A crise de consciência do Brasil… (temporária ou cultural?)
Em março do ano passado escrevi este texto aqui no blog, a respeito de um momento na qual o Brasil passou, um pouco antes da desastrosa Copa do Mundo e bem antes das acirradas eleições. O texto não respondia nada, apenas indagava demais, além de ter aquele fio de esperança por mudanças. Um ano se passou e o Brasil ainda passa por este momento onde ele quer se definir como algo novo, cansado dos velhos paradigmas que o impedem de crescer e ser um país melhor.
Mudou algo, de um ano pra cá? Não sei afirmar com toda certeza. A impressão que tenho é que o Brasil se esforça para querer mudar, mas ainda correndo atrás de seu próprio rabo sem saber o certo como evitar esse instinto irracional de agir. Pra mim o que o brasileiro sofre hoje em dia é uma certa crise de consciência. Sabemos que estamos errados, queremos mudar as coisas, mas ainda falta meios para fazê-lo ou coragem para sair de nossa rotina.
E olha que após as eleições do ano passado, passei por um período de descrença para com o Brasil, afinal deixamos as mesmas pessoas no Governo por mais 4 anos. Justamente num momento crucial do sistema democrático onde todo mundo queria mudanças e, ainda assim, mantivemos as mesmas pessoas no poder, o que não fez o menor sentido pra mim na época e até hoje ainda continuo sem entender o que diabos aconteceu.
Não que eu seja partidário dos tucanos ou de qualquer outro partido, ou que seja contra PT. Não sou partidário de ninguém. O problema é que manter as mesmas pessoas no poder é quase como dar um tapinha nas costas e dizer “vai comandando aí do jeito que vem fazendo, que está tudo bem” e não, não está tudo bem!
2015 chegou a parece que a crise de consciência pelos atos dos brasileiros do ano passado bateu mais forte. Escândalos surgiram, inflação chegou metendo a bica no bolso de todos, o dólar resolveu subir como não sabia a mais de uma década, e tudo virou uma baderna econômica que mostrou novamente o quanto o Brasil é administrativamente incompetente.
A culpa disso tudo? Não dá para apontar uma única pessoa. As manifestações culpam e querem a cabeça da Dilma, como se ela fosse a única responsável por essa sinuca de bico na qual o país se encontra. Claro que ela não é isenta de responsabilidades, e como presidente, talvez seja a que mais tem sim que responder pela bagunça que se instalou no poder executivo, legislativo e jurídico do país. Mas não adianta achar que basta cortar uma cabeça da Hidra é o suficiente para matar o monstro que possui tantas outras cabeças. E ainda corre o risco de ao cortar uma, mais duas cabeças vão crescer no lugar.
E esta é nossa atual crise. O brasileiro criou a consciência que do jeito que está não dá, que o país precisa de mudança, que precisa prestar mais atenção em tudo que vem acontecendo e que a impunidade não pode mais continuar da forma como está. Precisamos penalizar todos que estão no caminho torto, se aproveitando do nosso famoso “jeitinho brasileiro” para levar vantagem indevida, na esperança de que com isso, o país possa começar a se curar e crescer. Parar de esculhambar as coisas para ver como agindo de forma correta o país anda, e após isso, conseguir promover os ajustes e concertos que a nação e o Governo precisa. Sim, porque não é só o Governo que precisa passar por esse crise de consciência, mas a própria população precisa criar vergonha na cara e parar de aceitar tudo como simplesmente é.
Precisamos começar a criar uma próxima geração de políticos melhores, mais éticos, honestos e principalmente que se adaptem melhor as condições e cenários da política e economia moderna. É preciso ter atenção a educação, a informação e principalmente a transparência dos representantes no poder. As manifestações agora não são sobre 20 centavos, e sim sobre um “basta” em nossa própria vergonha de deixar que esse sistema de Governo seja tão tóxico.
Meu grande medo em tudo isso é que como qualquer crise normal de consciência é que ela seja apenas passageira e não perdure o tempo que se faz necessário para realmente promover alguma mudança. Sim, porque as vezes você fica com essa “culpa” na cabeça, por ter agido de maneira escrota e a forma como lida com essa crise é simplesmente dar tempo ao tempo e fazê-la perder força com o tempo, caindo ao esquecimento e só lembrando dela esporadicamente.
Porque se essa crise e essa revoltar popular que tem ocorrido no país em 2015 for uma atitude apenas temporária no fim da história tenho certeza que nada mudará em que logo tudo voltará a ser da mesma forma escrota e problemática que já são. Eu espero que esse seja o momento em que culturalmente o país vá mudar, e que as pessoas que estão aí se manifestando, batendo panelas e causando barulho estão se esforçando para mudar permanentemente o Brasil, não ficando satisfeitos com qualquer esmola que o Governo possa oferecer em tempos de crise.
E acredito que da última década pra cá o brasileiro tem se impondo mais, não aceitando as mazelas do sistema. Não aceitamos mais escolas assumidamente ruins, serviços precários, produtos propositadamente inflacionados, empregos que sugam nossa alma etc. Reclamamos mais em ouvidorias e serviços de atendimentos ao consumidor. As pessoas estão acionando mais frequentemente a justiça quando se sentem lesadas por problemas legais. Não aceitamos mais as coisas erradas como aceitávamos há uma década atrás. O brasileiro aos poucos e homeopaticamente tem melhorado seu caráter.
A população está de olho, seja naquela universidade que não cumpre normas do Ministério da Educação, nestas pequenas empresas que oferecem empregos informais sem registros e benefícios, nos supermercados que inflacionam seus preços, e nos órgãos e taxas que o Governo diz que não vai aumentar, mas que aumentam.
Então a minha impressão é que a crise de consciência nacional não é algo apenas temporária, ainda que sejamos uma nação que é facilmente distraída com partidas de futebol, carnaval e até mesmo a coisas bizarras como um beijo gay numa novela, com um Big Brother Brasil ou outras coisas sensacionalistas envolvendo certas celebridades, como a Xuxa e Gugu. Apesar das distrações, a crise política e econômica é tão pungente, que é difícil esquece-la por completo. Meu único medo é o Governo conseguir apaziguar ela de maneira que a faça menos dolorosa, e portanto, mais esquecível. Não podemos esquecer o porque do país estar se manifestando e clamando por mudanças.
2015 começou interessante, mas até aí, 2013 também despertou curiosidades e 2014 prometia ser histórico e a gente sabe o que deu. O Brasil ainda tem muito que aprender, e felizmente temos uma geração que aprende muito mais rápido as coisas hoje em dia, seja para o bem ou para o mal…
[Charges retiradas do site do cartunista Latuff]
Excelente reflexão Thiago. Pena que a maior parte da população prefere dar ouvidos a um discurso binário, em que só existem vilões de um lado e mocinhos de outro, ao invés de focar nos problemas como reforma tributária e gastos excessivos para manter privilégios para deputados e senadores.
Bacaníssimo texto, Thiago! Como (futuro) historiador, queria dar meus pitacos de (futuro) historiador aqui, e de cidadão também.
É difícil esperar que em um único ano se resolvam as coisas. Acredito que 2013 possa se considerar como uma “revolução” de consciência do povo brasileiro, e a consciência antes da revolução nunca é a mesma depois da revolução. Hoje as pessoas discutem política como nunca se viu antes (ou talvez pq eu seja novo): discutem no facebook, no ônibus, no bar. E não é mais como antes, onde era só em época de eleição e a maioria das pessoas saía dizendo “é tudo farinha do mesmo saco”. O único problema é que a maioria ainda precisa aprender a como discutir, mas já discutindo é um ótimo avanço. Muito do que você apontou no texto está bem certo, como as manifestações correndo atrás do próprio rabo.
Acho que essa busca pela cabeça da Dilma foi culpa da mídia que criou essa cultura de ódio ao PT nos últimos anos e de repente saiu de controle. Uma das coisas que tenho medo, talvez como você mas de outra forma, é que consigam tirar o PT do poder e fique tudo bem. Mas enfim. Sou otimista e acredito que, daqui pra frente, só há melhoras, leve quanto tempo melhorar.
Boa reflexão. O povo sabe que tem algo que o incomoda, sabe que tem algo de errado, mas o problema é que eles não conseguem mirar e acertar o problema na sua raiz. Infelizmente os únicos que poderiam dar algum guiamento para o povo, isso é a mídia e a classe intelectual, preferem que tudo fique nessa situação (que é a zona de conforto deles), e tudo o que sabem fazer é sistematicamente esconder a verdade (ao menos parcialmente) e fomentar a luta e ódio entre classes.
Vivemos num país que está na periferia da história mundial desde sempre. Tem muitas coisas enraizadas no fundo da nossa cultura que infelizmente não sairiam nem se por acaso hoje nascer pessoas boas em quantidade suficiente pra trocar todos os que estão em cargos políticos. Pra o Brasil ter jeito e sair da irrelevância, isso é, crescer com a mão na consciência e se tornar o país que tem o potencial de ser é necessário uma reforma cultural enorme, e para isso muitos anos de estudo e abandono das modas do dia e do patriotismo burro para integrarmos nas grandes correntes espirituais e de pensamento. Primeiro ficamos inteligentes, depois resolvemos os problemas, não o contrário.
Só chegando no status questionatis e absorvendo todo o legado milenar da civilização que poderemos produzir uma nova síntese original e dar um impulso pra produção de alta cultura, e assim tal alto conhecimento vai aos poucos se diluindo de forma concêntrica atingindo cada vez mais pessoas, se misturando ao jeito bonito de ser que só nosso povo tem, tornando cristalizadas a nossa forma de ver o mundo. Um bom começo é começar a separar o que presta do que não presta. Abandonar o culto ao funk carioca e trabalhar a tal elogiada e reco9nhecida internacionalmente bossa nova (os animes tão aí pra dizer que não estou mentindo. Que ritmo brasileiro é reconhecido até no Japão pela sua sofisticação e qualidade única?). Depois que tivermos esse pré-requisito básico, tudo o quanto mais há de se organizar no lugar com menos esforço. Teremos bases firmes pra construir o resto, e não essa areia movediça do cotidiano.
Enfim, há a crise política, e como foi dito, não adianta trocar 6 por meia dúzia. Não vai adiantar bons políticos honestos também enquanto esses não tiverem um suporte decente de uma classe letrada séria e competente (e não a comprometida ideologicamente que temos hoje, raiz de muitos dos males nacionais), pois um bom político é apenas um cordeirinho no meio da matilha de lobos se não tiver essa base. O mesmo podemos dizer da população, ela sempre se dobrará ao sistema vigente e à corrupção enquanto não tiver nenhum tipo de cobrança moral. Lembremos afinal que os políticos são a representação do povo, são nossa imagem e semelhança, não adianta culpar apenas eles por tudo de ruim. A culpa é nossa no fim das contas (até por que nós mesmos os botamos lá), e nós que temos que nos esforçar, seja com muito estudo, trabalho sério, produção artística ou espiritual de primeira ou qualquer outra coisa que ajude a edificar esse país.
Grande abraço aos companheiros,