Opinião | Apostas, videogames e tendências

É sempre curioso pensar em videogames e jogos de azar ou apostas. Inicialmente essa é uma relação que pessoalmente sempre dá aquela sensação de estar prejudicando a imagem dos videogames, mas essencialmente por conta da forma como a legislação brasileiro trata do assunto e como isso inevitavelmente os tornam tão caro no país.

Porém admito que nem sempre as coisas são simples como deveriam ser. Aliás acho que apostar está um pouco inserido no modo de vida da atual sociedade, e não só no Brasil, mas no mundo todo. A crescente onda de sites que dão palpites e dicas de apostas esportivas não é uma mera coincidência do acaso ou de um sistema tentando forçar as pessoas a apostarem mais. Há muito mais do que se consegue ver sobre o assunto.

Desigualdade social é um desses pontos que se deve considerar. É difícil pensar, por exemplo, que muitos brasileiros não tenham ficado meio interessados nos resultados da Mega Sena nas últimas semanas, que andou por quase 10 sorteios seguidos sem que ninguém ganhasse o prêmio principal. Eu quem não sou um apostador habitual tentei a sorte, pessoas que conheço começaram a se reunir e apostar em bolões a cada sorteio, só na esperança de ficarem milionárias.

Na minha opinião, totalmente pessoal e nem um pouco científica, isso acontece com maior facilidade com adultos após uma certa idade porque você chega naquele ponto onde percebe que as chances de mudar a sua classe social estão diminuindo a cada ano que passa, por mais que haja esforço para “subir na vida”. Aí a solução é tentar a sorte. Nunca se sabe, apesar de que acho sempre importante ter consciência que a chance de uma pessoa como eu ficarem milionárias dessa forma é quase impossível (mas “quase” é alguma coisa, acho).

É óbvio que também existe aquela camada da alta casta que aposta e gasta pilhas e pilhas de dinheiro em apostas e jogos de azar simplesmente pela emoção da parada. Mas aí não conta. É uma parte da sociedade aquém dos padrões do resto da população. Daqueles que gastam mais, consomem o que querem e queimam dinheiro apenas porque possuem além do que dão conta de gastar. Culpe a desigualdade entre classes, algo que especialistas e economistas do mundo inteiro ainda não sabem como resolver em nosso modelo econômico.

E aí eu volto aos videogames. Nessa relação entre a sensação de apostar, e até mesmo da crescente demanda pelo eSports (esportes eletrônicos) ou até mesmo a questão das polêmicas tendências em torno de loot boxes (que simulam, de uma certa forma, o sentimento de caça níqueis) e como os videogames atuais parecem estarem metidos até nesse sentimento de riscos e apostas, ainda que não necessariamente envolvam dinheiro de forma direta (as vezes sim, mas felizmente isso ainda tem sido constantemente rechaçado pela comunidade de jogadores como algo negativo). Videogames tem se tornando um evento onde as pessoas querem assistir, apostar, assumir o risco de aquisição de itens pagos além do jogo base.

Claro que há os videogames de raiz, aqueles que não se metem nessa tendência, que se mantém mais fieis as origens do entretenimento sem se misturar com essa atividade que sempre existiu na sociedade em si. E não dá para condenar também essa mudança, porque outras mídias de entretenimento também brinca com essa fantasia do cidadão sem um trocado no bolso que se torna milionário de um dia para o outro. Filmes, séries e quadrinhos com temas de casinos, apostas e do cara que ganha uma bolada na loteria existem desde que todas estas mídias foram criadas.

Bem, o que estou dizendo é que é uma tendência a se continuar de olho. Não acho que prejudica o atual mercado, ainda que haja bons exemplos de títulos que abusaram da sorte recentemente e a mídia e comunidade caiu matando em cima. Há empresas tentando forçar jogos a serem focados em eSports, ou abusando do conteúdo adicional em games (ainda que nem sempre sejam sobre loot box). Parece que a indústria de games entrou em um gargalho onde estão tentando equilibrar custos e lucros para manter tudo sustentável. Não reprovo isso, apenas não quero gastar mais do que certas produções realmente custam.

Videogames não são jogos de azar e não deve nos enganar a acreditar nisso. Apostar de verdade envolve ter a consciência de que você pode estar simplesmente jogando dinheiro fora, e isso não é algo que quero para um videogame que eu goste muito e que fica me instigando a comprar um Season Pass ou Loot Box que no final das contas não vai me recompensar da forma como deveria, me dando a mesma sensação de apenas estar jogando dinheiro fora. É preciso ficar de olho nisso.

— observação — a imagem do game Cuphead, que abrem a postagem, é apenas ilustrativa. Neste caso, apesar do tema estar justamente relacionado ao contexto do ato de apostar, o game em si não detém nenhum dos casos de ganhos por tais medidas abordadas no texto e que instiguem o jogador a gastar mais do que apenas com o jogo base.

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