Kekkaishi surpreende e dá uma aula de narrativa! Esperavam que fosse tão bom assim? [Vol. 2] [MdQ]
Numa época em que um dos maiores inimigos dos consumidores dessa indústria nerd, seja da parte de HQs/mangás ou de jogos, o chamado “hype”, destrói com expectativas muitas vezes simplesmente altas demais para serem alcançadas, é extremamente positivo e raro achar algo que consiga de fato surpreender por sua qualidade. Aquilo que lemos com uma sensação constante de “nossa, isso é realmente bom!”, o que é ainda mais impressionante quando vem do volume 2 de alguma coisa.
Yellow Tanabe, depois de Kekkaishi #2, tem o meu respeito.
Quem leu meu MdQ do primeiro volume sabe que apesar de eu ter gostado bastante, estava um pouco preocupada devido às várias semelhanças com outros mangás de sucesso. Pois é, mas aquela pulguinha atrás da orelha pulou pra longe e dificilmente voltará.
Esse volume começa mostrando o pai de Tokine, que será também o foco do capítulo no flashback que mostra sua morte. O personagem é simplório, feito para não chamar mesmo atenção, e logo sabemos que ele é bem fraco para o trabalho de kekkaishi, mas assim mesmo dá tudo de si, e então descobrimos o porquê da atitude cheia de orgulho de Tokine no volume anterior, que contrastava com a total indiferença de Yoshimori para com seu trabalho.
Logo em seguida temos a inclusão de Yomi na história, e essa personagem foi a grande sacada dos primeiros seis capítulos. Já tinha aparecido junto a uma mão enorme e bisonha que saía do chão no teaser da próxima edição no volume 1, e aqui é muito interessante como a autora joga com frases, olhares e situações que deixam o leitor hora desconfiado, hora achando que “nah, ela é do bem mesmo”.
A quebra do procedimento padrão quanto à recomendação da Urakai a ela, por exemplo, já levantaria suspeitas, mas todos os quadros seguintes em que aparece são totalmente ingênuos, com ela apenas cometendo a gafe de sempre mencionar o pai da Tokine em frente a ela. Sua “missão secreta” também parece que no fim das contas seria só uma coisinha qualquer sobre a qual se criou um mistério à toa, mas a forma como Tanabe finalmente consolida a identidade da personagem como sendo “malvada” não deixa nada a desejar, nenhum pensamento do tipo “ah, que fail, seria mais legal se tivesse acontecido isso”.
A sensação no geral é de que a história está progredindo. De que o universo da série está se expandindo e de que o potencial de tudo que estamos vendo é incrivelmente alto. Aparece a Urakai na forma de dois peregrinos noturnos que não têm cara de muitos amigos, e a insinuação que fazem a respeito do “interesse” que a organização parece ter no lugar já acende uma luzinha nas nossas cabeças quanto a um confronto futuro, fato que se mostra ainda mais provável quando o avô de Yoshimori revela que ela é composta por paranormais que não herdaram títulos de família, como é o caso do neto e de Tokine.
A mãe de Yoshimori, que (acho eu) apareceu brevemente durante o flashback, e mesmo assim com a parte superior do rosto encoberta, já se mostra um dos melhores mistérios da trama. Me lembrou a sensação de querer saber mais sobre Ging, o pai de Gon de Hunter X Hunter, e é bastante interessante ela manter sua família com relações rompidas em relação à Urakai, diferentemente dos Yukimuras.
Quanto à parte de ação, a luta contra Yomi e seu oni foi bem pensada, e alguns quadros dão uma imersão muito bacana, algo que Tite Kubo fazia muito bem nas lutas de Ichigo durante a fase Soul Society de Bleach. Ainda sobre o oni, não é tão novidade uma grande quantidade de poder corromper o usuário, que acaba se voltando contra seu parceiro, mas gostei da nova forma dele e do desfecho da luta, com a interferência impiedosa da Urakai, que, aliás, não luta usando barreiras, o que achei interessante (um dos carinhas usa um poder que me remeteu na hora à Genki Dama de Goku). E falando em barreiras, uma das lutas do volume passado já tinha mostrado que não precisávamos nos preocupar com essa opção inusitada de forma de combate, e agora só temos mais certeza ainda, com elas servindo até para abrir túneis subterrâneos ou buracos nos inimigos.
E novamente comento sobre a diferença na forma de uso delas por parte de Tokine e Yoshimori, já que ela as usa com parcimônia e de alvo em alvo, enquanto que ele é mais “se matar pra pegar tudo de uma vez, mas terminar isso logo”. Bem característico de protagonista mesmo, e aliás, temos a primeira menção a alguma “coisa especial” que Yoshimori possa ter, e até que demorou né, porque até agora ele era só um kekkaishi comum. Sua relação com Tokine durante as lutas é muito legal, o que deixa bem estranho o empenho que ela faz para ficar longe dele em outras oportunidades, como nas idas à escola.
Outro destaque do volume posso dizer que foi a não repetição de fórmulas que deram certo no primeiro. A parte mais cômica e “vida normal” de Yoshimori, como seu sonho de construir um castelo de doces, mal e mal apareceu, e nem mesmo vimos o fantasma cozinheiro que participou de uma das histórias do primeiro volume. Os colegas de classe também tiveram papel reduzido, com foco específico somente em Yuri Kanda, menininha que não tem a menor cara de ser do segundo ano, mas que apresenta personalidade muito interessante. Mesmo sem poderes, ela consegue ver e ouvir os seres paranormais e as ayakashis que Tokine e Yoshimori combatem, e sua participação descontraiu os capítulos finais, mas sem a sensação de “encheção de linguiça” ou de “filler legítimo”.
Como um todo, tive a sensação de que Tanabe foi ao que interessa com o segundo volume, aprofundando o leitor no universo de Kekkaishi e mostrando mais de suas ideias para a história. Houve menos momentos comuns e mais relacionados à parte de luta e das coisas ocultas, mas assim mesmo a comédia dos avós e dos cães ou as ceninhas envergonhadas de Yoshimori tentando uma aproximação com a indiferente Tokine continuam presentes.
Não sei se consegui passar o que realmente achei do volume com esse Mesa dos Quadrinhos. Acabo sempre achando que é mais fácil se expressar quanto a algo que achamos ruim do que escrever só elogios, mas foi o caso aqui, não tenho mesmo críticas a esse volume, e por isso mesmo me surpreendi. Quem tinha “esperado pra ver”, guardando os R$ 9,90 antes de investir em algo incerto, bom, agora posso recomendar mais do que nunca: corra pra banca e compre os dois volumes dessa ótima série, que do que li de novidade esse ano, é com certeza uma das melhores opções.
Observação: repararam nas tirinhas no final do volume? Hahaha, fiquei com pena da Tanabe! Depois de ler Bakuman minha visão desse mundo dos mangakás se ampliou bastante, e dá pra ter uma noção de como é difícil esse início de mangá, até que algo dê certo. Algumas opções de personagens que ela desenhou são hilárias. XD