Dead Cells | Qualidade com quantidade! (Impressões)

Poderia começar o texto dizendo que repetir e recomeçar faz parte da experiência principal de Dead Cells. O slogan matar, morrer, aprender e repetir explica muito bem sua proposta. Só que Dead Cells vai muito além do clássico ciclo de repetição de um roguelite. O título, desenvolvido pela Motion Twin, é um destes casos raros onde a quantidade não foi sacrificada em detrimento da qualidade. Há muito conteúdo, e com excelente resultados práticos.

O lançamento do game aconteceu agora no último dia 6 de agosto, para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e também para Steam, sendo que o game neste último já estava no programa de Acesso Antecipado da plataforma faz algum tempo. Jogo com localização em português, basta ativar no menu de opções (no Xbox ele não fez a troca automática).

Só um pormenor em relação a localização em nosso idioma. Existem alguns termos na atual versão do game, v.1.0, que ainda estão em inglês. Nada que atrapalhe a compreensão do desenrolar da história ou de artefatos do game. Normalmente são termos técnicos, como bleeding ou flammable oil, que são indicadores especiais de alguns atributos de armas do jogo. Provavelmente é algo que patchs futuros devem consertar. Já os diálogos estão todos certinhos em nossa língua.

Preso ao ponto de partida

Dead Cells é um destes jogos em que morrer faz parte do processo de aprendizado, onde parte do seu progresso é perdido, enquanto outra parte está sendo trabalhada para continuar progredindo.

Não é um título com uma super trama. A história é simples, mas funcional com sua proposta em relação à jogabilidade. Você é uma gosma verde que se apossa de um corpo e toma a forma de um ser com uma cabeça em chamas. Logo descobre que está em uma espécie de prisão e que não pode ser morto.

Quero dizer… sim, você pode morrer, mas ao ser morto você apenas retorna ao ponto em que tomou forma pela primeira vez. Uma câmera com um imenso esqueleto com uma coroa, aparentemente morto há eras, recolhido em um de seus cantos.

O protagonista sem nome da história irá encontrar outros personagens no começo da aventura, uns vão apenas lhe dizer que você está preso em alguma espécie de looping, outros irão se tornar seu aliado, permitindo que você expanda seus limites, conhecimentos e capacidades.

Você como jogador deve avançar, tentando sair desse lugar e enfrentando tudo aquilo que for hostil. Logo notará que as masmorras e os locais mudam suas câmaras e esconderijos cada vez em que alguém consegue lhe matar e mandar novamente ao ponto de partida. Cada recomeço, é de fato um novo recomeço cheio de novas possibilidades.

O caminho nunca é igual

Ponto positivíssimo em Dead Cells diz respeito à progressão de suas fases. Apesar do jogador começar sempre em uma área inicial, a progressão por novas áreas não é exatamente linear. Existem cenários e ambientes alternativos, conforme o jogador consegue destravar alguma das quatro habilidades permanentes que ficam contigo independente das vezes em que é morto ao longo das tentativas de virar o game.

Três destas habilidades, que são denominadas runas dentro da terminologia do game, podem ser adquiridas antes mesmo do jogador encontrar o primeiro chefe do título. Basta explorar as seis opções de estágios que existem antes mesmo do jogador conseguir chegar ao primeiro chefe. Há um sétimo bioma antes do primeiro chefe, mas para acessá-lo só com a quarta runa que é obtida em uma das opções de estágios após o primeiro chefe.

Aliás cabe aqui então explicar que o jogador não precisa passar por todos os biomas e estágios do game para virá-lo. Isso, passar por todas as fases, inclusive é impossível. A campanha de Dead Cells dividi-se em três estágios iniciais (dentro de sete possibilidades), um chefe (dentre dois disponíveis), mais dois estágios (dentre cinco opções), mais um chefe, um outro estágio final e, por fim, um último chefe apelão de conclusão do game.

Se você ainda não fez as contas, eu te ajudo com isso. São 13 estágios e 4 chefões. Porém o jogador precisa vencer apenas 6 estágios e 3 chefes para virar o game. Não que isso, obviamente, torna-o mais fácil. A ideia é que alguém dificilmente consiga vencer o game antes das quatro ou cinco primeiras tentativas. Eu joguei talvez umas trinta vezes nesse final de semana e descobri que ainda estou suando na batalha do segundo chefe.

É sobre se aprimorar, e muito menos sobre concluir o jogo

Exatamente isso. Dead Cells é um destes títulos que tem segredos para todos os lados. Cada masmorra tem caminhos alternativos, tem pequenos chefes, denominados como inimigos de classe elite, e segredos espalhados por toda a parte.

E game está a todo momento recompensando o jogador com algo novo. Uma nova runa permanente abre novas possibilidades de estágios. Novas armas ou equipamento surgem a todo instante, seja para usar diretamente na partida em si, ou dando-lhe uma fórmula para ser levado à um NPC que irá permitir destravá-la permanentemente ao game.

Os equipamentos possuem níveis e categorias diferentes. O dourado é um dos melhores equipamentos do game, recheado de atributos e excelente demais para ser descartado. Até mesmo quando você já está jogando com a sua arma favorita. O game incentiva ser jogado de formas diferentes. Cada rodada é de fato única.

Caminhos diferentes, novas possibilidades com novas habilidades aprendidas. A forma procedural a qual algumas das masmorras são construídas também criam momentos singulares onde inimigos se posicionam em segmentos até então inéditos, exigindo do jogador pensar melhor em como confrontá-los.

Dead Cells está constantemente em uma batalha consigo mesmo para impedir que o jogo fique enfadonho pela repetição. E sua programação consegue tal vitória em novas de dez vezes em que esse ciclo se reinicia para o jogador. O que pra mim é um ótimo resultado.

O jogador é incentivado muito mais a recolher fórmulas para novas armas e coletar células que precisam ser entregues a um NPC ao final de cada estágio, onde elas acumulam liberando coisas permanentes no game. Vantagens e opções extras de fortalecimento do jogador.

Mutações, vantagens permanentes e opções extras

Ao final de cada estágio o jogador vai parar em uma espécie de laboratório. Lá se encontra esse personagem que adquire fórmulas encontradas pelas fases (elas nunca se repetem, uma vez dado ao NPC, elas não mais surgem nas masmorras). Ele coloca essa fórmula (no original é denominado blueprint) em uma lista e diz quantas células o jogador precisa coletar e lhe entregar para que ela seja destravada no catálogo permanente do game.

Há fórmulas para tudo. Existem as permanentes, que ele já traz consigo ao visita-lo pela primeira vez, e também as que o jogador encontra nas fases. E aí vale tudo. Armas, equipamentos ou mutações.

Mutação é um outro tipo de vantagem que o jogador adquire cada vez que reinicia o jogo e se vence um estágio. Um NPC nesta mesma sala lhe permite escolher algumas de uma lista. Uma vida extra, mais barra de saúde, menos tempo para carregar itens especiais, granadas ou armadilhas, entre outras vantagens que lhe tornam mais poderoso.

Nesta mesmo sala também é possível recarregar sua saúde para 100% e se tiver frascos de vitalidade, enche-los todos. Para ter frascos que recuperam HP durante as fases é preciso destravar tal habilidade dando células ao cara das fórmulas. O primeiro frasco permanente custa somente 5 células. O segundo custa 60, o terceiro 300 e o quarto 700 células.

Tenha em mente que normalmente se consegue entre 15 a 35 células por estágio, dependendo de quanto o jogador o explorar em sua totalidade. Células são obtidas de alguns inimigos ou de tonéis escondidos nas fases.

Ouro para comprar equipamentos! Sim, esta também é uma opção em Dead Cells. E os game é gênero com o mercador. Ele pode ser encontrados em todos os estágios, as vezes mais de uma vez. Perfeito para trocar regularmente de equipamento. E o dinheiro é um item fácil de se obter e acumular dentro do game. E assim como o fraco de vida, há também um item de vantagem que faz com que parte do ouro seja sempre recuperado ao morrer. Muito prático para nunca começar zerado em novas partidas.

Armado até os dentes

Outro elemento que torna Dead Cells excepcional são os momentos de combate. Isso se dá devido as múltiplas opções dada ao jogador. Espadas e chicotes são armas de curto alcance, enquanto arcos, adagas e tochas são armas de longo alcance. E o jogador pode equipar o que quiser, conforme for encontrando dentro do jogo. Não precisa ter necessariamente uma arma de curta e outra de longa distância. Quer dois arcos? Fique à vontade.

Espadas existem dos mais diferentes tipos. Aquelas rápidas e pequenas, como as espadas duplas. Tem as que possuem atributos especiais, como uma que deixa os inimigos sempre sangrando ou uma que os encharca de óleo que se combinado com uma tocha causa um massivo ataque que os queima. Há espadas grandes, que atacam ferozmente, mas são mais lentas. Há aqueles em que atacam sucessivamente e o terceiro golpe é devastador. Ou uma em que se usada nas costas do inimigo infligem dano máximo ao mesmo.

A mesma coisa para os arcos. Há aqueles que causam status, outros que atiram flechas duplas, outros que possuem grande munição. Alguns que sequem os inimigos em diferentes níveis de nivelação em relação à plataforma do jogador. Adagas que também possuem efeitos diferentes. E uma coisa: estas armas tem um limite de munição, mas não limitada ao uso em si. As flechas e adagas voltam ao jogador se forem atiradas em paredes ou no vácuo, mas se ficarem grudadas nos inimigos, é preciso derrota-los para ter a munição de volta. Genial.

Há também os escudos, que bloqueiam ataque e possibilitam o parry (aquele momento em que o jogador atordoa e ataca o inimigo com violência e eficiência de dano). Dar parry não é a minha praia, mas eu aplaudo aqueles que sabem jogar tal estratégia. Mas é um sistema que precisa de timing (precisão para usá-lo na fração de segundo correto), e o meu é péssimo.

Outra parada legal em Dead Cells são as armadilhas e itens secundários de ataque. Torretas, armadilhas de urso, granadas dos mais diferentes tipos, das que queima, congelam ou soltam vermes que atacam os inimigos. Todas de uso ilimitado, mas que precisa de alguns segundos para serem reutilizadas. Há mutações que diminuem esse tempo e a deixam realmente práticas.

E há muitos estágios mais avançados que as armadilhas e granadas acabam sendo a melhor coisa do game. O confronto direto em Dead Cells é um pouco como Dark Souls. Um erro, por menor que seja, muitas vezes significa um dano de mais de 70% da barra de saúde. E itens que restauram a saúde são raros, limitados ao frasco de vida ou alguns itens ou uma mutação que restaura minimamente e vagarosamente sua saúde conforme inimigos são eliminados (nunca restaura ficando apenas parado esperando encher novamente).

Contra os chefes armadilhas, granadas e tochas são realmente úteis. Mas nunca tão quanto aprender seus padrões e não ficar muito longe dele. Alguns chefes tem padrões que os endurecem estando longe. Enquanto quando próximo deles, bastar dar a roladinha para esquerda e direito para desviar de seus ataques e ataca-lo pelas costas. É prático, mas um movimento em falso e o dano tomado muitas vezes é catastrófico. Uma dica? Mantenha um item de congelamento, como uma granada, pois para usar o frasco, você precisa de alguns segundos para a animação acontecer e o chefe, e muitas vezes o inimigos nas fases, não deixam isso acontecer.

Por isso é importante seguir jogando Dead Cells e destravar novos e melhores equipamentos. Depois habilite com o NPC das fórmulas a opção de ter itens aleatórios a cada recomeço. Assim toda nova partida irá iniciar com algo diferente em mãos. Talvez até mesmo sua arma predileta. Eu gosto muito do chicote, perfeito para um ataque à média distância e por ele ser automático, indo sempre direto nos inimigos.

Considerações finais

Há muito mais que poderia falar sobre Dead Cells, mas acho que já disse o suficiente. Sendo que outros segredos são bem mais divertidos se o jogador os descobrir por conta própria. Como as portas secretas ou as histórias de locais abandonados pelas fases.

Mas uma coisa que achei incrível é a porta do desafio diário. Ela só vai se abrir depois que o jogador vencer o primeiro chefe do jogo, o Porteiro. No desafio diário o jogador precisa enfrentar e derrotar um chefe do jogo em um determinado número de tempo. Porém deve chegar até ele, optando por uma arma entre duas opções fixas do dia. Eu tive um caso em que ou usava uma tocha ou uma pá.

A masmorra está toda revelada, normalmente é imensa e há diversos caminhos até o chefe. O melhor caminho nem sempre é o mais curto. Inimigos poderosos estão no caminho. E não há tempo para derrotar todos. Habilidades de nível estão escondidas pelo caminho. É incrivelmente difícil. Perfeito para quem gosta de desafios de arrancar os cabelos.

Dead Cells é um título que encanta por seus mistérios. Tem belíssimos gráficos em pixelart, ainda que os personagens tenham um modelo em 3D que tenta não transparecer isso (disfarçam muito bem). A trilha sonora contagia o jogo e não enjoa com o tempo. Belos efeitos e tudo roda muito bem, sem engasgos (exceto na área do vendedor, onde sempre se tem uma pequena travada de 2 segundos antes do jogo continuar).

A variedade de inimigos é grande, com diversos padrões e tipos de ataques que exigem atenção do jogador. Quando o game começa a misturar estes inimigos sempre criam novos cenários de confronto e nem sempre o resultado é aquele que o jogador aguarda. Morrer em estágios, por inimigos que se juntam e causam dano inesperado é extremamente comum.

E mesmo depois de virar o game, se conseguir concluí-lo, o jogador ainda pode continuar habilitando novos itens e encontrar novos jeitos e segredos dentro dos estágios para continuar interessado na experiência que o mesmo proporciona.

Se encontrei pontos negativos? Não saberia apontar nada que tenha me desagradado a ponto de me incomodar. Certamente a dificuldade e certo ciclo de repetição não vai agradar 100% do público, mesmo que a proposta seja exatamente essa. Talvez mais runas fosse algo a se clamar. Inicialmente cheguei a achar que todo estágio teria uma runa especial, mas não há. São 13 estágios e somente 4 runas principais. Desejaria que houvessem mais.

Porém no geral Dead Cells certamente proporciona uma ótima experiência de jogo. Tudo é muito bem nivelado. Há níveis para o personagem, dividido em três categorias, sobrevivência, violência e estratégia, e cada nova rodada reseta estes status. Isso é pensado para funcionar em duas vias: quem explora as masmorras em busca de mais itens e pergaminhos de nível acaba se fortalecendo antes de ir para o próximo estágio, porém nada impede aqueles que façam speed runs e curtam correr sem explorar, aumentando a dificuldade enquanto vai lidando com inimigos mais fortes, acima do nível normal.

E armas também possuem versões melhores de si, disponível no mercador ou encontradas pelas fases. Tudo é muito bem balanceado. Em nenhum momento me vi com a sensação de que os elementos procedurais não estavam sendo justos comigo. E esse é um elemento muito difícil de equilibrar dentro do gênero.

Ao fim, Dead Cells é um daqueles jogos independentes impossíveis de não se recomendar. É um excelente exemplo de como a fórmula da repetição e de roguelites devem coexistir. Trazendo qualidade, porém com muito conteúdo.

Galeria

Mundo vasto; ambientação, contexto e inimigos
Combate balanceado, divertido, porém desafiador
Usa com maestria a fórmula da repetição
Muito a se desbloquear; itens e equipamentos
Masmorras complexas, grandes e diferentes
Belíssima pixelart, ótima trilha sonora
Fica melhor a cada nova partida

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