Editorial | Pandemia e o relógio apocalíptico da economia (Parte 3)

Tic Tac... Tic Tac...

A semana atravessou voando, não? Talvez nem tanto para quem está na quarentena e ainda não encontrou meios de se entreter (resolva isso, é importante), mas imagino que para muitos as coisas estão acontecendo em um ritmo alucinante. Já percebeu que março termina já na próxima semana? Estamos chegando ao quarto mês de abril, em meio a tanta coisa que já aconteceu em poucos três meses… que ano surreal.

Bem, como disse que faria, volto aqui a escrever um pouco mais sobre todo esse cenário atual de pandemia, que afeta o mundo inteiro e que a cada ciclo de dias, um milhão de coisa tem acontecido. Em relação a minha situação, a qual demonstrei estar um pouco preocupado (e até desanimado) no último editorial… então… ainda estou em um estado de muitas incertezas. Porém resolvi me preocupar com isso quando for a hora certa de me preocupar. Por enquanto o mundo tem me dado muitas reflexões sobre como deveríamos todos estar agindo diante do atual cenário.

O Brasil não está sofrendo (por enquanto) um lockdown, mas parece que o brasileiro (em sua grande parte) entendeu a importância de ficar em casa e sair somente se for imprescindível. Da minha parte, não estou em quarentena, ainda estou trabalhando externamente. Parte do pessoal aqui da empresa a qual trabalho pode sair de férias essa semana, então o espaço de contato entre pessoas foi reduzido. Houve também uma maior preocupação com a higienização do lugar e eu também estou tomando as precauções que precisam ser tomadas, então é uma situação menos tensa do que estava semana passada. O que é bom. Ao chegar em casa, as medidas de higienização também estão sendo tomadas.

Mas a realidade de quarentena está aí para um grande número de pessoas. Vejo pelo meu pequeno, de 7 anos, que está indo para sua segunda semana sem sair de casa, que isso já tem lhe incomodado. Saudades da escola, dos amigos (a qual agora aprenderam a fazer vídeo conferência via WhatsApp) e dos avôs e outros membros da família. Até saudades da escola já anda batendo. Existe muita gente já sonhando com a normalidade a qual estávamos habituados.

Só que em meio a quarentena, outro assunto tem entrado nas casas dos brasileiros: a manutenção dos empregos, a quebra da econômica (e das empresas) e como faremos quando o dinheiro acabar ou o salário não cair? Um medo pessoal e particular meu, a qual cheguei a apontar no texto anterior, mas que parece ter esquentado nestes últimos dias.

Um país estacionado

Bem, vamos lá. Vou dar um ponto da minha experiência pessoal, já que trabalho em um escritório de contabilidade em uma pequena cidade de micro pequenas empresas, e vi o relato de algumas destas ao longo da semana, em meio a obrigatoriedade de terem que fechar suas portas por meio da decretação do estado de quarentena do estado de São Paulo.

Obrigar estas pequenas empresas a fechar suas portas assustaram seus respectivos donos. É grande o número destes que relataram que terão problemas com o pagamento de salários que deverão ser pagos daqui alguns dias, no quinto dia último de abril (dia 6). E por mais que exista esse argumento de que podem vender online seus produtos, mandar funcionários trabalharem home office e afins… o fato é que o consumo de certos bens e serviços caiu drasticamente. Porque (1) as pessoas não saindo de suas casas e (2) estão gastando somente com o que é essencial porque não sabem o futuro de amanhã. Então quarentena ou não quarentena, estas empresas (não essenciais) já estão com problemas para se manterem.

O país estacionou e com isso surgem os problemas de um mundo capitalista. E não, eu não estou dizendo que sou contra a quarentena. Lembre-se, estou relatando o que vi e ouvi essa semana. Sou a favor da quarentena, da redução da aglomeração de pessoas, e dos cuidados que hoje estão sendo tomados em pró do sistema de saúde ainda estar conseguindo dar conta dos casos de pacientes do coronavírus e, assim estarmos evitando mortes por falta de leito, insumo e equipamentos. E nem assim o sistema de saúde está conseguindo salvar todo mundo, pra se ver quão terrível é a situação a qual estamos vivendo.

O ponto aqui é que ainda é muito incerto o impacto de outra aspecto dessa quarentena: das pessoas perdendo seus empregos e não tendo meios de sustentar suas famílias. A miséria também é um problema e pode levar pessoas a morrerem. Não a curto prazo, e sim a longo prazo. E há meios de contornar isso e manter a quarentena? Essa é a pergunta valendo um milhão de dólares.

Aqui há dois pontos: o presidente (a qual não sou nem um pouco fã) dizendo besteiras em rede nacional de rádio e TV, mas com alguns pontos que são verossímeis: há que se preocupar com a economia, não em detrimento da vida humana (isso ele está errado), mas há que se atentar a ela sim. Talvez os motivos dele não sejam nobres, assim como de muitos mega empresários que soltaram a lábia ao longo da semana dizendo a mesma coisa, mas todos tem um ponto sim a qual temos que considerar. Até mesmo a imprensa nestes últimos dias parece mais preocupada com a falta de saídas para a recessão econômica que vem por aí, diante do ato de manter as pessoas em quarentena.

É importante se preocupar com isso agora? Talvez sim. Isso porque a partir da semana que vem começa a obrigação das empresas pagarem salários aos seus empregados. Muitas começa a pagar no próximo dia 30, outras no dia 6 de abril. Estas são as datas mais comuns. E quer apostar comigo quantas pessoas estão em quarentena hoje, crentes que irão receber seus salários na próxima semana e que vão se surpreender ao não receberem ou receberem um valor inferior de salário? Ouça o que estou lhe dizendo.

Não é a toa que hoje próximo ao horário do almoço o presidente fez um novo pronunciamento prometendo meios das empresas pagarem os próximos dois meses de salários. Tic Tac. Tic Tac. O tempo não está favorável ao Governo. Você acha que as pessoas vão continuar em suas casas quando o dinheiro acabar e não for mais possível comprar mantimentos? Esse talvez seja o ponto em que terá que se recorrer ao lockdown para controlar as pessoas.

Quanto ao que foi anunciado hoje, ainda é um pouco cedo para uma profunda análise. O Governo disse que fará, mas são medidas que irão passar pela Câmara e Senado. Ontem se decidiu sobre os trabalhadores informais, medidas a qual tenho lá minhas ressalvas, mas que ainda não está valendo, sendo necessário o Senado aprovar. O que me preocupa é que poderiam existir outras medidas que poderiam fazer mais sentido do que obrigar as pequenas empresas a se amarrarem com bancos, pegando estes empréstimos para pagamento dos próximos salários. Bancos a gente pode estabelecer que são entidades demoníacas, certo? Mesmo com seus juros baixos.

Enquanto outros países lá fora estão estudando meios do Governo pagar diretamente aos prejudicados, aqui parte dos empregados dependerão das empresas negociarem com bancos, o que por si só já amarra em uma burocracia que talvez muitas não queiram. Fora que ainda há detalhes que nem foram especificados, como empresas que já estão devendo a bancos ou com créditos negativos por falta de pagamentos de certos tributos. Enfim, ainda não há todos os detalhes acertados. A melhor medida, a meu ver, seria justamente a liberação desse montante a título de seguro desemprego e até mesmo de valores mensais de FGTS daqueles que possuem valores em conta.

E lembre-se que apesar dessa preocupação com o trabalhador, ainda há muitas pequenas empresas que vão se enroscar nos próximos meses, vendo o faturamento ir para o fundo do poço e também tendo outras dívidas e finanças para se acertarem. E aí bancos com juros baixos vão bater na porta, como os salvadores do dia. Tenho minhas ressalvas quanto a isso.

Talvez algum leitor esteja pensando: “— Porra Thiago, tu tá preocupado com empregador ou falta de dinheiro numa hora dessas?”. Pois é, eu entendo que a prioridade seja salvar vidas. Não estou dizendo que a prioridade tem que mudar. Não tem. Mas é preciso chegar a um meio termo aqui, pois caso contrário, estamos empurrando um problema que pode vir a ser muito pior lá para frente. Estamos em um cenário que não dá para ser 8 ou 80. É importante se encontrar um meio de manter a quarentena e não perder os empregos ou até mesmo os salários.

Nesse ponto há que se tecer críticas ao Governo, pois ele precisa segurar a bomba. É ele quem precisa assegurar que tudo vai dar certo e que toda a assistência será prestada. Algo que, particularmente, ainda não senti confiança. Há medidas sempre anunciadas, mas que ainda precisam ser publicadas oficialmente para começarem a valer.

No mais, acho que o brasileiro está fazendo o correto: ficando em casa. Esse é um momento de reflexão de como podemos voltar a ser uma sociedade sem aglomeração, com super conscientização sobre higienização e sobre não sair de casa exceto se for para trabalhar ou realmente necessário. E ficaremos assim até surgir uma vacina ou tratamento médico eficaz. É um momento de readequação a um cenário terrível. Começamos bem, mas não chegamos a um método que vai ser possível ficar por muito tempo. Essa bolha vai estourar se outros vetores não forem considerados.

— Artes que ilustram este texto:

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