Análise | Punhos de Repúdio

Disponível para PC & Nintendo Switch

Punhos de Repúdio é uma experiência divertidíssima, mas que se você não prestar muita atenção a sua existência, deixando-o escapar do radar, pode acabar perdendo um pequeno jogo independente que diz mais do que apenas ser mais um beat ’em up em meio a um mar deles que existem no cenário dos jogos independentes. Um jogo que abre algumas reflexões interessantes sobre o que jogos podem conversar, ainda que nem todos se interessem por tal aspecto.

O jogo é uma produção de um pequeno estúdio brasileiro, a Braindead Broccoli, que surgiu originalmente como uma demo gratuita no Steam, lá em meados de 2020, no furacão da pandemia do Covid-19, que chamou a atenção de muita gente, e por conta disso a equipe de desenvolvimento lançou no começo de 2021 uma campanha de financiamento coletivo no Catarse. Conseguiram 1066% do valor da meta pretendia e assim conseguiram transformar a demo em um jogo completo.

Tão logo veio uma publisher, a QUByte Interactive, que se juntou ao projeto, auxiliando na distribuição de Punhos do Repúdio, cujo o nome internacional ficou Pulling no Punches, e seu lançamento aconteceu primeiramente no PC, em agosto de 2022, e agora, no último dia 25 de maio, o jogo foi lançado para Nintendo Switch. Infelizmente, tudo indica que os planos de também lançar o jogo nos consoles Xbox e PlayStation não vai acontecer, pois as plataformas não aprovaram o game, ao menos é o que os desenvolvedores informaram neste tweet, em 14 de maio.

Punhos do Repúdio é um beat ’em up bem curtinho, não deve levar nem duas horas para ser vencido uma primeira vez, mas sendo bem justo, seu preço é equivalente a essa curta, mas divertida experiência. Na Steam, enquanto escrevo esta análise, o jogo está saindo por R$17, enquanto na eshop do Nintendo Switch, seu preço foi fixado em R$25. Preço válido e bem honesto, não tenho dúvidas quanto a isso.

Pandemia inventada

Em Punhos de Repúdio os jogadores são levados para um Brasil fictício a qual a população está sofrendo de uma terrível pandemia que assola o mundo, onde as protagonistas da história se cansam da loucura dos negacionistas e sai descendo o cacete em qualquer maluco que esteja sem máscara tossindo na cara das pessoas. Um cenário “totalmente inventado, e que qualquer fato com a realidade é meramente coincidência, ainda que tudo isso seja estranhamente parecido com acontecimentos que talvez você tenha presenciado“, já diz o alerta em texto na tela, antes mesmo da tela de início começar.

Tudo bem, apesar do tom de humor, o aviso é uma forma de dizer que o jogo tem apenas uma inspiração em com o Brasil lidou em 2020 quando a pandemia do Covid-19 chegou por aqui e ocasionou a morte de muitos brasileiros diante de uma política criada para minimizar a gravidade da situação. O jogo foi idealizado no calor daquele cenário, daquele momento em que muitos brasileiros se sentiam indignados em como as pessoas não estavam levando a doença a sério, agravada por discursos presidenciais que negavam tudo que estava acontecendo. Não dava para sair socando as caras das pessoas, por mais que houvesse vontade, mas no mundo da fantasia e da mentirinha, dos games, dá para fazer isso!

Claro que existe uma forte crítica social dentro de Punhos de Repúdio, ainda que essa não seja a única intenção do jogo. Sua real intenção é ser divertido e entreter, o que o título consegue com sucesso realizar, por meio de uma jogabilidade bem redondinha e estruturara em meio a muitas piadas ácidas e de humor negro, feito com belíssimos gráficos 2D desenhados à mão. Mas me dê dois ou três parágrafos para comentar esse conceito de videogame e política, e prometo voltar aos aspectos de gameplay do jogo logo em seguida.

O jogo é historicamente muito pontual ao que todos vivemos há poucos anos atrás, e polariza bastante o cenário, fazendo críticas políticas, sociais e até mesmo religiosos. Será que cabe um jogo eletrônico fazer isso? Sendo bem sincero, apesar de não ser comum de acontecer, não vejo porque não deveria. Filmes e tantos outros meios de entretenimento fazem isso a todo momento, especialmente na questão de assumir lados e dar sua própria opinião e crítica social em torno de personalidade e eventos históricos. O Mecanismo, da Netflix, é um bom exemplo alias.

É claro que ao fazer sua a crítica, e num tom bem intenso, Punhos de Repúdio também pode afastar uma parcela daqueles que poderiam vir a jogar o título. Pessoas que vão se sentir ofendidas ou discordar da visão dos desenvolvedores na forma como se pinta o retrato de um Brasil tomado por patriotas loucos e negacionistas, diante de um presidente altamente tóxicos, que por sinal é o chefe final do jogo! É um preço arriscado, mas que ocorre sempre que você precisa tomar uma posição que não é de comum acordo de toda uma sociedade. Ciente disso, tudo bem fazê-lo, o que parece ser o caso aqui.

Então cabe a pergunta: Punhos de Repúdio é um jogo feito para que alguém se sinta ofendido? Sinceramente não acho que seja este o caso. Sim, o jogo brinca com patriotismo exacerbado e negacionismo sem sentido, mas nunca dando nome aos bois, nunca apontando o dedo na cara de quem a carapuça serviu. Talvez você possa ser um dos que não levou a pandemia à sério, mas se consegue ver que houve muitos extremos em uma parcela que negou a doença, de pessoas que podiam ter mostrado mais sensibilidade com o que estava acontecendo, e da bagunça política causada pelo Presidente da República no cargo, perceberá que o jogo apenas pega estes elementos e os potencializa para que a ficção faça seu papel criativo, reflexivo e crítico. Para que o entretenimento… entretenha, mas também mantenha a mensagem de que realidade e ficção possuem muros pequenos, fazendo a gente pensar e refletir quando conseguimos observar por cima para cada um dos lados destes muros.

Para fechar o assunto, recomendo a leitura desta entrevista, do ano passado, com os desenvolvedores lá no site MeioBit, onde um dos pontos da conversa foi justamente sobre a questão de trazer o cenário político ao jogo.

Briga de Rua Pandêmico

Corretamente protegidas com máscaras e luvas, Laura, Nina, Olga e Lola são o quarteto de protagonistas de Punhos de Repúdio. Um dia, em meio a uma confusão dentro de um supermercado, já cansadas da loucura da desinformação em torno da doença, elas se envolvem com negacionistas sem máscaras que não estavam respeitando qualquer limite de distanciamento social e acabam partindo para agressão física em si. O resto é videogame. Deu certo com os malucos do supermercado, então é hora de sair socando todo mundo sem máscara, até chegar aos verdadeiros responsáveis por toda essa loucura.

Em meio a esse cenário distópico, as fases de Punho de Repúdio são um show de detalhes que enchem os olhos de qualquer brasileiro. Há cartazes, placas, dizeres todos em português, com piadas dignas do nosso humor pontual, e que sinceramente não fazem muito sentido ao público internacional. É uma obra realmente feita para os jogadores brasileiros, que vão entender de cara as referências e piadas espalhadas por todos os cenários das quatro fases que compõe o jogo. Alias, há alguns insultos com palavrões nestes textos de cenários, deixando claro que não é um jogo infantil, feito para crianças. Se bem que o meu filho de 10 anos, jogou comigo e ficou maravilhado com a “sinceridade” do jogo nesse sentido.

O linguajar não é o único ponto que torna o game impróprio para crianças, pois o jogo não tem qualquer problema com o elemento gore, sendo extremamente violento em certas ocasiões, com litros de sangue jorrando da tela, dos negacionistas, com pontuais animações de mortes e mutações em humanos que tomaram a radioativa “nucleoquina”. Mesmo com o gráficos 2D em forma de desenho animado, o visual é para um público mais adulto mesmo. E meus parabéns para a Direção de Arte do jogo, que é absurdamente rico em detalhes de cenários, dos dizeres, dos objetos em cena, NPCs de máscaras pelos estágios. O nível de detalhe visual e gráfico é muito impressionante para o escopo indie da produção.

No que diz respeito a jogabilidade, Punhos do Repúdio é bem idealizado, no sentido de que para um beat ’em up, ou seja, um jogo em que você sai dando porrada em diversos inimigos que vão surgindo pelo caminho, existe até mesmo um senso de progressão já que os personagens vão ganhando novos golpes conforme vai passando pelos fases do jogo. Estes golpes são desbloqueados por meio de itens coletados pelo caminho, três destes itens coletados rende um novo comando de golpe.

O item em questão é um pedaço de um livro, o que contrasta bem com a brincadeira da atmosfera do jogo, a qual as protagonistas estão em briga contra a ignorância de uma parcela da sociedade. Boa sacada. Quanto aos golpes, cada personagem desbloqueia movimentos em uma ordem diferente entre si. Então se uma ganha uma voadora logo de cara, uma outra personagem pode desbloquear uma rasteira antes, o que é um toque bem interessante porque ao jogar em multiplayer, os jogadores terão movimentos diferentes ao progredirem juntos, o que dá uma dinâmica diferente no cooperativo.

E falando em multiplayer, Punhos do Repúdio suporta até 4 jogadores simultâneos em modo cooperativo local. Não há modalidade online, o que dá para compreender sendo um jogo independente pequeno, se bem que se tivesse algo assim, pelo menos para jogar com os amigos, sem precisar fazer matchmaking com desconhecidos, expandiria a experiência para além do sofá da sala, aumentando o fator diversão. Mas dado o rápido desenvolvimento, e de parte do orçamento vir de um financiamento coletivo, é de se imaginar que não seria possível ter inserido uma função assim no jogo.

Porém o multiplayer local brilha bonito e funciona muito bem. Não cheguei a testar com quatro personagens em tela, mas fiz dupla com meu filho e nos divertimos bastante, até mesmo refizemos algumas fases com personagens diferentes, afim de destravar outros movimentos e tal. Não deu para notar se os inimigos em tela aumentam quando em multiplayer, tive a ligeira impressão de que sim, mas havia adversários o bastante para que nós dois lidássemos com grupos distintos, auxiliando um ao outro quando a situação apertava. Foi muito divertido jogar assim.

Quanto aos inimigos, gostei muito da diversidade destes ao longo de todas as quatro fases do jogo. E em todas as fases tem grupos novos de inimigos, que vão se reunindo ao elenco de inimigos já apresentados. Tem os inimigos normais, que chegam e lhe batem, mas também tem os que correm, pulam, os mais fortões, os que usam itens, tem alguns que atiram, tem os ligeiros, os que contra ataquem. Tem realmente de tudo quanto é tipo, o que é essencial para um bom beat ’em up. Fora que como atacam em grupos, o jogo se esforça para misturá-los em sequências que não soem tão repetitivos assim, sempre criando novos e diferentes grupos de inimigos que até então não haviam se reunidos.

Dentre os mais odiosos inimigos, tem uma espécie de mascote dos terraplanistas, que sai rodopiando pelo cenário, há também o diabinho que sai da terra na área profunda da igreja de um pastor negacionista, assim como mutante grandão que não interrompe seus ataques ao ser atacado. Há muitos personagens diferentes. Uma mulher sem máscara que sai correndo e lhe dá rasteira, tem os patriotas que atacam com bandeiras do Brasil, a turma da igreja que arremessam a bíblia, até mesmo um soldado de espingarda com cabeça de mutante que parece muito uma inspiração/homenagem as criaturas de The Last of Us.

Também faço elogios os chefes encontrados em cada um dos quatro estágios do jogo. Em todos há mais de um inimigo chefe para se lidar, já que as fase são bem longas, podendo levar de 15 a 20 minutos para serem concluídas, o que para um beat ’em up 2D é bastante tempo. Nenhum dos chefes é muito difícil de ser vencido, mas oferece um desafio quando você não quer perder vidas, já que as mesmas são uma das formas de classificação de performance ao final de cada uma das fases. Se bem que a formiga voadora do estágio da igreja oferece um desafio extra já que é preciso ficar pulando para atacá-lo, exigindo um pouco mais de habilidade. A batalha final contra o presidente também é preciso entender que só atacar não adianta, sendo necessário esquivar de seus ataques quando for o momento certo para tal, e destravar o movimento de esquiva é essencial para isso.

Os estágios também oferecem as clássicas armas espalhadas pelo chão, ou derrubadas pelos inimigos, que podem ser usadas temporariamente pelos jogadores. Itens que recuperam a barra de saúde ou garante uma vida extra também estão pelos estágios, podendo no começo do jogo, escolher se você deseja que estes itens apareçam em maior ou menor quantidade, o que certamente escala a dificuldade de chegar ao final do estágio sem perder todas as vidas, já que se isso ocorrer, é preciso recomeçar toda a fase do zero.

Considerações Finais

Punhos de Repúdio é realmente um jogo para extravasar todo aquele sentimento de indignação que você possa ter quando para e pensar em todos os absurdos que rolaram no ápice da pandemia do Covid-19. E não vejo problema nenhum com isso. Videogames são meios saudáveis para canalizar certos sentimentos, e nos divertir com o faz de conta inocente de sua proposta.

E mesmo que você não tenha nada para extravasar nesse sentido da pandemia, mas aprecia um bom beat ’em up, o jogo também é muito bem arquitetado, oferecendo todos os elementos necessários que dão qualidade ao gênero de porradaria em diversos inimigos, afim de ir avançando por um longo estágio segmentado em diversas áreas, com armas, itens e chefes que vão tentar barrar sua progressão.

O fato de cada personagem tem seu próprio moveset, e o jogador precisando jogar com todas para destravar todos os golpes também é uma boa desculpa para refazer os mesmos estágios, já que dá uma leve sensação diferente ao trocar as personagens. Alias o comando de agarrão de todos é muito bom e funciona de forma muito satisfatório dentro da jogabilidade, e olha que este é um movimento que nem sempre flui muito bem em jogos desse gênero.

Claro que a ambientação nacional, as piadas e referências, os nossos palavrões, dão um toque todo especial ao título. Dá representatividade. Ressalto novamente que a Direção de Arte do jogo é fenomenal, muito bem atenta aos pequenos detalhes, com uma belíssima arte desenhada quadro a quadro. Punhos de Repúdio parece um desenho animado. É realmente muito bonito.

São quatro estágios apenas, limita um pouco seu valor de replay, mas que ainda assim existe, especialmente se você tiver amigos ou pessoas queridas para quem mostrar o jogo e se sentarem para jogar junto. E mesmo curtinho, não vamos nos esquecer que o preço baixo do jogo é condizente com seu tamanho. Então é uma troca equivalente justa. Fora que é uma produção brasileira, e isso por si só já deveria ser o suficiente para a apoiarmos.

Quanto a performance do jogo no Nintendo Switch, devo dizer que apenas estranhei o tanto que as telas de loading demoram para serem carregadas. Estas telas surgem quando uma das fases é carregadas, então não são tão frequentes assim, mas como são fases longas, as vezes tem pequenas transições de ambientes e até aí ela são um pouco demoradas. Fora isso, não encontrei bugs, erros ou situações em que o jogo feche, sendo que tudo rodou lisinho, sem queda na taxa de quadros ou qualquer tipo de engasgo.

Por fim, claro que existe um fator temporal importante em Punhos de Repúdio. Entender o que passados, compreender o cenário a qual a sociedade se encontra em tempos modernos, diante de tanta polarização, seja política ou não, acaba sendo parte do charme da obra, ainda que não necessariamente seja obrigação do jogador entender isso ou assumir lados. Pois na esfera técnica, o jogo cumpre bem todas as suas estruturas, o que também serve para nos deixar animados para com o que os desenvolvedores possam vir a fazer em futuros projetos. É algo pelo que esperar, sem dúvida alguma. Enquanto isso não acontece, não vejo problema nenhum em socar (virtualmente) a fuça destes malucos que compõe a atual sociedade.

Galeria

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Dando nota

Incrível direção de arte, visual desenhados a mão, super fluido, cenários ricos em detalhes - 10
Provocativo, sem medo de fazer a crítica social num bom tom de humor, sem que isso impacte a jogabilidade - 9
Ótima jogabilidade, 4 personagens únicos e senso de progressão ao se desbloquear novos golpes - 8.2
Muita violência e palavrões, feito para um público mais adulto que vai entender a proposta de sua atmosfera - 8.8
Sabe que é curtinho e tem um preço equivalente, mas te deixa querendo mais - 6
Ótima variedade de inimigos, ambientes (longas fases) e chefes - 8.8
Loading demorado no Switch, sem qualquer experiência Online - 7

8.3

Porradeiro

Punhos de Repúdio é uma experiência curta, mas pontualmente interessante por certos elementos. É uma obra de ficção que brinca com eventos históricos recentes, que provoca, mas não necessariamente ofende, é ácido e crítico, e traz uma boa discussão se jogos e política podem se misturar. E mesmo que você releve essa abordagem, ainda assim é um beat 'em up muito redondinho, apresentando todos os elementos que tornam o gênero divertido para quem gosta de sair socando tudo. Bons personagens jogáveis, ótimos inimigos, incrível arte com muito conteúdo estampado no cenário pensado justamente no público brasileiro. Sensacional.

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