Análise | Highwater
Disponível para PlayStation, Xbox, Nintendo Switch & PC
Highwater te leva a um mundo devastado por um grande dilúvio (não o bíblico) a qual a humanidade não está se saindo muito bem para viver no que restou da civilização, o que resulta em uma aventura em um bote, batalhas táticas por turno, e amizades que vem e vão por um caminho que talvez possa te levar para… Marte?
O jogo, desenvolvido por um estúdio independente localizado na Sérvia, a Demagog Studio, foi originalmente lançado em março de 2023, com exclusividade temporária no catálogo de games por streaming da Netflix. Passado um ano, o título finalmente veio a ser lançado em mais plataformas, em 14 de março deste ano, com distribuição global realizada pela Rogue Games, e está atualmente disponível para todos os consoles da atual geração: PlayStation 5, Xbox Series X|S, Nintendo Switch e PC.
Também é legal apontar que mesmo para um indie game, Highwater está totalmente localizado em português, por meio de tradução de menus e legendas nos diálogos. Os personagens que protagonizam a aventura não possuem voz (em áudio) em suas conversas, mas escutam um rádio a qual o narrador (com áudio em inglês) conta algumas curiosidade dos mundo, assim como há uma rádio com diversas canções, a qual apresentam legendas em nosso idioma, o que é muito maneiro.
Highwater é um jogo de aventura, com um tom melancólico, que tem um grande foco narrativo, pontuais momentos de exploração, assim como segmentos de combate tático por turno, no formato de tabuleiro, que se apresenta dentro das mecânicas muitas vezes mais como um quebra-cabeça do que batalhas de destreza e estratégia.
Apesar de não ser uma sequência, o jogo compartilha o mesmo universo de outros dois jogos do estúdio: Golf Club: Nostalgia (2021) e The Cub (2024). Os três jogos compartilham uma semelhante direção de arte, como os enormes letreiros da civilização que ficou para trás, paisagens devastadas e inundadas, certos conceitos de classes sociais, ainda que, no fim, não ocorram com os mesmos personagens e regiões. O ponto em comum é o mundo depois de sua extinção.
Mundo inundado
A aventura de Highwater acompanha o jovem Nikos por um mundo que sofreu uma grande catástrofe ecológica, após uma guerra que devastou tudo. Enquanto alguns lugares ficaram totalmente secos, em outras zonas ocorreu o contrário e tudo foi inundado, contudo nem por isso a água continuou potável. A vida se tornou dura e complicada para os habitantes do planeta.
Assim encontramos Nikos, que vive numa das zonas do planeta que foi inundado, conhecida como Hightower, nos arredores da cidade de Alphaville. A vida aqui não tem sido fácil, pois tudo foi engolido pela água nada potável, e o que não foi acabou se tornando pequenas ilhas com os resquícios de uma civilização que não mais existe. E tudo que estava ao acesso das pessoas já foi invadido e saqueado, tornando os recursos para uma vida sustentável bem difícil.
Mas as pessoas são resilientes e dão seu jeito. Muitas se uniram em comunidades, compartilhando aquilo que possuem e encontram. Nikos faz parte de uma destas comunidades, onde tem amigos e pessoas que considera sua família. Contudo como todo conto apocalíptico, existem as facções, aqueles que vivem tomando o que é dos outros, e neste mundo, um grupo chamado de Insurgentes tem feito isso.
Como se não bastasse tais problemas, a cidade de Alphaville se tornou impenetrável. Os ultrarricos vivem dentro da cidade, protegidos por enormes muros, ostentando uma vida razoável, segundo boatos, pois possuem recursos e tecnologia para tornar a vida aceitável, se mantido sob a parcela de poucos indivíduos. Mas esse sossego também parece estar comprometido, pois os Insurgentes além de atacar a classe baixa nos arredores da cidade, também está frequentemente procurando meios de adentrar os muros da prometida cidade.
Talvez por isso os boatos estão cada vez mais óbvios: os ultrarricos de Alphaville estão cansados da Terra e estão planejando sua fuga para Marte, uma nova casa com potencial para reconstruir a vida. Será que o futuro é realmente abandonar nosso planeta natal? Nikos precisa tomar algumas decisões que vão mudar pra sempre a sua vida.
A bem verdade é que ele está cansado de sua vida, num bote, andando pra lá e pra cá, realizando tarefas, procurando recursos e ajudando sua comunidade. Nikos quer mais, e está decidido a sair de Hightower e procurar meios de entrar em Alphaville, antes disso ele apenas precisa resolver alguns negócios pendentes pela região, e procurar alguns amigos para irem com ele numa jornada incerta até os muros de Alphaville. Talvez certos contatos o ajudem a entrar na fortificada cidade.
Essa é a premissa narrativa de Highwater. Ao longo da aventura o jogador passar a aprender mais desse mundo, dos locais que são históricos para a humanidade, detalhes do passado e presente desse mundo devastado, como os políticos e o Governo lidaram e estão lidando com tudo. Também se vê mais sobre a vida de Nikos e das pessoas ao seu redor. Conhecemos aliados que possuem motivos para ficar onde estão, assim como aqueles que não tem nada a perder ao decidirem partir por uma jornada sem retorno.
Todo esse contexto é apresentado ao jogador por diferentes elementos. Parte da jornada do game ocorre em um bote, passeando por enormes ambientes (ainda que restritivamente lineares) onde é possível ouvir um apresentador em uma estação de rádio apresentando notícias do mundo, nos intervalos das músicas inspiradas num mundo que beira seu fim, enquanto que em terra firme encontramos livros e jornais que apresentam um pouco mais do passado, eventos que mexeram com o mundo e ficaram registrados nos impressos de um outro momento da história.
Highwater é um jogo de aventura que mistura alguns elementos de gêneros distintos. Há um quê de aventura narrativa, onde o jogador vai passar muito tempo apenas navegando no bote, acompanhando diálogos dos personagens, ouvindo rádio e admirando um mundo totalmente tomado pelas águas, hipnotizado por uma atmosfera intrigante e visualmente bonita em diversos momentos.
Mas a contemplação é apenas parte do gameplay, pois no segundo elemento de jogabilidade, quando se está em terra firma, o jogador estará explorando locais pequenos e restritos, assim como terá que realizar batalhas táticas contra inimigos que estão ali para bloquear sua passagem ou simplesmente roubar o que quer que você tenha conquistado. Batalhas que irão misturar um pouco de estratégica com quebra cabeças, num sistema de combate por turno em um tabuleiro.
Turnos planejados
Intercalando elementos de história com exploração com batalhas táticas, Highwater transita entre a calmaria de um mundo colapsado e a tensão da sobrevivência acima de qualquer custo. Mas não vá esperando encontrar batalhas tão desafiadoras, ou aleatórias, daquelas que vão frustrar ou fazer com que você reinicie tudo trocentas vezes. O combate de Highwater é bem tranquilo nesse sentido.
A começar que todo combate é pontual e planejado a serviço da história. Ou seja, nada de sair andando em grandes áreas abertas esperando encontrar combates aleatórios ou surpresas, pois não há nada disso aqui. Seu personagem não ganha experiência ou sobre de nível. É o mesmo do começo ao fim do jogo, com a exceção de que é possível encontrar uma ou duas novas armas, que podem causar mais dano ou mudar a forma como se realiza o padrão de ataque no tabuleiro de combate. Não existe um sistema de evolução de personagem, ainda que ao logo da aventura existirá um certo senso de progressão.
Parte dessa sensação também ocorre por meio de um sistema de reforço. Pequenos itens encontrados na exploração dos ambientes que podem ser equipados nos personagens, por meio de 2 slots que cada um possui. Pode ser um item que lhe dará 2 pontos extras de vida ou permitirá que você anda algumas casas a mais no seu turno, ou então te deixar mais resistente a certos tipos de golpes. São opções bem básicas mesmo, mas ainda assim que acabam sendo importantes a dependente do personagem em utilização.
Falando em personagens, ao longo da aventura Nikos terá aliados que irão entrar e partir da aventura, o que irá mexer constantemente em sua equipe. Haverá momentos da trama em que até mesmo Nikos irá se ausentar, enquanto o jogador assume o controle de um outro grupo de personagens. Nesse sentido, a dinâmica de Highwater é bem interessante, pois apresenta uma ótima seleção de personagens com diferentes características e habilidades. Alguns destes personagens vão aparecer uma ou duas vezes apenas em batalhas, e mesmo assim, são planejados para terem grande utilidade em batalha, seja um velhote sniper ou um porco mutante.
Por conta dessa dinâmica, o jogador nunca terá o poder de criar uma equipe própria. O planejamento de cada batalha é fixo, desenvolvido para o grupo específico que estiver acompanhado Nikos em sua jornada. E é nesse aspecto que as vezes as batalhas soam muito mais como puzzles do que estratégicas táticas. É uma questão de pensar onde colocar cada um, qual movimento realizar, como um castelo de cartas. Existe muita pouca margem para improvisação nesse sentido.
Não só isso, mas em muitas batalhas, fica claro o desejo dos desenvolvedores de que o jogador use os ambientes no tabuleiro em batalha. Seja extintores de incêndio nas paredes que vão nocautear inimigos num só golpe, sejam árvores que vão ser derrubadas exatamente em pontos em que os inimigos estarão se você fizer o primeiro movimento do turno de uma forma bem previsível. Isso tira um pouco do livre árbitro do jogador, impedindo que ele crie formas mais engenhosas de vencer os adversários. Não digo que é de todo mal, e que nem sempre ficou claro pra mim os movimentos do turno, mas nunca houve a frustração da derrota por não conseguir ver qual o padrão de batalha a qual deveria seguir.
Contudo, mesmo assim, admito que me diverti muito com as batalhas de Highwater. Grande parte disso graças a diversidade de possibilidades de padrões de ataques de cada inimigo. Nikos com sua vara podia puxar um adversário para um buraco no tabuleiro, enquanto outro utilizavam um arpão, personagens perfeitos para ataque a distância. Já o elenco feminino contou em grande parte com uma moça com braço biônico que podia nocautear um inimigo durante um turno, uma única vez na partida, enquanto outra moça era boa com chutes e podia atacar dois inimigos por vez. Fora o guri hacker, que invadia robôs adversários e me deixa controlá-los no meu turno, mas deixava o garoto vulnerável e sem mobilidade.
Alguns personagens também possuem habilidades únicas, como ganhar uma ação de movimento extra depois de atacar alguém, ou de poder atacar em sequência, sem interrupção do turno, se em cada um destes ataques causar a eliminação do inimigo em questão. Entender estas habilidades torna claro algumas estratégias em combate.
Além disso, Highwater tem alguns pontos positivos na variedade dos combates apresentados. Nem sempre a proposta é eliminar os inimigos da arena de combate. Em alguns cenários é preciso avançar e fugir, o que adiciona uma tensão a mais porque seus personagens não são tão resistentes assim, o que significa que basta alguns inimigos bem posicionados para que em um único turno, um ou dois membro da sua equipe morra. Atacar a distância é fácil, mas abrir caminho entre o inimigo para chegar ao ponto de fuga de alguns ambientes é um tempero a mais no desafio.
Considerações finais
Highwater é uma aventura, ora relaxante, ora intrigante pela forma como os detalhes de seu mundo se apresentam, dentro de um escopo de uma produção menor, realmente vindo de um estúdio independente, mas que demonstra uma excelente competência em construir um mundo interessante. Sua experiência narrativa é de uma qualidade ímpar, que talvez no começo possa demorar um pouco para convencer o jogador, mas eventualmente pega e o leva com empolgação até sua conclusão.
Em termos de roteiro, a história começa a ficar interessante a partir do momento em que Nikos chega pela primeira vez em sua comunidade, onde comecemos a vovó e as crianças que vivem ali. Depois disso, os aliados da viagem também se tornam fixos, e aprendemos mais de suas histórias. Nesse ponto, após a curva inicial, você já está totalmente no bote dessa jornada.
Outro ponto como a história de Highwater se apresenta, e que me pegou de jeito, foram pequenas decisões que tive que tomar ao longo da aventura, que inesperadamente trouxeram consequências no ato final do jogo. Considerações e pessoas a qual resolvi tratar com humanidade, e que lá fim, esse gesto teve sua reciprocidade. Então a minha dica é, tenha atenção com suas decisões ao longo da trama, quando o jogo lhe der duas opções. Se você procura um final com mais combates, não seja tão gentil com as pessoas, porém se você escolher boas atitudes, terá uma recompensa de conciliação em um certo momento.
Na parte da jogabilidade, fica a crítica que fiz enquanto estava explicando seus aspectos, onde o desafio está muito mais redirecionado a entender o quebra cabeça do tabuleiro, quais movimentos e gestos iniciais realizar, do que criar táticas e estratégicas imprevisíveis para vencer as batalhas. Não é de todo mal isso, além de ser compreensível pela ausência de um esquema de experiência e níveis, sendo então uma boa adaptação pela inflexibilidade de alguns elementos não progressivos do sistema de combate.
Ao fim, as batalhas se demonstram criativas pela montagem do cenário e do formato fixo do combate, para que o jogador entenda os personagens e seus padrões. Gosto que os cenários são diversos, assim como as situações, seja eliminar todos os inimigos, proteger bases ou escapar da área. Os elementos interativos de cenários também são bem pensados e garantem uma enorme vantagem ao jogador, e talvez o maior desafio seja decidir não utilizados, já que são uma enorme vantagem de combate e somente o jogador pode utilizar, enquanto os inimigos apenas ignoram estes pontos interativos.
Highwater é uma aventura que dura em média de 6 a 8 horas para ser concluída. Acredito que é uma jornada honesta para um jogo independente, que tem um preço menor de um lançamento habitual. E como um fator de replay, fiquei muito surpreso ao descobrir que depois de concluída a jornada de Nikos, o título habilita duas novas histórias extras que se apresentam em dois momentos distintos da trama, próximos ao seu desfecho, e que tanto complementam o final da campanha principal, quando dá mais detalhes sobre o desfecho de outros personagens além do grupo protagonista. É muito legal ter esse conteúdo adicional.
Visualmente é um jogo com uma direção de arte bonito, uma arte singular, muito caprichada especialmente nos cenários abertos do mundo, quanto no formato das cenas do combate. A parte sonora, é uma pena que os personagens não tenham voz, mas é compreensível dado o aspecto indie da produção, contudo, o jogo ganha muitos pontos positivos pela sua belíssima trilha sonora, com músicas que refletem o mundo apocalíptico apresentado. Por fim, Highwater entrega uma bela narrativa, em meio de uma aventura exploratória, em um mundo que também reflete outras obras do estúdio, que intriga e que compele o jogador a seguir por essa jornada, torcendo para que Nikos e sua turma conquiste um lugar melhor em um mundo em ruínas.
Galeria
Dando nota
Apresentação de mundo intrigante, e que se passa num universo compartilhado de obras do estúdio - 9
Apesar dos diálogos apenas em texto, há ótimas canções para se ouvir num bote imerso num mundo inundado - 9
Sua narrativa engata depois da curva inicial, e depois te leva até o final de uma jornada com boas reflexões - 8.5
Combate de estratégia tática não dá muita liberdade de planejamento, sendo rígido demais - 6
Por outro lado, os cenários de batalha bem planejados, e diversos, cria uma sensação de puzzle interessante - 8
Personagens possuem habilidades e ataques diferentes, e há variedade legal de participações únicas em certos momentos - 8.2
Aventura com boa duração para um indie game, com valor de replay em capítulos extras, após a conclusão principal - 8.2
8.1
Bacana
Highwater é uma aventura de história, apresentando um mundo em extinção, com discussões a respeito de como diferentes classes sociais podem se comportar em situações extremas, enquanto se acompanha uma jornada de pessoas comuns em uma jornada repleta de barreiras e empecilhos, cujo o sonho é um novo mundo, se é que ele existe. Enquanto acompanha essa narrativa, a jogabilidade se divide entre exploração, ouvir boas músicas e um sistema de combate que parece de estratégia tática, mas combina muito mais com puzzles de combate, a qual é muito mais certeiro observar o que foi planejado para a batalha do que criar planos de vitória. Ao fim, é uma jornada com uma estrutura muito bem planejada para sua narrativa e seu gameplay.