Análise | Kong: Survivor Instinct
Disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S & PC

Kong: Survivor Instinct é uma aventura de perspectiva, colocando um mero humano em busca de sua filha, enquanto o imponente gorila Kong devasta sua cidade, possivelmente atrás de outros Titãs tão ameaçadores quanto. Com uma proposta de exploração 2D, com avanço lateral, o desafio esta em ultrapassar as fronteiras da cidade e dos edifícios, explorando bairros, ruas e as construções ao entorno, aprendendo como entrar em locais, atravessar destroços e, claro, sobreviver e lutar num caos urbano dominado por proles de titãs, humanos hostis e alguns Titãs, por que sim, Kong não está sozinho!
O título foi lançado em outubro de 2024, está debutando um ano de lançamento. A gente pisca e um ano inteiro se passa, não? Pois então, tive a oportunidade recente de jogá-lo e, portanto, achei que seria divertido escrever sua análise. Até porque, trata-se de um jogo indie single player, e jogos assim não envelhecem tão rápido quanto os que dependem de multiplayer online.
Seu desenvolvimento foi realizado por um pequeno estúdio localizado na Polônia, a 7Levels, que existe desde 2014, e tem alguns indies com ideias bem divertidas, dentre os quais, conheço Jet Kave Adventure e Castle of Heart. Este último inclusive está ganhando uma nova edição aprimorada neste mês de outubro. De volta a Kong, resta mencionar que o título foi distribuído globalmente pelo estúdio de desenvolvimento em parceria com a 4Divinity, uma publisher com foco em apoiar pequenos desenvolvedores na região da Ásia.
Kong: Survivor Instinct está atualmente disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC, e o jogo apresenta localização em português, porém de Portugal. Não há uma localização em o português brasileiro, mas posso apontar que isso não chega a ser nenhum incomodo. É um português bem simples de compreender, com legendas em todos os diálogos, tutoriais e menus do jogo.
Também é importante mencionar que o jogo pertence ao universo compartilhado entre mídias de entretenimento chamado Monsterverse, onde Godzilla e Kong compartilham diversos filmes, seriados e animações. O eventos do jogo ocorrem depois do filme de 2021, Godzilla vs Kong, que estabelece que ambos coexistem em um mesmo universo, assim como a ameaça das criaturas chamadas Titãs, e da própria organização Monarch, que está presente no jogo pesquisando essas criaturas.
Apesar dessa conexão com um universo já estabelecido, Kong: Survivor Instinct funciona como um evento isolado e independente. Não é necessário ter assistindo nenhum dos filmes para entender a trama apresentada. Basta saber que monstros enormes existem e, as vezes, eles invadem cidades pelo mundo, enquanto uma organização suspeita, as vezes criminosa, tenta estudar esses seres e possivelmente lucrar com tal existência.
Busca na devastação
Na história de Kong: Survivor Instinct, acompanhamos diretamente o personagem David Martin, em busca de sua filha Stacy, que reside na cidade em que Kong faz sua aparição e devastação. O enredo é simples, mas ao longo da jornada, recebe algumas novas camadas, com David descobrindo mais sobre a atual vida de sua filha, em particular seu trabalho, que parece envolver o atual estado caótico em que a cidade se encontra.
A busca de David parece muito mais complexa do que inicialmente se apresenta, com ele precisando enfrentar uma organização que está na cidade tentando estudar e capturar amostras e espécies menores dos Titãs que também estão presentes em certas regiões da cidade. O jogo nos apresenta ao menos dois destes Titãs famosos: a aranha gigante Abaddon, e a serpente marinha Tiamat.
Passar por estas áreas de calamidade, invadida pelas espécies mencionadas, além do próprio Kong, faz parte da jornada do jogador, e claro, de David. Ao longo da jornada, podemos acompanhar pequenas outras histórias, de sobreviventes, seja de crianças aguardando o pai, ou de socorristas tentando ajudar as pessoas, assim como feridos e pessoas desesperadas. Ou seja, David não é o único com um objetivo ou vivo na cidade, o jogo faz uma ótima observação ao demonstrar, pontualmente, que existem outras pessoas no entorno da calamidade, vivendo seus próprios dramas.
Porém, é claro que em toda tragédia, também há quem fique louco, e aqueles que se aproveitam da situação de fim de mundo. Os enormes Titãs não são o único perigo, e digo mais, são o menor dos males. O real perigo ao longo da jornada de Kong: Survivor Instinct são os humanos hostis espalhados por toda a cidade. Ladrões e saqueadores, organizações criminosas, e até mesmo mercenários do grupo Hyenas, considerados ecoterroristas.
Avançar por edifícios e certos caminhos, envolve enfrentar pessoas hostis, que ou estão protegendo algo ou estão tentando roubar algo. Você também está invadindo casas e construções, afim de avançar pelo caos da destruição deixado por estes enormes seres. Então é lógico que haverá resistência, especialmente depois de descobrir que existe agentes maiores na cidade, estudando e coletando material dos Titãs e das proles que estão espalhadas pela cidade.
A busca de David é mais complicada e intensa do que pode parecer inicialmente. Sozinho, em uma enorme cidade, repleta de perigos, das mais diferentes proporções, sem muitas pistas se sua filha sequer está viva? Não é fácil para um pai, há que se admitir.
Centro urbano
Kong: Survivor Instinct funciona dentro do gênero de aventura e plataforma, numa progressão de avanço lateral 2D, ainda que todo o visual do jogo tenha gráficos e perspectiva tridimensional. A Direção de Arte do jogo me lembrou muito outro título independente lá dos anos de 2014 e 2016, chamado This War of Mine. Ambos tem esse aspecto 2D em termos de perspectiva, áreas urbanas e o conceito de corte visual, onde se tem a perspectiva de casas e edificações num molde bidimensional onde é possível ver dentro dos cômodos, tal qual a separação dos mesmos, como uma planta da casa em tempo real.
Contudo, as comparações param um pouco nessa direção da arte inspirada. This War of Mine é um jogo denso, de sobrevivência, gerenciamento de recursos, materiais, muito suspense, que se passa dentro de uma casa e tem ciclos de dia e noite, que dá ao jogador o objetivo de manter as pessoas vivas pelo máximo de dias que conseguir. Kong: Survivor Instinct é muito mais simples em termos de mecânica e jogabilidade.
A começar que ele não se passa num ambiente fixo, aqui a exploração é ampla, tanto em áreas externas, quanto diversas áreas internas de edificações. David precisa explorar imensas áreas, e seguir adiante, em um caminho que namora algumas aspirações metroidvanias, mas é, em sua essência, bem linear.
A questão do aspecto metroidvania surge porque o mundo parece conectado. Toda a cidade é ligada por pontos em que o jogador avança entre as áreas, que são enormes, e é permitido essa vai e vem entre os ambientes, até mesmo por inteligentes pontos de viagem rápida.
Quando se está explorando ambientes fechados, por exemplo, há bastante verticalidade, entre andares e cômodos que exigem certo ir e vir para acessar quartos bloqueados ou inacessíveis num primeiro momento. Mas no geral, ter vencido a área de progressão e encontrado como ir para a próxima área, você já terá explorado todo o mapa em que está. Metroidvanias normalmente travam parte de áreas ou incentivam o retorno a elas depois de um tempo. Kong: Survivor Instinct não tem exatamente isso.
De qualquer maneira, a forma como o jogo encontra para apresentar uma progressão fluída, e bem conectada, é digna de bons elogios. Os ambientes evoluem muito bem ao longo da campanha, e mesmo para um aspecto de visual urbano, existem uma impressionante variação de biomas que o jogo apresenta. Obras inacabadas, hospitais, bairros, grandes edificações etc. É tão bem diversificado, que o design não cansa o jogador. Sempre há algo novo, diferente, interessante. O que é muito importante num jogo de exploração, claro.
Busca com pouco recursos
Em termos de jogabilidade, a busca de David por sua filha é repleta de percalços, e isso é bem traduzido para uma proposta de jogo interativo. Primeiro que você não tem salto duplo ou nada espalhafatoso. O jogo apresenta uma mobilidade bem pé no chão, quase realista. Seu salto é pequeno e pesado, o suficiente para saltar um cabo eletrificado ou um pequeno buraco. Subir em parecer? Apenas se o seu pulo alcançar a beirada, caso contrário, é preciso empurrar um caixote ou algo para saltar mais alto. Cair de grande alturas? Quase sempre é morte certa.
A primeira grande ação (verbo de jogo) é essa mobilidade bem cadenciada. Nada de correr como um louco, saltar duas vezes seu tamanho, ou sair quebrando qualquer coisa com um golpe. Seu personagem é pesado, truncado, com movimentos bem delimitados. Faz parte do desafio do elemento plataforma. Isso não é uma característica negativa, que fique bem claro. Acredito ser justamente o contrário, isso dá peso ao formato, a perspectiva, e a intensidade que o jogo quer passar. Funciona bem dentro da imersão proposta.
O segundo momento do jogo, está relacionado a ação, ou seja, os elementos de combate. E nisso também existe um elemento de baixa cadência. David num primeiro momento encontra uma longa barra de ferro, que utiliza como um bastão/porrete e para sua defesa. Os primeiros inimigos também usam armas brancas, partindo para o combate de curta distância.
Nesse sistema o jogo até oferece bons recursos ao jogador. É possível bater, se defender, defletir um ataque, contra atacar e até mesmo agarrar o inimigo, e assim girar o lado do combate, o que é perfeito em cenários onde há inimigos vindo de ambas as direções. Agarrar e jogar para o mesmo lado do outro adversário faz com que eles façam um fila para lhe atacar. O problema é se esse inimigo também te agarrar e colocar no meio de ambos, fazendo que os dois lhe ataquem de ambas as direções, sem dó e nem piedade.
Todos os inimigo tem barra de saúde, então não vá achando que um golpe será o suficiente. O ideal dos combates é paciência e calma. Bata, mas se o inimigo se defender, espere ele lhe atacar, aí faça o defletir (parry) e parta pra cima.
Eventualmente David conseguirá uma pistola, que pode ser usada para atirar em inimigos, mas sua função primária é arrebentar cadeados para avançar por cômodos bloqueados. Usar armas contra os inimigos acaba não sendo muito inteligente, já que a munição é muito limitada e você quer guardar para quando for realmente necessária. No começo, você só pode armazenar 4 balas, mas com o tempo, alguns itens permitem expandir o carregador da arma para ir subindo essa numeração.
Contudo, inimigos armados também irão surgir com o tempo. Felizmente há uma mecânica de esquiva que é adicionada quando isso ocorre, e é satisfatoriamente inteligente. O jogador pode fazer uma fita, ir para atrás ou para frente com velocidade, desviando assim do projétil. Quase um efeito Matrix. Tão legal quanto é que tiros dos inimigos também podem acertar seus aliados. Então estando entre dois inimigos, desviar da bala fará com que a bala passe por David e acerte quem estiver atrás dele.
Estas mecânicas vão se desenvolvendo ao longo da campanha. O número de inimigos vão crescendo, alguns usarão escudos, e aí você ganha um ataque pesado para lidar com isso, assim como a quantidade de situações assim, com múltiplos inimigos, misturando esses estilos de combate. O jogo vai tentar te pressionar cada vez mais nestas lutas de combate próximo.
E os humanos são, em boa parte do jogo, os principais inimigos do jogador. Em algumas situações e cenários, haverá outras criaturas, proles dos titãs, como aranhas do tamanho de cachorros, mas são ameaças pequenas, que morrem com uma paulada. São mais para assustar e pegar o jogador de surpresa.
Nos momentos em que você não estiver lidando com ameaças de humanos hostis, estará explorando os ambientes, e muitas vezes tentando descobrir como acessar as próximas áreas. Ligar interruptores de energia para acesso a elevadores, empurrar caixotes para subir em locais altos, saltar sobre fios elétricos ou locais em chamas, desviando as vezes de pedaços do piso que insistem em cair justamente quando você embaixo deles.
O layout é inteligente no sentido de só mostrar um certo cômodo depois que David entra nele. Então não dá para saber se antemão se terá inimigos, ou alguma armadilha ou acesso bloqueado até tentar. A sensação de descoberta está presente em alta constância dentro da experiência do jogo.
A progressão também é fechada na ideia de que para finalizar certas etapas da exploração e até mesmo da narrativa, David deve encontrar certas frequências sonoras, que com um dispositivo em mãos, pode acionar as criaturas do jogo para interagir em grandes ambientes. Seja para a aranha gigante romper sua teia, seja para Kong derrubar um edifício, situações em darão acesso para que David siga em sua jornada.
O último elemento de gameplay de Kong: Survivor Instinct que se faz necessário comentar são os momentos em que as criaturas caçam o jogador dentro de edifícios, observando entre janelas e quebrando paredes para tentar te alcançar. São momentos eletrizantes, ainda que sejam poucos. Estes momentos equivalem a batalhas de chefes, tendo em vista que não há nada assim aqui.
Visualmente são momentos incríveis, contudo em termos de jogabilidade, estes cenários de fuga são previsíveis e até tranquilos de serem vencidos. Basta seguir o caminho, pulando e esperando o momento certo de seguir adiante. Não são momentos de alta dificuldade, mas são cinematograficamente emocionantes.
Considerações finais
Kong: Survivor Instinct não é um jogo ruim, contudo também não apresenta nada espetacular. Se mantém fiel em sua proposta, funciona em grande parte de sua jogabilidade, contudo, não entrega uma campanha de muitas surpresas. Existem momentos pontuais que impressionam, mas em grande parte da experiência, entrega uma jogabilidade previsível, ainda que não seja enfadonha.
Dá para dizer que é um jogo que fica entre um meio termo. Quem vai com altas expectativas, pode se decepcionar, contudo, quem apenas quer um jogo divertido, encontrará aquilo que deseja. Não penso que isso seja de todo mal.
Dos pontos altos, posso destacar sua Direção de Arte, porque o jogo tem personalidade. Mesmo que os gráficos 3D seja padrões ao estilo, sem nenhuma estilização diferente, o nível de atenção aos detalhes dos ambientes, tantos internos, quanto externos é de alta qualidade. Não só isso, mas para um jogo 2D, o trabalho de perspectiva de planos diferentes é muito impressionante. Ver o Kong ao fundo lidando com um helicóptero e, de repente, o gorila dar um tapão no mesmo e ele voar em direção ao plano frontal é muito bacana. E há vários momentos assim.
Por isso, posso dizer que a imersão proposta por Kong: Survivor Instinct cumpre seu papel dentro de uma experiência de um videogame. Tudo bem que estes elementos de interação entre as criaturas titânicas e o jogador são todas extremamente roteirizadas. Não dá para criar um momento único dentro do seu gameplay, não há improvisação, contudo, ainda assim são momentos que impressionam bastante dada a proporção das criaturas.
A trama proposta também funciona muito bem dentro da proposta de sua jogabilidade. E isso ocorre porque muitas vezes um mote simples, um pai atrás de sua filha, funciona para uma audiência geral, que qualquer um pode facilmente se colocar no papel do protagonista, a procura de um familiar ou alguém amado, dentro de uma enorme situação de catástrofe.
Quanto ao gameplay, Kong: Survivor Instinct tem todas suas mecânicas funcionais, inclusive um mundo conectado de ruas e bairros que fazem uma conexão muito interessante no fluxo da jogabilidade. E para um jogo 2D, os desenvolvedores criaram um plano bidimensional com muitas camadas de exploração, com bastante verticalidade, desafios de desbloquear passagens e também de plataforma.
Talvez o ponto mais fraco da jogabilidade seja a repetição de camadas dessa estrutura de gameplay. Os combates ficam repetitivos muito rapidamente, além disso, ter os humanos como adversários principais de toda a aventura é um tanto decepcionante. Ao longo do jogo, é possível descobrir um bestiário das criaturas do universo do Monsterverse. Seria legal ter embates com tais criaturas, talvez até mesmo como momentos de batalhas de chefes. Faltou extrapolar um pouco a fantasia proposta no jogo, que tem essa sensação de sobriedade demais.
Já sobre os momentos com a interação com os Titãs, posso afirmar que marcam como um dos pontos altos da experiência. A destruição em tempo real de parte do ambiente, a criatura olhando por frestas, toda a tensão do momento é muito bacana. Poderia haver até mesmo mais momentos assim na experiência.
Num aspecto geral, o jogo leva em torno de 6/7 horas para ser concluído. Não é um jogo longo, porém pensando em todo o ciclo aqui explicado, penso que ele dura justamente o tempo que deve durar. Mais do que isso a experiência se tornaria cansativa, e repetitiva.
Por fim, dá para concluir que este não é o jogo com o grande gorila dos cinemas, entretanto é um jogo bem feito, que apresenta uma boa ideia, e cumpre sua execução até o fim. Para uma proposta independente, sem grandes aspirações de um jogo de grandes proporções, Kong: Survivor Instinct é um título competente. Divertido, imersivo e expande um pouco mais a lore deste universo que tem sido construído com estes onipotentes seres. E aqui, você é um um pequeno humano tentando sobreviver a passagem deles.
Galeria
Dando nota
Boa apresentação, sabendo usar bem o Monsterverse criado entre diversas mídias - 8
Construção do mundo, layout das áreas, são elementos que consegue impressionar em termos de funcionalidade - 8.5
Divertido ao explorar interiores de edifícios e descobrir como acessar áreas bloqueadas - 8
Plataforma, desafios e puzzles são bem simples, e não oferecem muta resistência, entrega um fluxo previsível de situações - 7.4
Combate diverte em um primeiro momento, mas fica repetitivo rapidamente - 6.8
Interação com os Titãs criam as melhores situações de todo o game, porém são bem pontuais - 8.8
Boa direção de arte, mesclando muito bem jogabilidade 2D com um mundo vivo em 3D - 8
7.9
Bacana
Kong: Survivor Instinct não é um jogo ruim, contudo também não apresenta nada espetacular. Se mantém fiel em sua proposta, funcionando em grande parte de sua jogabilidade, contudo, não entrega uma campanha de muitas surpresas. Existem momentos pontuais que impressionam, mas em grande parte da experiência, entrega uma jogabilidade previsível, ainda que não seja enfadonha. Acerta na imersão e na ambientação, mas comete certos tropeços em não reinventar o combate ao longo da campanha, enquanto que a exploração é linear, mas dentro de um layout bem engenhoso e interessante. Resulta em uma experiência interessante, que diverte e mantém o jogador interessado, mesmo que o gameplay não se torne marcante. E tudo bem não ser, considerando o escopo de um jogo independente.