Crônicas Veríssimo: Clic – As Mentiras que os Homens Contam

Mais uma segunda, mais uma crônica de Luis Fernando Veríssimo. Podem anotar no caderninho de vocês para não esquecerem. Pedimos, claro, das pessoas que gostam e são fã deste grande escritor brasileiro, que comprem seus livros de crônicas, já que são baratinhos, principalmente os mais antigos. Prestigiem e apoiem. Isso aqui é apenas uma amostragem mínima do quão bacana são os textos de Luis Fernando Veríssimo.  Esta semana o livro escolhido é o As Mentiras que os Homens Contam, um dos mais vendidos do autor. Lembro que na época e meses após o lançamento dele, estava sempre no Top 10 do mais vendidos da revista Veja. A crônica desta vez é meio grandinha para ficar na página principal do blog. Então coloquei um trechinho dela aqui e o restante após o “continuar”.

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Clic

Cidadão se descuidou e roubaram seu celular. Como era um executivo e não sabia mais viver sem celular, ficou furioso. Deu parte do roubo, depois teve uma idéia. Ligou para o número do telefone. Atendeu uma mulher.

– Aloa.
– Quem fala?
– Com quem quer falar?
– O dono desse telefone.
– Ele não pode atender.
– Quer chamá-lo, por favor?
– Ele está no banheiro. Eu posso anotar o recado?
– Bate na porta e chama esse vagabundo! Agora!

Clic. A mulher desligou. O cidadão controlou-se. Ligou de novo.

– Aloa.
– Escute. Desculpe o jeito que eu falei antes. Eu preciso falar com ele, viu? É urgente.
– Ele já vai sair do banheiro.
– Você é a…
– Uma amiga.
– Como é o seu nome?
– Quem quer saber?

O cidadão inventou um nome.

– Taborda. (Por que Taborda, meu Deus?) Sou primo dele.
– Primo do Amleto?

Amleto. O safado já tinha um nome.

– É. De Quaraí.
– Eu não sabia que o Amleto era de Quaraí.
– Pois é.
– Carol.
– Hein?
– Meu nome é Carol.
– Ah. Vocês são…
– Não, não. Nos conhecemos há pouco.
– Escute, Carol. Eu trouxe uma encomenda pro Amleto. De Quaraí. Uma pessegada, mas eu não me lembro do endereço.
– Eu também não sei o endereço dele.
– Mas vocês…
– Nós estamos num motel. Este telefone é celular.
– Ah.
– Vem cá. Como é que você sabia o número do telefone dele? Ele recém-comprou.
– Ele disse que comprou?
– Por quê?

O cidadão não se conteve.

– Porque ele não comprou, não. Ele roubou. Está entendendo? Roubou. De mim!
– Não acredito.
– Ah, não acredita? Então pergunta pra ele. Bate na porta do banheiro e pergunta.
– O Amleto não roubaria um telefone do próprio primo.

E Carol desligou de novo.

O cidadão deixou passar um tempo, enquanto se recuperava. Depois ligou outra vez.

– Aloa.
– Carol, é o Tobias.
– Quem?
– O Taborda. Por favor, chame o Amleto.
– Ele continua no banheiro.
– Em que motel vocês estão?
– Por quê?
– Carol, você parece ser uma boa moça. Eu sei que você gosta do Amleto…
– Recém nos conhecemos.
– Mas você simpatizou. Estou certo? Você não quer acreditar que ele seja um ladrão. Mas ele é, Carol. Enfrente a realidade. O Amleto pode ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?
– Esta é a primeira vez.
– Você nunca tinham se visto antes?
– Já, já. Mas, assim, só conversa.
– E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na verdade, você não sabe nada sobre ele. Não sabia que ele é de Quaraí.
– Pensei que fosse goiano.
– Aí está, Carol. Isso diz tudo. Um cara que se faz passar por goiano…
– Não, não. Eu é que pensei.
– Carol, ele ainda está no banheiro?
– Está.
– Então saia daí, Carol. Pegue as suas coisas e saia. Esse negócio pode acabar mal. Você pode ser envolvida. Saia daí enquanto é tempo, Carol.
– Mas…
– Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei. Você não quer acabar a amizade. Vocês se dão bem, ele é muito legal. Mas ele é um ladrão, Carol. Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida corre perigo.
– Ele está saindo do banheiro.
– Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo para saber onde você está.
Clic.

Dez minutos depois, o cidadão ligou de novo.

– Aloa.
– Carol, onde você está?
– O Amleto está aqui do meu lado e me pediu para lhe dizer uma coisa.
– Carol, eu…
– Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que vai devolver o telefone, que foi só uma brincadeira. Jurou que não vai mais fazer isso.

O cidadão engoliu a raiva. Depois de alguns segundos, falou:

– Como ele vai devolver o telefone?
– Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que se encontra com você lá.
– Carol, não…

Mas a Carol já tinha desligado.

O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor. Depois ligou outra vez.

– Aloa.

Pelo ruído, o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.

– Carol, é o Torquato.
– Quem?
– Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um crime. Esse telefone que você tem na mão, está me entendendo? Esse telefone que agora tem suas impressões digitais. É meu! Esse salafrário roubou meu celular!
– Mas ele disse que vai devolver na…
– Não existe tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Nem conheço esse cafajeste. Ele está mentidno pra você, Carol!
– Então você também mentiu!
– Carol…
Clic.

Cinco minutos depois, quando o cidadão se ergueu do chão, onde estivera mordendo o carpete, e ligou de novo, ouviu um “Alô” de homem.

– Amleto?
– Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A Carol acaba de descer do carro.
– Olha aqui, seu…
– Você já tinha liquidado com o nosso programa no motel, o maior clima e você estragou, e agora acabou com tudo. Ela está desiludida com todos os homens, para sempre. Mandou parar o carro e desceu. Em plena Cavalhada. Parabéns, primo. Você venceu. Quer saber como ela era?
– Só quero o meu telefone.
– Morena clara. Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular. Se não fosse o celular, ela não teria topado o programa. E se não fosse o celular, nós ainda estaríamos no motel. Como é que se chama isso mesmo? Ironia do destino?
– Quero o meu celular de volta!
– Certo, certo. Seu celular. Você tem que fechar negócios, impressionar clientes, enganar trouxas. Só o que eu queria era a Carol…
– Ladrão!
– Executivo!
– Devolve o meu…
Clic.

Cinco minutos mais tarde. Cidadão liga de novo. Telefone toca várias vezes. Atende uma voz diferente.

– Ahn?
– Quem fala?
– É o Trola.
– Como você conseguiu esse telefone?
– Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me acertou.
– Onde você está?
– Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Tovar. Andei até pelo Paraguai.
– Não quero saber de sua vida. Estou pagando uma recompensa por esse telefone. Me diga onde você está que eu vou buscar.
– Bem. Fora a Divalina, tudo bem. Sabe como é mulher. Quando nos vê por baixo, aproveita. Ontem mesmo…
– Onde você está? Eu quero saber onde!
– Aqui mesmo, embaixo do viaduto. De noitinha. Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e…

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