Análise | Days Gone Remastered
Disponível para PlayStation 5

Days Gone Remastered deveria funcionar como uma reapresentação de uma IP que, no passado, foi tão mal compreendida que nunca teve sucesso em garantir uma sequência, o que talvez isso pudesse ser conquistado agora, com essa oportunidade de revisitar o título. O problema é que passado seis anos em torno de seu lançamento original, ainda há muitas dúvidas sobre os motivos pela qual certas decisões foram tomadas nessa obra, e que contrastam tão estranho com outras obras da família de exclusivos do PlayStation.
Não se engane, não estou abrindo essa análise dizendo que o jogo não vale a pena. Estou dizendo que existem elementos em sua estrutura que me fazem questionar porque diabos eles existem, e que não parecem ter melhorado em nada tantos anos desde que o jogo foi lançado. Dá para olhar para Days Gone com outros olhos agora? Certamente sim, mas ainda assim é uma obra controversa, que não cumpre expectativas mais básicas quando se pensa em jogos de mundo aberto, e nem na forma como a narrativa normalmente é apresentada.
E tudo isso é tão estranho, tão maluco, que pega o jogador despreparado, colocando-o num turbilhão de sentimentos que se contradizem. “Peraí, eu estou gostando disso? Não estou? O que diabos está acontecendo?“. Pois é, Days Gone consegue ser confuso nesse nível.
Contudo, me permita dar alguns passos para trás, antes de adentrar filosoficamente na discussão que abre esta análise. Antes de continuar, vale mencionar que Days Gone é uma obra originalmente lançada em 2019 para o PlayStation 4, e que já havia ganhado um port em 2021 para PC. E agora, lançado em abril deste ano, uma versão remasterizada preparou o título para uma chegada plena no PlayStation 5.
Days Gone Remastered apresenta gráficos aprimoradas, com diversos implementos visuais, personagens com melhores expressões faciais, ambientes com mais detalhes, efeitos de iluminação, sombras e partículas também ganharam a turbinada que versões remasterizadas normalmente ganham. Novidades ficam por conta de três novos modos: morte permanente, speedrun e uma modalidade de combate massivo contra hordas de frenéticos (os zumbis desse universo).
A campanha em si não recebeu novas missões, novas histórias e nem inclusões mais técnicas (como aumento no número de inimigos da horda). É a mesma campanha original, com gráficos melhores, telas de carregamento mais ágeis, diversas opções de acessibilidade (como os jogos do PS5 exclusivos tem tido o cuidado de receber atualmente), assim como suporte completo e total ao DualSense, o que se traduz com melhores efeitos de vibração, assim como gatilhos adaptáveis.
Também é oportuno dizer que aos jogadores que possuem o game no PlayStation 4, podem pagar uma taxa de atualização de R$50 para atualizarem suas versões para a remasterizada no PlayStation 5. O que diga-se de passagem é um bom valor, e justo para as melhorias propostas. Além disso, os saves também podem ser importados entre as versões e consoles. Então a progressão será mantinha, o que é um detalhe importante nesse tipo de lançamento.
Também é importante dizer que esta nova edição remasterizada foi desenvolvida pelo mesmo estúdio do jogo original, a Bend Studio, que não tem apresentado muitas atividades ao longo dos últimos anos, sendo que Days Gone foi sua primeira IP desde muito tempo produzindo jogos para os antigos portáteis da Sony, e bem depois de anos em que o estúdio cuidou da icônica franquia Syphon Filter.
Depois de 2019, o estúdio chegou a iniciar alguns trabalhos para a sequência de Days Gone, projeto que acabou não indo adiante, e depois, o estúdio chegou a noticia que estaria trabalha num jogo “live service” que acabou sendo também engavetado no começo desse ano, e talvez nem seja culpa do estúdio e do projeto, mas certamente por conta do caso (e fracasso estratosférico) de Concord ano passado. Em resumo, parece realmente um período de má sorte, nada que comprometa a qualidade e competência do estúdio em si.
Por fim, antes de partir direto para a análise, vale mencionar que Days Gone Remastered está sendo lançado mantendo a completa localização em português que o título já possuía em sua versão original. Está totalmente dublado em nosso idioma, tem legendas e menus traduzidos. Trabalha impecável de localização, como os exclusivos do PlayStation sempre oferecem ao nosso mercado nacional. Disso, não há que se reclamar. O grande dublador Fábio Azevedo faz um trabalho sensacional na voz do protagonista Deacon St. John.
Aventura apocalíptica em duas rodas
Logo que se inicia a campanha de Days Gone fica claro sua proposta de entregar uma experiência de mundo aberto sob a perspectiva de um motoqueiro de estrada, pessoas que fazem parte de motoclubes, que são aficionados por motos. Sua moto é parte estrutural da narrativa, das mecânicas e da identidade do jogo como um todo. E é um dos poucos elementos que funcionam muito bem narrativamente.
A trama de Days Gone parte do princípio que o mundo como conhecemos, mais uma vez, chegou ao fim diante de um apocalipse que o jogo não chama de “zumbi“, mas é como se fosse. Aqui temos os Frenéticos, humanos que foram infectados com um vírus que ocasionou uma mutação que os deixaram agressivos e irracionais, tornando-os selvagens, alimentando de carne de outros humanos e animais, apenas para o puro instinto de sobrevivência, ainda que não ataquem uns aos outros.
Grande parte da história do jogo é mal explorada nesse sentido. Não se fala muito sobre como tudo começou, quando começou, como se alastrou, quem são os responsáveis e nada nessa direção. O que se sabe é que existe uma organização científica e militar, chamada NERO, pesquisando sobre o vírus, mas nunca fica claro para quais fim. Nem mesmo sobre uma cura.
Frenéticos não são chamados de zumbis, ainda que se parecem muito com tal conceito. Contudo o jogo é bastante omisso em explicar mais sobre a mutação. Gera dúvida em certos pontos, se os frenéticos podem ser considerado “mortos”, como funciona a transmissão da doença e sobre regras e hábitos deles, como o propósito dos ninhos em que passam parte do dia dormindo. O jogo não trabalha para explicar demais o mundo que apresenta, deixando claro apenas que tudo acabou, tem seres agressivos por toda a parte e é assim mesmo. Estão são os riscos, e é só isso que o jogador precisa saber.
Logo na abertura do jogo fica bem claro qual o foco narrativo aqui. A história apresenta Deacon St. John, que diante de uma massiva infestação de frenéticos, devastando tudo e todos em sua cidade, precisa escolher entre escapar com sua esposa, Sarah, esfaqueada por uma criança enquanto tentava fugir do caos, colocando-a em um helicóptero de resgate da tal NERO ou ficar e ajudar seu melhor amigo, Boozer, também machucado, frente ao fato de que o helicóptero não tem espaço para todos. Deacon resolve ficar e ajudar Boozer, mas envia sua esposa aos cuidados médicos necessários. E assim a trama salta 2 anos no futuro.
Deacon nunca encontrou sua esposa, e acredita que ela foi dada como morta, e agora roda pelo mundo com Boozer, trabalhando como mercenário, caçando pessoas problemáticas e as eliminando por dinheiro. Num mundo destruído, parece não adianta muito pagar de bom samaritano, né?
Agora ambos se encontram em uma região do Noroeste do Pacífico, entre os Estados Unidos e Canadá, uma região de montanhas, mata fechada e muitas estradas de terra cortando para todo o lugar. Uma área perfeita para estas motocas de estrada, que podem entrar facilmente por estradas menores, passar entre árvores, veículos abandonados e fugir de frenéticos e lobos selvagens. Assentamentos se instalaram ao longo da região, cada um gerenciado por um líder, sempre contratando mercenários para lidar com pessoas e problemas por toda a região, além dos limites de suas instalações.
Num mundo devastado há de tudo um pouco. Malucos querendo sair matando geral, sobreviventes pedindo por socorro, bandidos de estradas, vilarejos e instalações de pesquisa da NERO abandonadas, guerrilha entre facções e, claro, infestações de frenéticos por toda parte. Deacon e Boozer estão no centro de tudo, não pertencendo a lugar nenhum, mas ao mesmo tempo, estando por toda a parte e sendo reconhecido por todos.
E no momento em que você pensa que será uma aventura de “manos na estrada“, algo como um Gears of War, a narrativa trata rapidamente de tira Boozer de cena, ainda em uma das missões tutoriais do jogo. O personagem é atacado, ferido e vai passar boa parte do jogo na cama, conversando com Deacon pelo rádio, deixando assim o jogador em mais um aventura de mundo aberto com um protagonista solitário na estrada falando com NPCs via rádio. Mais clichê impossível.
E nesse miolo de narrativa, o jogo vai desenvolvendo o passado de Deacon, como ele conheceu sua esposa, seu melhor amigo, tentando dar valor narrativo a história. Contudo, é tudo tão estranho, quebrando a dinâmica da ação, e sem valor emocional de verdade, que a impressão de que uma história mal contada.
Até mesmo os desdobramentos de Deacon encontrando o pesquisador da NERO que colocou Sarah no helicóptero, 2 anos atrás, não cria o efeito dramático necessário, já que nesse momento o jogo está lhe mandando caçar ladrões de assentamentos e Boozer pedindo para que você cace veados para estocar carne. O jogo nunca prioriza o momento cinemático que a trama talvez precisasse ter.
Claro que toda essa crítica narrativa surge porque os jogadores esperam outro tipo de experiência cinemática de um exclusivo do PlayStation, uma plataforma que na época estava entregando jogos como God of War (2018) e The Last of Us. Há, então, um certo tipo de expectativa.
Numa mesma comparação, Days Gone se encaixa mais como um jogo com cara do que você encontraria num Xbox 360 nos tempos de Crackdown ou Far Cry 3 – não que estes jogos sejam ruins, é claro. Só que a dissonância é grande demais para a plataforma a qual o jogo foi desenvolvido.
Jogabilidade (também) em duas rodas
Voltando ao conceito de motoqueiro em um jogo de apocalipse de mundo aberto, já mencionei que a moto é parte estrutural de muitas mecânicas, além de parte integrada da narrativa, já que os motoqueiros são ágeis nas estradas e são “compatíveis” com o que o mundo de Days Gone se tornou.
Toda a exploração do mundo se dará com Deacon dirigindo a sua moto. Nem pense que haverá outros veículos, como um carro. Nada disso. E a moto sempre terá dois tipos de status, um medidor de gasolina e um medidor de dano. Ou seja, se rodar demais sem parar para abastecer, eventualmente sua motoca ficará sem combustível, o que lhe obrigará a empurrar ela até um local em que possa haver combustível (há marcações disso no mapa). Até dá para ir à pé, pegar um galão e então retornar ao ponto em que deixou a moto. Só é demorado fazer isso.
No geral, dá para rodar com o combustível cheio de uma extremidade do mapa até sua metade. Isso pode lhe dar uma ideia da distancia das coisas. E nessa régua, sempre vai ter dois a três pontos em que você poderá parar e procurar um galão de gasolina, e como ele é vermelho, é bem visível. E não se preocupe em usar um galão de qualquer ponto, porque ele sempre irá reaparecer quando volta ao local em outra ocasião. Não é um item de gasto permanente. Menos mal.
Só que há também a barra de dano na moto. Ladrões podem lhe emboscar nas estradas e atirar na sua moto, danificando-a. Um tiro de sniper pode quebrar ela por completo e lhe jogar no chão em meio a uma fuga em alta velocidade. Hordas de frenéticos podem lhe cercar e causar dano na moto. Até mesmo saltar de certas alturas ou bater em árvores ou inimigos vai causar algum dano em sua estrutura.
Chegando em 0%, ela simplesmente para de rodar. Mas não se preocupe, Deacon tem a habilidade de consertá-la, afinal, que motoqueiro de estrada não pode consertar sua própria moto, não? Contudo, consertar a moto custa algumas sucatas, um item do jogo que você pode acumular em algumas quantidades, e que você coleta, essencialmente dentro de capôs de carros. Tudo bem, então? Em teoria sim, o ponto é que sucatas também são usadas em outras situações, como o conserto de armas brancas, como o maravilhoso taco de basebol com pregos, que rapidamente você aprende a criar nas horas iniciais da aventura.
Isso se traduz num item que o jogador irá constantemente estar em busca durante a exploração de áreas, ainda que não possa ser coletada infinitamente. Alias, basicamente todos os itens do jogo tem um limite bem pequeno de quantidades que podem ser carregadas. Certamente para criar um tensa em momentos em que você precisa utilizá-los e num segundo momento em que precisará coletar tudo de novo.
Para terminar de falar sobre a moto de Deacon, também é importante dizer que sua posição sempre será marcada no mapa, tornando impossível que o jogador esqueça onde a deixou ou simplesmente a perca. Mesmo que você resolva explorar à pé uma área, sempre poderá ficar tranquilo quanto o local da sua moto, já que o mapa sempre irá indicar sua posição. Inclusive é recomendável deixar ela na entrada de vilarejos e locais com edificações, pois isso evitará que ela tome dano, e assim você também sempre terá um plano de fuga garantido, caso algo dê errado e seja preciso sair as pressas do local.
Tirando pontuais momentos em que o jogador irá perseguir alguém ou algo em sua moto, com alguns momentos em que poderá atirar enquanto dirige, a moto é realmente uma ferramenta de exploração gerenciável, para ir do ponto A ou ponto B, de forma prática, sem ter que realizar qualquer combate que aparecer no mapa dentro de tais rotas. Ao longo da progressão da história ela também poderá ser aprimorada, com novas peças, garantindo assim maior tanque, resistência, velocidade e até mesmo um sistema de nitro, para sair em disparada em momentos de real necessidade de aceleração.
E então, há os momentos sem a moto…
Dentro do básico
Nesse aspecto, da jogabilidade habitual de um jogo de mundo aberto, Days Gones não consegue impressionar muito. Até mesmo decepciona bastante em diversos momentos. Isso porque o jogo não inventa nada realmente novo, e muitas vezes faz somente o básico, deixando a jogabilidade com uma cadência mais lenta do que o esperado para esse tipo de gênero de jogo.
Talvez haja essa influência de The Last of Us para a época, no crescimento de um estilo de jogabilidade mais pesado e realista, e que funciona muito bem num gênero linear e cinemático, com a ação ocorrendo de forma segmentada e pontual, porém ao inseri-la num jogo de mundo aberto, como o de Day Gone, logo fica claro que nem tudo funciona como deveria.
Primeiro que a ação aqui não é focada em combate de armas de fogo, ainda que quando ocorrem, são realmente divertidos. Trata-se de um jogo apocalíptico, com pessoas zumbis, mas não como o modo tradicional esperado. Os frenéticos aqui são ágeis e parte para cima do jogador com uma ferocidade sem igual. Tentar ficar mirando na cabeça de cada um deles, enquanto os mesmos partem para cima de você, é tenso e muitas vezes ineficiente. Não funciona bem.
Armas de fogo funcionam contra eles quando estão com silenciadores, enquanto o jogador está oculto em grama alta. Mas em modo furtivo, tantos outros recursos também funcionam, desde jogar uma pedra e matar o frenético pelas costas. Assim você não gasta munição e nem o silenciador, que sim, quebra depois de certas vezes em que se usa.
Então tem o combate de proximidade. Deacon tem uma faca que parece daquelas que se usa para passar manteiga no pão. Ela é péssima, precisa de muitos golpes em um único inimigo para derrubá-lo. O ideal, então, é sempre ter em mãos uma arma branca coletável, dentre as muitas que existem pelas áreas do jogo. E algumas delas podem ser reforçadas, como mencionei aqui um taco de basebol com pregos. Três golpes e a arma derruba o inimigo. E mesmo assim, três golpes, quando se está cercado por três ou quatro inimigos, talvez parece vezes demais.
Days Gone não parece nenhum tipo de elemento que dê um toque mais arcade a aventura, o que talvez combinasse melhor a proposta do jogo. Combate é lento e pesado, e até mesmo a esquiva do protagonista é pouco precisa, e normalmente o inimigo ainda vai te bater. A única coisa que o sistema faz com inteligência é desacelerar muito o tempo quando se abre a roda de ferramentas, para usar um kit de saúde, trocar arma, criar um item arremessável ou consertar sua arma branca.
Grande parte da aventura pede que o jogador avance por área de forma sorrateira, sem se detectado por todos os inimigos. Se forem humanos, eles ainda vão se aproximar com calma e cautela. Dá para ir derrubando eles aos poucos. Contudo, os frenéticos simplesmente parte para cima, e é bem complicado, ao menos no início, se livrar de muitos com um mero taco e uma pistola. E levam-se horas e mais horas de campanha, até você sentir que pode lidar com um grande número destes inimigos, já com mais habilidades destravadas e melhores armas.
Não só isso, mas se a trama não tem o efeito cinemático esperado, com personagens secundários inexpressivos e desinteressantes, e todo o passado de Deacon não convence o jogador de qualquer drama emocional, além do mundo também não criar contextos que o tornem elemento de curiosidade dentro da trama, sobra para a jogabilidade carregar esse fardo em suas costas, mesmo que ela própria tenho todo esse problema de engessamento e sentimento inexpressivo próprio.
O modelo de mundo aberto de Days Gone é um ciclo de atos que se repetem a exaustão. Vai do ponto A ao ponto B, resolvendo tarefas para outros NPCs. Mate alguém, roube ou investigue algo, limpe ninho de frenéticos, cuide da sua moto, jogue sempre de forma sorrateira, usando praticamente os mesmos recursos do começo ao final do jogo, recebendo apenas armas mais potentes ao longo da jornada. O ciclo de ações do título é repetitivo demais para o gênero proposto.
Não só isso, mas a progressão da campanha é lenta. A história demora a engatar, o personagem demora para subir de nível e ganhar novas habilidade, e passam-se horas com a sensação de que nada está realmente acontecendo na aventura. Ou seja, não é um jogo que se sustenta num modelo de mundo aberto. Falta melhor ritmo, mais dinamismo, mais ação, mais cenários e situações diversas, missões deferentes e criativas. Há uma grande sensação de “mais do mesmo” jogando Days Gone.
E então, você descobre as hordas dinâmicas.
Multidão enfurecida
Certamente a galinha dos ovos de ouro de Days Gone, quando em sua fase de elaboração, foi o conceito de hordas dinâmicas de inimigos, que podem vagar livremente pelo mapa, em diferentes momentos e horários, e que quando avistam o jogador, partem ferozmente para cima do mesmo. Um elemento que chamou muito a atenção para a IP, antes mesmo dela se lançada.
E sim, este elemento está presente no jogo, contudo, sua execução me levanta algumas questões filosóficas sobre o conceito. Primeiro que hordas massivas de inimigos não era exatamente um elemento novo, nem mesmo quando o título fora lançado em 2019. Basta lembrar que em 2006 a Capcom lançou Dead Rising, com o conceito de um jogo massivo de zumbis zanzando em áreas pequenas e fechadas.
Contudo é claro que Days Gone tem seu diferencial. Dead Rising entrega sim muitos zumbis em tela do jogo, contudo muitos são estáticos, ou seja, não reagem com a presença do jogador, exceto se o mesmo chegar muito perto. Há um certo elemento decorativo. Fora que são lentos e permanecem sempre no mesmo espaço, tornando-os completamente previsíveis. A horda em Days Gone não é nada disso.
O conceito é realmente ter um grupo enorme de inimigos andando pelo mapa, além de locais específicos em que as hordas descansam e precisam ser eliminadas. E os inimigos são agressivos, são rápidos. Se avistado por eles e não estar preparado significa morte certa, a menos que você consiga escapar, indo até sua moto. Ou seja, é um elemento de tensão e medo. Não dá para prever quando você encontrará uma horda, ainda que não tenha visto isso acontecer em pontos chaves de missões de história, e tenho a impressão de que é um elemento mais pensado em pegar o jogador de surpresa enquanto está explorando o mundo sem muitos objetivos claro.
Pois bem, apesar de ser um conceito interessante, saio com a impressão de que a execução é um pouco falha. Primeiro porque se a horda é dinâmica, o mesmo não pode ser dito sobre a forma como o jogador irá lidar com elas. As estratégias são bem limitadas, dada jogabilidade pesada, limitada e realista que mencionei mais acima. Ou você vai atirar com alguma arma pesada, ou arremessar coquetéis molotov, afunilar os inimigos em pontos estreitos do mapa ou vai fugir de moto.
Não tem como lidar com a horda com pistola, correndo à pé, ou com uma arma branca. Você pode tentar, mas ficará sem munição, seu fôlego esgotará e irá parar de correr e sua arma de porrada irá quebrar, antes de conseguir eliminar todos os inimigos. Ou seja, há uma estratégia certa para lidar com esse cenário, sem muita margem para criatividade. Quase como uma inversão de elementos em relação a Dead Rising, a qual o jogador tem mil maneiros de criar armas, usar veículos ou explodir coisas para lidar com centenas de zumbis bobões e lentos. Se lá você tem essa liberdade, aqui não, porém lá os inimigos não são uma ameaça real, e aqui eles são.
Tanto é que as hordas levam realmente muito tempo para serem apresentadas em Days Gone. Você só irá encontrar a primeira depois de horas e horas de campanha. Além disso, as cavernas onde estão intocados as hordas principais da história, virão somente muito depois, quando você realmente estiver bem avançado com as habilidades do personagem. E uma vez vencida, essa horda fixa não retorna mais, o que talvez seja meio chato, não?
Eis que talvez seja oportuno para falar de Days Gone Remastered e o novo Modo Ataque da Horda! Novidade na edição remasterizada, o novo modo é justamente feito para enaltecer esse elemento chave do jogo, e aqui sim, há um enorme acerto, porque coloca o jogador direto na ação, e com uma ajuste de nível de personagem pronto para lidar com crescentes hordas de frenéticos.
Neste modo o jogador pode escolher entre diversos personagens presentes no mundo do jogo, incluindo Boozer e Sarah, para lidar com quatro situações de horda de frenéticos, equipando perks (benefícios) que podem facilitar ou dificultar sua pontuação no final de cada partida. O combate é iniciado assim que a partida tem início, com um número de frenéticos que vai crescendo e ressurgindo em meio a ambiente, de tempos em tempos, enquanto o jogador vai cumprindo pequenos objetivos e coletando mais itens, como munição e de criação de bombas e armadilhas, para consegui lidar com a crescente do número de inimigos. Quanto mais forem eliminados, maior será sua pontuação ao final.
E a beleza desse modo é que ele está balanceado para o nível do desafio que a horda tem a oferece. O jogador já começa com uma boa saúde, tem todos os itens de construção já habilitadas, as armas são melhores, e todo o campo de combate é pensado para oferecer itens chaves de munição e gerenciamento de curas, explosivos e armadilhas. É ação direto ao ponto. E funciona muito bem! Ainda que não existe uma evolução no conceito, como novos inimigos, chefes ou ambientes inéditos em relação a campanha principal.
Este novo modo pega o que há de melhor em Days Gone e coloca o jogador para experimentar diretamente isso. Foi muito bem pensado e faz sentido como um extra.
Feito as devidas ponderações e explicações, preciso mencionar que mesmo que o novo modo seja muito bom, é uma pena que a estrutura da horda de frenéticos não foi refinada e aprimorada em relação a campanha original. Não houve aumento no número de inimigos, nem novos locais de horda ou cenários em que ela pudesse ocorrer de maneiras criativas. Uma chance perdida de melhorar um dos pontos mais fortes da obra.
Considerações finais
Days Gone Remastered é uma edição que parece não entender o conceito de segunda chance. Sim, a versão remasterizada tem pequenas melhorias. Está repleta de novas opções de acessibilidade, colecionáveis que faz um bipe no controle, diferentes tons de cores para jogadores com deficiência visual, outras opções para problemas auditivos, assim como para quem tem dificuldades com os controles. E até aqui, não é nada que os atuais relançamentos da Sony não andam inserindo em suas obras.
Claro, os gráficos tiveram uma melhoria técnica. As texturas estão mais detalhadas, o ambiente está visualmente mais rico, assim como efeitos gráficos de sombras, luzes, reflexos e líquidos estão muito melhores. As expressões dos personagens nas cutscenes claramente tiveram uma atenção maior aos detalhes, ainda que nos casos destes personagens, durante a exploração do mundo aberto, deixe bem claro que soam meio “perdidos“. Fique olhando o Boozer na cama, depois de ser ferido, para lembrar que estes NPCs ainda agem de forma pouco realista.
Até mesmo a tela de carregamento está mais rápida, porém ainda se faz presente em diversas situações, o que é curioso, já que em diversos jogos, esse carregamento é quase imperceptível. Aqui, os desenvolvedores não conseguiram eliminar por completo. Da mesma forma como acho arcaico e ultrapassado o sistema de salvamento do jogo, que só o faz com o jogador ao lado da moto ou de uma cama, e se acionado, além de alguns pontos chaves de missões de história.
Sinceramente, chega a ser um saco invadir um acampamento de ladrões, matar 14 deles e morrer para o último, para só aí descobrir que o save irá retornar bem antes dessa tentativa de invasão, com os inimigos na mesma posição e a eliminação podendo ocorrer exatamente igual. Sem surpresa. Não entendo qual a intenção do jogo com tais atitudes. Repetir apenas por repetir? Qual a diversão nisso?
Isso me leva a pensar que talvez Days Gone não merecia somente uma versão remasterizada. Talvez o jogo se saísse muito melhor se tivesse passado por um remake, que tem justamente como proposta refazer tudo novamente, seguindo o roteiro já estabelecido, mas refinando e aprimorando sua experiência para com a nova plataforma oferecida. Como a Naughty Dog fez com The Last of Us no PS5, que tem melhorias claras de jogabilidade, ritmo e dinâmica, além de toda a parte visual e narrativa revisada (e refeita) para ser ainda melhor que a versão original.
E é justamente isso que Days Gone precisaria, que os desenvolvedores tivesse a oportunidade de olhar estruturalmente o jogo, sabendo de todas as críticas feitas no lançamento original, e pudessem balancear essa experiência com a original. Trazendo algo mais adaptado, melhor idealizado. A campanha merecia novas missões, novos inimigos, uma história mais contextualizada, talvez num melhor formado em que os fatos sejam apresentados, talvez com uma solução para o gancho da campanha original, tendo em vista que talvez nunca haja uma sequência.
A jogabilidade poderia ser melhorada, estar mais balanceada, com ritmo e novas habilidades e armas. Tudo isso, poderia ter acontecido se estivéssemos diante de um remake. Só que recebemos um remaster, aí fica mais difícil. E até vou dar uma colher de chá ao estúdio, porque muitas vezes a decisão entre o que fazer (ou não fazer) com a IP, pode nem ter vindo deles, mas da própria Sony. Se só havia verba para um simples remaster, então é realmente isso que fizeram. Contudo, aqui só dá para conjecturar mesmo, ficar no mundo das hipóteses.
E veja bem, ainda que tenha feito tantas críticas, não consigo dizer que Days Gone Remastered seja uma completa perda de tempo. Sinceramente não acho que seja. Ainda é um exclusivo da plataforma, ainda é um título que tem momentos legais, ainda que precise de muita paciência com sua curva inicial. O que temos aqui é um daqueles jogos que demoram mais do que deveriam para engatar e ficar bom. Parte é culpa de falhas no seu desenvolvimento, mas tem também o fato de que jogos de mundo aberto as vezes possuem essa cadência lenta de ritmo, além do próprio ciclo de missões repetitivas. Quem gosta do gênero sabe disso, e as vezes até espera que seja assim mesmo.
Não acho que o tempo tenha sido favorável ao jogo, e se foi, a versão remasterizada auxilia a sentir menos isso. Se você tem a curiosidade de conhecer essa obra, certamente a melhor versão será a remasterizada. Melhores gráficos, carregamento mais rápido, sem queda na taxa de quadros e repleto de recursos de acessibilidade. É a melhor versão de um jogo que é apenas… mediano. Sendo bem sincero.
Fato é, que mesmo com tantos pontos fracos, há algo que desperta a curiosidade de qualquer jogador com este título. Se a Sony desse sinal verde para o estúdio produzir um Days Gone 2, certamente eu ficaria animadíssimo, pensando em tudo que poderia ser aprimorado e melhorado em relação ao jogo original. Todo o potencial perdido aqui, poderia se concretizar em uma sequência. Isso por si só, já é intrigante o suficiente para querer conhecer esse mundo de frenéticos e motoqueiros caindo na estrada após o fim do mundo. Não acha?
Galeria
Dando nota
Remasterização só faz o básico, com melhorias gráficas e que não adiciona nenhum componente novo a campanha original - 7
Apresentação é lenta demais, o jogo demora séculos para engatar e aí ficar interessante - 6
Narrativa até hoje soa fraca, sem explorar detalhes do apocalipse em si e com personagens que não são interessantes - 6.2
Jogabilidade pesada e realista demora a lhe convencer considerando a fórmula de mundo aberto - 7.2
Para o gênero de mundo aberto, as missões são repetitivas demais, demoram a lhe impressionar - 6
Novo Modo de Ataque a Horda é a mais bela edição do remaster e coloca a ação frente ao que deveria ser o jogo - 8.5
Quem jogou no PS4 tem uma taxa honesta de atualização e pode transortar o save a nova edição - 8
7
Estranho
Days Gone Remastered relembra como a obra original é estranha, com potencial para ir muito além de sua proposta, mas que derrapa em diversas curvas em sua execução. A nova edição é bem vinda, ainda que só dê ao jogo melhores gráficos, jogabilidade com o DualSense, telas de loading ágeis e uma aventura isenta de bugs ou falhas. O novo modo de ataque a horda é uma cereja, interessante e divertido, mas é só um componente de um bolo que tem elementos que não se combinam as vezes. Para um jogo de mundo aberto é uma obra compreensível, mas para um exclusivo de PlayStation, é visível que expectativas sempre serão maiores do que o que o jogo conseguirá entregar.