick Time Events que presenciei fizeram sentido, e o controle respondeu muito bem a eles. Em Man of Medan me lembro de ficar um pouco frustrado com isso em alguns momentos.

Outra coisa que parece muito bem amarrado aqui são os revés da trama. Decisões que o jogador toma em momentos distintos que que moldam os eventos futuros, sem que você consiga exatamente prever como isso acontecer. Se ficasse muito óbvio, claramente parte da graça do jogo se perderia. É muito bom ver que os roteiristas trabalham bem as nuances das decisões e no fato de que elas nem sempre impactam a trama logo de cara. Man of Medan, pra mim, teve apenas um momento genial assim, naquele que envolve um elemento de pressão marítima, enquanto que em House of Ashes, encontrei diversos momentos assim.

Há também que se elogiar os momentos de ação de House of Ashes, ainda que estes sejam feitos em quick time events, pois todos ficaram bem empolgantes, do tipo em que você está suando de tensão, vendo tudo aquilo apenas acontecer, enquanto aguarda o jogo sinalizar que você precisa realizar uma ação. O combate final, e um outro em que ocorre no meio da trama, simplesmente me deixaram sem ar.

Considerações finais

House of Ashes é uma tremenda adição a proposta desta antologia de terror interativo. Uma série de jogos que se não tomar os devidos cuidados poderia ficar rapidamente repetitivo. Uma insegurança que certamente tive quando iniciei Little Hope, e talvez um dos motivos para ainda não tê-lo terminado – algo que farei agora que House of Ashes reacendeu meu interesse pelo projeto.

É difícil ficar comentando muito por aqui sobre a trama ou seus personagens, de forma a não entregar significativos spoilers. Acredito que a escolha por um elenco de personagens mais adultos sirva de lição para demonstrar que nem toda história de terror precise de adolescentes descuidados. O plot mais “Call of Duty” funciona muito bem e até mesmo os personagens secundários, a qual o jogador não controla a perspectiva, são interessantes, e podem ou não morrer mais cedo ou mais tarde dentro da trama.

A ideia de tirar um pouco o terror espiritual também funciona bem para dar uma revigorada, e mostrar que suspense e tensão são elementos importantes, muito mais do que o simples susto ou pavor de assombração que norteia os dois capítulos anteriores. O conceito de explorar medos pode ser uma grande vitória dos próximos capítulos. Alias, o quarto já tem nome: The Devil in Me, que promete encerrar a primeira temporada da antologia. O teaser é mostrado após o rolar dos créditos deste terceiro capítulo. Ao que tudo indica, parece os elementos do próximo será serial killer, mas também dá certo indício que pode ser com mortos-vivos/zumbis. Interessante.

Mecanicamente, House of Ashes parece refinar a jogabilidade até aqui apresentada. As escolhas de diálogos são interessantes, com pouca margem para confusão, e geram gatilhos interessantes por todo o decorrer da trama. Os eventos de apertar botão muito bem inseridos e respondem com boa precisão ao controle, ao menos do Xbox Series, a qual tive minha experiência de jogo.

Falando em console de nova geração, visualmente House of Ashes tem ótimos gráficos, sabendo brincar muito bem com a escuridão, mas sem nunca soar aquele preto em que você nada enxerga. A paleta de cores e sombras do jogo é muito bem feita, passando do dourado/bege da atmosfera desértica, ao vermelho dos sinalizadores e do verde quando… bem… as coisas tomam outras proporções.

Os personagens tem boas expressões, ainda que vez ou outra, em certos enquadramentos, possam soar meio esquisitos. Os secundários parecem ligeiramente menos trabalhados do que o elenco principal, o que dá para relevar. Também acho estranho que as personagens femininas são um pouco mais estranhas em suas expressões do que os dos personagens masculinos, que se apresentam de forma muito mais natural. Ao menos neste capítulo da série.

Quanto ao elenco, que empresta voz, e as vezes a própria aparência, sei que a atriz Ashley Tisdale é uma das mais famosas dentre os escolhidos para este capítulo. No geral não tenho muito que dizer sobre isso, vez que não ligo muito, mas todos fizeram uma digna performance na voz e na captura de seus movimentos. Não tenho nada de negativo a pontuar, em paralelo a não ter nada a enaltecer. Foi exatamente o que esperava que fosse, sem qualquer demérito nisso.

Contudo, reforço o que disse mais acima: os personagens Jason (interpretado por Paul Zinno) e Salim (por Nick Tarabay) roubam a cena no ato final do jogo, quando reflexões importantes sobre soldados e guerra é colocado em perspectiva. O personagem Salim, por si só, é um grande personagem da trama, do começo ao fim.

Para concluir, fico com a impressão de que House of Ashes recoloca a proposta da antologia nos eixos que certamente alguns jogadores podem ter se decepcionados quando experimentaram Little Hope – e espero que a tempo para trazer qualquer um que possa ter pensado em se afastar deste jogos. Este capítulo entrega uma trama mais madura, mais interessante, em meio um excelente sistema, bem estruturado, de escolhas e decisões, e que entrega ao jogador a dose certa de tensão e expectativa. Se você ainda não teve tempo de experimentar, digo que vale na pena, mesmo que ainda não tenho jogado nenhum outro capítulo da antologia. Pode começar por aqui, que não irá se arrepender, independente de ir ou não atrás dos demais – mas aposto que você vai querer ir.

Galeria

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Dando nota

Excelente atmosfera, sabendo trazer terror para um enredo de suspense com aventura de exploração de tumbas - 9
Ótima construção de personagens, mais adultos e sabendo discutir temas atuais, como a psicologia do soldado - 8.8
Mecanicamente segue a fórmula dos demais capítulos, sem apresentar nada realmente novo nessa direção - 8.5
Nem sempre dá para adivinhar as consequências de suas decisões, o que é excelente para o efeito surpresa - 8.8
Bem localizado em português, contudo legendas brancas podem incomodar em certos locais claros - 8
Controle responde muito bem aos Quick Time Events - 8.5
Visualmente manda bem na cenografia, contudo nos personagens humanos, as vezes é ok, outras pode ficar estranho - 8

8.5

Ótimo

House of Ashes renova a proposta de The Dark Pictures Anthology, entendendo que nem todo capítulo da antologia precisa ser sobre almas penadas, adolescentes descerebrados ou sustinhos na escuridão. Este terceiro capítulo entrega uma sólida trama de aventura, com pequenas doses de drama militar, enquanto entrega uma ameaça convincente de criatura adormecida no subterrâneo. Os controles respondem bem aos quick time events, enquanto a linha de diálogo e suas escolhas e decisões ramificam a trama para pontos que vão surpreender alguns jogadores. Uma experiência com boa dose de tensão, sabendo causar a imersão necessária.

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