Análise | Return of the Obra Dinn

Disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC

Return of the Obra Dinn é um destes jogos independentes que ouvi muitos elogios ano passado, quando chegou ao PC. Exatamente um ano após seu lançamento original, agora no dia 18 de outubro, essa obra prima debutou nos demais consoles da geração. O título foi desenvolvido por Lucas Pope, que também foi o desenvolvedor de Papers, Please (2013), outro título independente de muito sucesso, que infelizmente não consta com uma versão para os atuais consoles – e bem, que poderia ter.

Indo direto ao ponto, Return of the Obra Dinn é um jogo de investigação, que funciona dentro do gênero puzzle, na qual o desafio está em observar e deduzir pistas deixadas pelo jogo em uma trilha de migalhas que leva a contar uma história envolvendo um misterioso navio desaparecido. Seu objetivo é indicar os nomes de todos os 60 mortos no navio, assim como a causa de suas mortes e quem matou quem.

Pode apostar que é um jogo muito diferente do que normalmente se encontra em jogos de puzzles. Totalmente criativo, bem planejado em seu roteiro e audaciosamente inteligente na forma de como entrega ao jogador as pistas. Não é só um mero jogo de adivinhe o assassino. É um título que vai lhe surpreender em diferentes momentos.

IMPORTANTE: não darei spoilers dos enigmas do jogo aqui. Pode seguir a leitura sem se preocupar.

Embarcação desaparecida

O pontapé inicial da aventura começa em 1807. O jogador é um analista de seguro, encarregado de ir até o navio Obra Dinn, reencontrado no mar após ter desaparecido em 1802. Para isso você conta com diversos documentos, como o manifesto de todos as 60 pessoas que estavam no navio (e que desapareceram com o mesmo), um mapa do percurso original do navio e uma importante ilustração que retrata todos os passageiros do mesmo.

Justamente a estes documentos, em uma mala que você abre apenas estando dentro do navio, há um livro e um estranho relógio. O livro é o suposto diário de bordo de Obra Dinn, inteiramente em branco, separada por alguns capítulos. O dono pede que você o devolva após cumprir com sua investigação, prometendo revelar posteriormente um capítulo secreto dessa história. Agora, o relógio, este sim é o objeto mais interessante que você tem para adentrar na mecânica proposta pelo título.

Trata-se de um relógio mágico, ou místico, ou algo assim. Não imposta muito tal definição, basta entender que é um relógio da morte, que perto de um corpo pode levar quem o possui para o exato momento em que tal pessoa veio a falecer. E assim começa sua investigação, procurando por corpos e vendo o exato momento final de suas mortes. Com isso o jogador começa a sua jornada pela a misteriosa jornada do navio, pelos infortúnios que você provavelmente não estará esperando.

Histórias de morte

A jogabilidade de Return of the Obra Dinn é bem simples e não muito diversificada. A grande genialidade da obra está em se deixar levar pelas deduções e em como a trama é apresentada ao jogador. A mecânica envolvendo o relógio é essencial para tudo isso funcionar perfeitamente.

Ao encontrar um corpo o jogador é levado para uma espécie de flashback interativo. Você tem acesso aos segundos finais da morte desse corpo, podendo ouvir um diálogo final ou barulhos que vão culminar na morte deste personagem. Só o áudio, até que uma imagem congelada abre na tela, definindo o término da cena. Você tem então a visão exata do momento da morte desse personagem, mostrando tudo próximo ao evento.

Mencionei ser interativo porque você pode andar por essa cena congelada no tempo. Procurando pistas do que está acontecendo no escopo geral do navio nesse momento em que tal membro foi morto. É possível verificar o que outros membros da tripulação estavam fazendo próximos ao momento. Inclusive encontrar outros mortos, que lhe dará outros flashbacks que mostraram seus próprios momentos de morte e que estava acontecendo ao navio em seus momentos.

Aqui entra um ponto da mecânica do jogo que torna prático e acessível a investigação: o acesso ao manifesto e a indicação de quem era o morto na ilustração que apresenta todos os passageiros do navio. Durante o flashback é possível olhar cada pessoa ali e sua localização na imagem. Sua localização na imagem é uma pista de quem ela realmente é no navio. Sua hierarquia, talvez sua origem, dentre outras pistas. O manifesto também é útil no sentido de mostrar o nome com sobrenome da pessoa, seu cargo no navio e o país de origem. Diálogos encontrados nos flashbacks vão entregar as vezes nomes e cargos, enquanto algumas coisas terão que ser observadas no cenário ao longo do navio, como a numeração das redes em relação ao manifesto ou as cabines de cada um dos altos membro da tripulação no mapa que você também possui do navio.

Então ao fim de um flashback, o diário de bordo automaticamente se abre, relatando o que aconteceu, dando uma descrição do diálogo, a imagem da morte, a cara de todos que estavam presentes no ocorrido e lhe pede para identificar o nome de quem morreu, como morreu e, se for o caso, quem o matou. Você nem sempre terá todas as pistas para preencher isso logo de cara, sendo preciso volta depois a página para acertar tais detalhes. Normalmente o que se consegue descrever é a causa da morte, ainda que nem sempre o momento final mostre o que aconteceu para a pessoa vir a falecer, com isso sendo mostrado em um flashback de alguém que morreu próximo ao tempo em que o outro morreu.

Importante apontar que a ordem de corpos encontrados não estão organizados cronologicamente ao que aconteceu no navio. Basicamente o jogador vai aprender a história de trás para frente. O que torna a experiência muito mais interessante na parte dedutível. Você só vai entender certas mortes depois que conseguir encontrar alguém que morreu momentos antes desse outro que não fez muito sentido, dando aquela sensação recompensadora de um detetive que juntou duas partes para um todo faça sentido.

Basicamente esta é a jogabilidade de Return of the Obra Dinn.O navio vai se abrindo conforme os corpos serão encontrados dentro das memórias. Por exemplo, o porão só é aberto quando um flashback demonstra algo que aconteceu dentro dele. Aí no presente você passa a ter acesso a ele, podendo ir até lá e verificar novos corpos e pistas. E é um baita navio, com diversos andares, cabines e detalhes escondidos.

O navio em si não traz itens para interagir, como cartas ou objetos que possam ser coletados. Alguns objetos podem despertar flashbacks, mas são bem raros. No geral o que se tem na ambientação são itens observáveis, objetos pessoas de alguns personagens que podem indicar quem era ou onde dormiam, que dão pistas com o manifesto e o mapa do navio indicando quem eram. No geral o jogador vai seguir mesmo a trilha de corpos, observando a história de cada um destes e vendo o que consegue tirar de informações sobre as pessoas envolvidas, enquanto aprende sobre a história geral do navio e de sua trágica jornada.

Beleza mortal

Tenho que dizer que as capturas de tela que ilustram essa análise não fazem jus ao efeito real que se tem ao ver Return of the Obra Dinn rodando na sua plataforma de preferência – para este review o joguei no Nintendo Switch. É bem mais animal do que parece. E sim, o jogo tem propositalmente esse filtro gráfico de como se fosse um jogo para os antigos Macintosh.

Até possível escolher outras palhetas que muda a tonalidade das cores do jogo, como o verde do primeiro Game Boy, uma paleta mais azulada e até mesmo uma mais simples, com apenas preto e branco. Mas sei lá, devo dizer que a paleta meio amarelada de Mac me conquistou de uma forma que sequer quis experimentar outras tonalidades. Casa totalmente com a atmosfera antiga do título.

Além disso a performance gráfica de Return of the Obra Dinn não se resume apenas ao lance das cores, mas em como os gráficos trabalham de forma magnífica o lance do sombreado e dos efeitos de suas linhas para criar uma genuína atmosfera de um navio fantasma.

Esse trabalho de arte fica ainda mais expressivo quando o jogador passa a navegar pelos flashbacks das mortes do tripulantes. A forma como estão congelados no tempo, os efeitos de disparo das antigas armas de pólvora, do sangue jorrado e parado no ar, da chuva e dos relâmpagos e até mesmo de certas criaturas que… bem, é melhor não dizer muito sobre isso. Tudo ali, parado no tempo, tem uma arte incrível, que molda o mistério e até mesmo compra a ideia de que algo realmente assustador foi vivenciado pela tripulação. O que justifica muito dos atos que você descobrirá ao longo da aventura.

Chegue ainda mais perto e é possível ver os traços dos rostos da tripulação, seus expressões e emoções congeladas no tempo. O fato de não ter que animá-los se movimentando certamente conta em favor de levar a ter um cuidado muito grande e deixá-los se expressá-los da forma mais real possível em uma única cena estática. É muito impressionante.

Combinando com seus gráficos e sua direção de arte estão outros elementos tão importantes quanto, como a trilha de dublagem dos diálogos dos personagens, pois como elas ocorrem antes de ter uma imagem, a interpretação aqui faz total diferença. Você está ouvindo, mas é como se estivesse vendo. Além disso a trilha musical, somado a efeitos de som,  causam um impacto muito positivo. Também contribuem para imersão. O som de quando o relógio é acionado na primeira vez de uma morte, ou o bum sonoro que ocorre logo após a cena da morte se abrir pela primeira vez após o diálogo em áudio. São estes pequenos detalhes que entregam ao jogador uma experiência digna de elogios.

Por mais simples que sejam os gráficos de Return of the Obra Dinn, a direção de arte e som do jogo se aproveitam no máximo desse conceito, entregando uma experiência de impacto, que choca visualmente e é excelente para o clima de mistério que o jogo quer entregar. Se a parte de solução e preenchimento de informações do livro não estiver agradando o jogador, certamente o simples passar pela história já torna a aventura por si só super instigante. Sempre lhe empurrando para frente, para descobrir mais e mais do que realmente aconteceu no navio. E se talvez você não ficar compelido a resolver o destino de todos, afim de abrir o capítulo secreto, dá para chegar ao fim do jogo e descobrir o suficiente para ficar admirado com o que aconteceu com Obra Dinn e sua tripulação.

Considerações finais

Return of the Obra Dinn é um jogo de surpresas. É, possivelmente, um destes jogos que alguém pega para ver qual é e não tem muitos expectativas a seu respeito. É um jogo que tapeia o jogador, não prometendo-o muito com trailers ou textos de recomendação. É preciso de fato jogar para entender o quanto ele é incrível, diante de uma experiência genuinamente criativa e original. Um destes jogos que certamente vão ficar na sua memória.

É também um ótimo jogo para uma noite com os amigos. Todos sentados juntos na sala, tentando observar e solucionar o mistério e desafio proposto. Não é preciso de multiplayer aqui, pois é um título que é divertido de participar assistindo, enquanto outra pessoa assume o controle do protagonista. Minha esposa assistiu quase toda as minhas horas de jogo e estava tão imersa na proposta do jogo quanto eu estava.

Ao longo de quatro horas de gameplay, das 60 mortes, eu só havia solucionado com a absoluta certa 9 mortes, e em mais uma hora e poucos minutos estaria concluindo todas os flashbacks. Terminar de ver todas as mortes não significa que o jogo acabou. É aí que funciona o segundo ato das mecânicas. É hora de voltar e começar a juntar as peças que ficaram pra trás. Destas 5 horas passando pela narrativa, acrescente talvez mais duas ou três horas relacionando as mortes.

O jogo é bem sagaz nesse sentido. Ele não lhe diz se o nome, causa da morte e nome do assassino estão corretos a menos que você acerte o destino de três pessoas. A probabilidade de se acertar chutando é muito baixa, tendo em vista que há três variáveis para cada personagens e você precisa acertar exatamente as três de três personagens, em uma lista de 60 tripulantes, todos com as tais três variações. Por isso o elemento da dedução e observação é tão satisfatório quando se consegue chegar a uma resposta correta. Você ainda pode chutar, mas a margem para isso é muito pequena. Apenas quando se você eliminou diversas opções e ficou em dúvida em algumas. Claro que o jogador que se sentir empacado, sempre vai ter o YouTube para trapacear – mas tente o máximo não fazer isso.

Basicamente Return of the Obra Dinn possui três finais. Um se você for muito mal nas deduções, descobrindo o destino de menos de 26 passageiros, um mais ou menos caso você consigo mais do que essa margem, porém não consiga o destino de 100% dos passageiros, e o verdadeiro final, quando descobre tudo e recebe o capítulo extra com algumas respostas a perguntas que ficaram em aberto.

Dá para fazer um final ruim, caso você realmente queira ver como o jogo termina. Depois disso o jogo permite no seu save retornar ao ponto no navio antes da trama se encerrar, com todas as mortes habilidades e antes de decidir ir embora do mesmo. Aí você pode ficar por ali até solucionar tudo.

Se tenho alguma crítica o jogo? Talvez uma, e mesmo assim não é algo grave que me impediria de jogar. Mas o fato é que após descobrir todos os corpos do navio e ver todas as mortes, o maior trabalho aqui é investigativo. Revisitar momentos de personagens. Fazer a linha do tempo de cada um. Isso envolve voltar a certas pontos do passado e observar melhor o que aconteceu ali. E para isso eu tenho que ir até o corpo da pessoa, o que é meio chato após ter encontrado tudo mundo. Ter que olhar no mapa, ir até o mesmo, procurar onde é que fica, especialmente se você não está atrás da pessoa que morreu, mas dos personagens que aparecem em tal memória.

O jogo poderia me deixar viajar para estes flashbacks direto pelo livro, uma vez já tendo encontrado todo mundo. Essa é a minha única crítica: a ausência de uma mecânica mais prática que talvez tornasse mais fácil a exploração no momento em que é preciso retornar ao que já foi encontrado. Tudo bem que o jogo facilita algumas coisas, como de dentro de um flashback ir para outros flashback, caso outro morte já esteja ali. É pratico, mas não tanto quando se pudesse ir direto pelo livro.

No mais, Return of the Obra Dinn é fantástico. O fato dele estar totalmente em português, com uma localização creditada nos créditos finais do jogo ao pessoal do site Jogabilidade, ajuda muito em termos de acessibilidade ao publico daqui. Faz toda a diferença e torna o trabalho de investigação mais tranquilo pra gente. Sem dúvida é um título que prova que jogos podem ter boas ideias, sem a necessidade de se apegaram a fórmulas já batidas ou naquele gênero que faz sucesso apenas por ser muito popular. É uma produção independente que realmente mostra que não é preciso quantias absurdas de dinheiro para criar grandes jogos com ótimas ideias. Venha, tente descobrir o que aconteceu realmente com as pessoas do navio Obra Dinn. Garanto que será uma jornada com desafios e satisfação para aqueles que realmente entrarem na brincadeira de serem detetives.

Galeria

Dando uma nota

Apresenta uma proposta original, criativa e única - 10
Investigação inteligente por meio da observação e dedução de pistas - 10
Visualmente pode ser estranho para alguns, mas combina com sua proposta - 9
Estar localizado em português é importante para um jogo de investigação, dá acessibilidade - 10
Mecânicas simples, porém que funcionam muito bem - 9.5
Explorar as memórias do passado é fantástico - 10
Voltar e procurar memórias específicas não é tão prático como poderia ser - 8.5

9.6

Incrível

Return of the Obra Dinn é uma obra prima, não há como discutir. Um jogo de investigação e dedução realmente inteligente, com uma arte visual incomum, mas estonteante, que lhe coloca dentro da atmosfera de mistério de um navio fantasma. É um jogo que lhe instiga a continuar, que envolvem aqueles que estiverem lhe vendo jogar e com ótimos controles que casam com suas mecânicas de jogabilidades. É totalmente original e único. Um jogo que impressiona e surpreende.

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