Análise | Another Code: Recollection

Disponível para Nintendo Switch

Another Code: Recollection é uma daquelas obras que pegam algo que no passado já possuíam certa qualidade e a refazem com tanto esmero e capricho, que o resultado é algo tão memorável, a ponto de que as obras originais fiquem realmente no passado e só o que importa, a partir deste ponto, é a nova versão aqui apresentada. É um daqueles remakes que justificam o ato de se realizar remakes de jogos.

Lançado exclusivamente para o Nintendo Switch no último dia 19 de janeiro, o título reúne aqui dois clássicos cult do passado da biblioteca de jogos da Nintendo: Another Code: Two Memories, lançado em 2005 para Nintendo DS, e Another Code: R – A Journey into Lost Memories, lançado em 2009 no Nintendo Wii (este, porém, foi lançado apenas no Japão e Europa).

Contudo, vale reforçar que Another Code: Recollection não é uma remasterização simples, que ocorre quando se pega um jogo antigo e aprimorada seus gráficos para melhor suporte aos monitores e televisores atuais. Este lançamento é um remake, que é quando se usa um jogo do passado como molde para recriá-lo, muitas vezes do zero, apresentando melhorias e mudanças a frente da obra original.

No caso de Another Code: Recollection as mudanças são significativas, tanto gráficas quanto em jogabilidade, e entrarei mais a fundo nestes aspectos ao longo desta análise, entretanto vale dizer que esta nova versão foi entrega nas mãos do talentosíssimo estúdio Arc System Works, já que ambos os clássicos foram desenvolvidos por um estúdio encerrado em 2010, a japonesa Cing, que produziu algumas obras bem cultuadas nos dias de hoje, como Hotel Dusk: Room 215 (2007), Little King’s Story (2009) e Last Window: The Secret of Cape West (2010).

Interessante também mencionar o fato de que Taisuke Kanasaki, diretor de arte dos dois jogos de Another Code na Cing, foi chamado e participou da produção do remake também na direção de arte. Gosto quando existe esse cuidado com o legado de quem esteve lá no passado de certa obra, em sua criação, e tem a chance de voltar depois de tanto tempo ao universo a qual deu vida. Boa iniciativa para o projeto.

No mais, resta mencionar que Another Code: Recollection está disponível no Nintendo Switch em diversos idiomas (alemão, chinês simplificado, chinês tradicional, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano, japonês), contudo não possui localização em nosso querido português, o que para um título com alto teor narrativo, certamente cria certa barreira para com parte do público brasileiro.

Remodelado visualmente

Voltando as mudanças trazidas por Another Code: Recollection, a mais impactante certamente são os novos gráficos, para ambos os títulos resgatados. Isso porque o primeiro jogo, para DS, ainda trazia gráficos 2D em cutscenes, com um baixo efeito tridimensional, sendo uma obra que tinha muito uma cara de visual novel misturado com point-and-click. Já sua sequência, no Wii, apesar de mudar para um ambiente todo 3D, ainda usa de uma jogabilidade de mobilidade limitada, com muitos momentos side scrolling, (avanço lateral). Ambos os clássicos entregavam modelos gráficos totalmente distintos, ainda que houve uma direção de arte conectada.

Isso muda com esta nova versão. Nada de jogo com cara de portátil/console defasado. Os gráficos presentes em Another Code: Recollection estão totalmente em 3D, com uma modelação artística que parece muito com um estilo dos atuais animês. E isso vale tanto para momentos em que o jogo tem as cenas animadas, quanto ao gameplay em si. Não existe mais a mudança na Direção de Arte, que se mantém constante o tempo todo, tudo gerado em tempo real (in-game). O resultado é um jogo que em muitos momentos parece uma obra áudio visual, como um filme.

Até porque a essência de dois títulos de aventura e mistério, a qual o jogador deve resolver pequenos puzzles para avançar na trama continuam presentes aqui. O elemento point-and-click se apresenta sempre que surgem elementos em tela que precisem ser observados e necessitam de interação da protagonista. Aponte em tudo que puder, veja todas as falas disponíveis e acompanha o desenrolar da trama, nos moldes de um visual novel, mas agora muito melhor animado.

Uma grande diferença em termos de jogabilidade é que agora ambos os jogos dão ao jogador a uma liberdade maior de andar pelos ambientes. No caso do primeiro título, a aventura se desenrola dentro de uma enorme mansão, com três andares a se explorar, além da área externa no contorno, enquanto no segundo, a trama se passa num enorme acampamento de verão, sendo possível andar livremente por todas as áreas externas e internas do local.

Estes ambientes abertos eram bem limitadas nas obras originais, e ainda que nesta nova versão não apresentem rotas alternativas, servem para dar uma maior imersão ao mundo apresentado. Você anda livremente pelo acampamento na segunda história do jogo é muito mais interessante do que explorá-lo num caminho linear de tela lateral, como era o original. Não há dúvida nenhuma dessa melhora, e faz sim uma grande diferença.

Claro o aspecto da mobilidade pelo mundo não é o único grande ponto desta nova direção de arte. Os gráficos estão atualizados e modernos. As feições dos personagens estão mais expressivas, é possível notar seus sentimentos em cena, no peso de suas falas. Aliás esta é outra grande mudança em ambos os títulos: agora há dublagem (em inglês) para todos os grandes diálogos e cenas, o que certamente dá muito mais profundidade a narrativa em si. Muito melhor do que caixas de textos como as obras clássicas.

Com um novo visual, novos gráficos que dimensionam uma Direção de Arte de qualidade, Another Code: Recollection também recebeu modificações menores em diversos outros aspectos. Alguns puzzles mudaram, outros foram adicionados, elementos da trama e da narrativa foram expandidos ou melhor explorados em ambas as aventuras, além de que a transição entre uma e outra é realizada de forma orgânica, ou seja, não existe uma tela onde seja possível selecionar qual aventura jogar, uma acontece logo após a outra, dando continuidade a trama.

Memórias perdidas

Another Code: Recollection conta a história de Ashley Mizuki Robins, inicialmente em seus 13 anos de idade, e depois, numa segunda etapa da trama, a reencontramos com 15 anos. A jovem perdeu sua mãe ainda muito novinha, e portanto não tem muitas memórias a seu respeito. Seu pai a deixou para ser criada com a tia, pedindo para contar uma história de que ele também estaria morto, enquanto trabalhava em um misterioso projeto. Encontramos Ashely pela primeira vez quando ela está justamente indo para uma ilha, perdida no meio do nada, reencontrar seu pai, após ter recebido uma carta do mesmo, a convidando para vê-lo.

Trata-se de uma história juvenil de mistério, das inseguranças de uma jovem que ainda não se conhece muito bem, enquanto tem muitas dúvidas quanto sua própria origem, advinda de pais que nunca realmente conheceu. Por que ela foi abandonada? O que aconteceu com sua mãe? Por que seu pai se fingiu de morto por todos estes anos? E por que esse reencontro agora?

Tudo isso explode quando Ashley chega a ilha com sua tia e fica com receio de ir adiante, perplexa com muitas perguntas a qual ela ainda não sabe se quer saber as respostas. Sua tia resolve ir na frente, para preparar o terreno do reencontro. Depois de esperar um certo tempo,  Ashley começa a ficar preocupada com a demora do retorno da tia e resolve ir até a mansão na costa do lugar, para logo encontrar os óculos dela no chão, alertando de que algo está errado. Assim começa a aventura pelo local.

O jogo é uma visual novel interativa, então o jogador precisa explorar um ambiente de espaço limitado, afim de descobrir qual o passo para dar continuidade a história. Normalmente é clicando em objetos ao redor, afim de descobrir novos diálogos e situações, a qual muitas vezes vão envolver pequenos puzzles, como encontrar chaves ou mecanismos que vão liberar seu acesso a todos os locais da mansão, que tem todas suas portas internas e externas fechadas, cada qual com sua própria chave, que estão todas espalhadas pelos muitos ambientes desta primeira aventura.

A narrativa vai misturar alguns elementos sobrenaturais, assim como possui aspectos de ficção científica. O pai de Ashley é um cientista que está trabalhando em uma máquina que parece mexer com suas memórias, tanto com as reais quanto com memórias falsas, por meio de chaves de um sistema de códigos chamado Another, daí o nome da série.

Mas antes de tudo isso, ao explorar os ambientes externos para encontrar meios de entrar na mansão a qual sua tia desapareceu, Ashley se depara com um cemitério e nele com a alma de um jovem chamado apenas de D. O garoto está ali há muitas gerações e é uma alma perdida, sem memória, sem saber o que deve fazer para seguir adiante. Ashley e D possuem certos sentimentos que criam um laço de amizade, a qual ambos prometem ajudar um ao outro. A garota irá recuperar as memórias do garoto fantasma, e enquanto ele a acompanhará na busca por sua tia e pai. Logo fica claro que a mansão pertencia a família de D, então enquanto a exploramos, suas memórias irão retornar aos poucos.

Another Code: Recollection não é um jogo com elementos de combate. Não há inimigos, não há desafios em plataforma. Aqui é só a exploração pela história, andar e interagir com o ambiente. Afim de descobrir mais sobre estes personagens. O passado de cada um, e os motivos a qual estão passado pelo que está acontecendo no presente. Por que D é uma alma penada presa no entorno da mansão de sua família? O que o pai de Ashley faz nesse lugar e o que é a chave Another? Ambas as tramas entrelaçam o elemento da memória, onde o passado está esquecido e para enfrentar os temores do presente, será preciso recordar o que foi esquecido, perdido ou até mesmo alterado!

Os puzzles da aventura são bem simples. Normalmente envolvem encontrar objetos para serem recolocados em pontos chaves, ou observar a ordem de certos ambientes afim de mexer com alavancas para combinar a ordem de certos elementos de cenário. Observar e interagir é quase sempre as repostas dos puzzles. O jogo também conta com um pequeno pássaro de origami com um QRcode que pode ser escaneado por meio de um dispositivo de Ashley que é meio que um colecionável que lhe contará (em texto) algumas histórias adicionais da trama.

Entretanto toda essa aventura é apenas parte de Another Code: Recollection, pois uma vez concluída essa história, temos acesso a uma nova aventura, 2 anos depois, quando reencontramos Ashley, agora com 15 anos. Agora a jovem tem mais os arquétipos de um adolescente, aquela fase da vida que não contemos muito nossas emoções, deixando que as mesmas transpareçam com mais frequência, especialmente quando nos sentimos com raiva ou frustrados, e Ashley terá razões de sobra para se sentir assim nessa aventura.

Aqui ela viaja até um acampamento de verão, e a fim de não dar muitos spoilers, basta dizer que novamente ela está está numa jornada a convite de alguém, chateada com ausências e promessas não cumpridas. Chegando ao local, ela é roubada por um garoto e tem quase todos seus pertences perdidos. Novamente Ashley se vê desamparada, sozinha num ambiente repleto de pessoas a qual ela nunca viu na vida. Insegura sobre seu papel neste local.

Desta vez não há um fantasma para lhe acompanhar, já que o mistério de D foi solucionado ao final da trama da mansão, contudo Ashley fará novas amizades e terá muitos personagens para interagir (e conhecer) no acampamento, enquanto ela descobre que esta nova jornada ainda envolverá perguntas se deu passado a qual ela não achou que existiam, mas novamente memórias estão vindo a tona, e desta vez envolvendo sua mãe!

A segunda aventura segue uma estrutura muito semelhante a primeira, com exploração de ambientes internos e externos, com locais sendo liberados aos poucos, de acordo com a conveniência da trama, enquanto os puzzles seguem interativos com objetos coletados e um pouco de observação. A exploração desta vez dá um pouco mais de liberdade, e também há os itens a serem colecionados que liberam textos extras de história por meio do origamis. Mas no geral é a mesma fórmula aplicada, o que não é ruim, já que parte da intenção do remake é unir ambos os clássicos numa aventura totalmente homogênea de alta qualidade.

Considerações finais

Another Code: Recollection é um título que está longe de pertencer aos gêneros mais populares dos jogos eletrônicos, mas todo gênero tem seu público e espaço, e dentro de sua proposta de misturar aventura narrativa com pequenos puzzles simples em uma jogabilidade point and click, o título é muito competente em sua apresentação e execução.

A única observação que faria no sentido da proposta de sua existência é que ao olhar o passado destes jogos, consigo entender a ideia que cada um tinha quando lançado em diferentes plataformas e momentos. O primeiro jogo, no Nintendo DS, usava muitos recursos da tela de toque do portátil para seus puzzles, e era o que tornava-o um point-and-click tão legal na época de seu lançamento. Já a sequência, quando estreou no Nintendo Wii, fazia a mesma coisa ao explorar puzzles com o sensor de movimento do wiimote, o controle do console. Eram obras que entregaram um conceito de visual novel com interações exclusivas que só eram possíveis nos consoles a qual foram lançados.

Esse conceito original é posto um pouco de lado em Another Code: Recollection, já que muitos puzzles foram remodelados para funcionarem e serem resolvidos no formato tradicional de controles (botões e analógicos). Você acaba contando no dedo de uma mão quantos puzzles existem no remake que utilizam de recursos dos joy-cons, como o próprio sensor de movimento. A própria tela de touch do Switch não é utilizado em nenhum momento. Isso me deixou com a sensação de que a obra poderia ter usado e abusado um pouco mais de todos os recursos tão únicos que o Nintendo Switch pode realizar.

Isso torna esse aspecto da jogabilidade da edição apenas normal, o que a deixa um pouco menos impressionante em comparação com o que os originais se propunham nas plataformas a qual surgiram. Não que isso comprometa a qualidade como um todo, pois se os puzzles que poderiam ser únicos, com giroscópio ou tela de toque, foram deixados de lado, na contrapartida o gameplay se aprimora com ambientes tridimensionais e uma exploração muito mais imersiva.

Também acho curioso como a jogabilidade não explora outros elementos que poderiam dar um tempero extra a experiência. Dou como exemplo a ausência de linhas diferentes de diálogos, já que existem momentos em que Ashley pode perguntar coisas aos personagens, baseado em palavras chaves, porém cabe ao jogador apenas escolher a ordem das perguntas, não alterando em nada no resultado. Jogos narrativos atuais já conseguem ir além da linearidade narrativa nesse sentido.

Outros elementos, como mapa para explorar, com informações que são anotadas conforme se descobre pistas, ou um inventário em que permite ver os objetos que você encontrou, e que ainda podem ou não ter utilidade, apenas dão as aspectos básicos já seriam esperados dada a dinâmica da aventura. Elementos assim apenas refinam e deixam a apresentação da obra mais interessante, mas sem nunca inovar na jogabilidade.

Claro que o fator decisivo para Another Code: Recollection é sem qualquer sombra de dúvida o aspecto visual, entregando uma experiência quase que cinemática, por meio de uma estupenda Direção de Arte, considerando juntamente essa jogabilidade com melhor exploração imersiva dentro da condução de uma trama revisada e melhor consolidada. Tudo mais amarradinho afim de que ambas as obras funcionem como uma só.

Pontuo (novamente) apenas o triste fato da obra não estar localizado em português, o que dificulta que um público mais novo possa apreciar todos os nuances narrativos dessa trama. Mesmo que a barreira linguística possa se mostrar um desafio, ainda é uma obra que torna possível sua compreensão por meio das cinemáticas, e até mesmo de opções de acessibilidade que o jogo traz, que tem uma opção de mostrar para onde o jogador deve ir e até mesmo um que facilita a resolução dos puzzles (ainda que, reafirmo, a meu ver, nunca se mostraram complexos a ponto de travar meu progresso).

No que diz respeito a qualidade da trama, penso que a história em si não é uma daquelas dignas de um Oscar, contudo, não deixa a desapontar, especialmente ao trabalhar elementos como perdas e auto descobertas. É uma obra juvenil pensada no público a qual o título é oferecido. Funciona e tem um emocional bem idealizado. Ashley é uma ótima personagem, e que cresce ao longo de ambas as aventuras.

Por fim, saio desta experiência acreditando que Another Code: Recollection é uma grande adição a biblioteca do Nintendo Switch e entrega um incrível trabalho de remake, muito aquém de uma mera remasterização. São dois clássicos que merecem tal retorno e que entregam até mesmo potencial para novas aventuras neste mesmo universo. O potencial de novas histórias, com Ashley ou não, em um universo onde memórias podem ser apagadas ou restauradas, é muito interessante para ser finalizada apenas por aqui. Há espaço para ir além, mas tudo começa aqui, e por isso deve ser apreciar tal origens.

Galeria

Este slideshow necessita de JavaScript.

Dando nota

Apresentação e Direção de Arte entregam novos gráficos e uma nova experiência - 9
Narrativa entrega uma boa história, trabalhando perdas, auto descobertas e controle de emoções - 8
Jogabilidade faz o básico do gênero de explorar e interagir com objetos - 7
Ambientes totalmente tridimensionais dão uma melhor imersão na exploração - 7.5
Puzzles são bem simples, não aproveitam todo o potencial que o Switch pode entregar - 7.5
Infelizmente não entrega uma experiência localizada para nosso português - 6.5
Dois clássicos que agoram funcionam como um único jogo - 8

7.6

Bacana

Another Code: Recollection é um belíssimo remake de dois clássicos que despertaram a atenção quando lançados em suas plataformas originais. Um jogo que traz uma narrativa com emoção, com uma protagonista que cativa, enquanto a obra tem uma Direção de Arte e Apresentação que impressionam por remodelar o mundo apresentado e dar ainda mais imersão a sua trama. Unifica a experiência de dois jogos em um, com uma jogabilidade tradicional, que entrega apenas o esperado. Pecado apenas não está localizado em nosso idioma.

Isso também pode lhe interessar
Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Dê uma ajuda ao site simplesmente desabilitando seu Adblock para nosso endereço.