Análise | Life is Strange: True Colors

Disponível para PlayStation 4 e 5, Xbox One e Series, Nintendo Switch & PC

Life is Strange: True Colors entrega uma linda narrativa que talvez demore um pouco a engatar, mas que quando o faz é impossível ficar sem saber seu desfecho. O título é o quarto da franquia Life is Strange, tendo sido desenvolvido pela Deck Nine, estúdio também responsável por Life is Strange: Before the Stormenquanto a Dontnod Entertainment criou o primeiro Life is Strange e sua sequência numerada, Life is Strange 2. Nesse caldo, temos a Square Enix, sabiamente responsável pela distribuição global da série.

Esta é a primeira investida da franquia em um título que não teve seu lançamento fragmentado em episódios, com True Colors tendo sido lançado em 10 de setembro de 2021 em sua plenitude, ainda que o formato de contar a história tenha o formado narrativo de capítulos, e neste caso são cinco no total. Ou seja, quem tiver a curiosidade de experimentar o jogo pode ficar tranquilo que a trama está completinha.

Dá para dizer que o jogo voltou a chamar atenção recentemente porque foi adicionado ao catálogo do serviço Xbox Game Pass (Console & PC) no último mês de abril, ficando assim disponível a todos os assinantes do serviço sem qualquer custo adicional. Contudo, o conteúdo adicional da versão Deluxe, que contém um episódio extra à parte da trama principal, não está disponível aos assinantes do serviço (que pena) – e, portanto, não será avaliado neste texto.

Vale também apontar que Life is Strange: True Colors recebeu uma bela localização em nosso português, porém uma localização apenas em legendas e textos de itens e dos menus em gerais. O áudio do jogo segue em seu idioma original (inglês). E este é um título que precisa de muita leitura, afim de acompanhar sua trama, e assim decidir as ações da protagonista.

Sentimentos coloridos

True Colors segue a premissa dos jogos anteriores da franquia Life is Strange, com o jogador acompanhando uma narrativa a qual se pode tomar certas ações por meio de escolhas de respostas que impactam o fluxo da história, dando peso as suas decisões. Nesse miolo, as mecânicas permitem certa exploração de ambientes, coleta de colecionáveis, descoberta de pequenas histórias paralelas e há sempre um elemento paranormal, a qual neste caso a protagonista consegue “ouvir“, mediante certas condições, os sentimentos das pessoas.

Aqui acompanhamos a história de Alex Chen, após viver 8 anos sobre os cuidados de lares adotivos e orfanatos, a mesma atinge a maioridade e consegue sua liberdade para se reunir com seu irmão mais velho, Gabe, que vive na pequena cidade de Haven Springs, no Colorado (EUA). Lá ela terá a chance de recomeçar uma nova vida, próximo a seu irmão.

Os motivos que levaram os irmãos a se separarem, assim como o mistério em torno de seus pais, e da criação em lares adotivos, só será revelado próximo ao final do jogo, em seu último capítulo. Então vou me abster de explicar muito sobre a origem destes personagens, tendo em vista que fazer isso poderia ser considerado um grande spoiler do ato final da trama.

Basta saber que Alex tem o super poder característico da franquia e por isso cabe a ela o papel de peixe fora d’água, de não conseguir se encaixar na sociedade ou se aproximar de outras pessoas. Seu poder empático, a qual lhe permite enxergar os sentimentos das pessoas, por meio de uma aura colorida, vai muito além de apenas poder entender o que aquela pessoas está sentido.

Muitas vezes o sentimento da pessoa pode afetar Alex, fazendo-a sentir a mesma coisa que a outra pessoa, em uma intensidade incontrolável. Por exemplo, ela pode ser tomada por um medo extremo quando há uma criança com medo próximo a ela, ainda que o medo dessa criança possa ser fantasioso. Ou ela pode partir para violência física se houver alguém sentido uma energia de raiva muito forte perto dela, afim de brigar com alguém.

É uma habilidade, a qual ela também pode chamar de maldição em certos momentos, a qual já trouxe muitos problemas para ela no passado, enquanto passava por lares adotivos nestes 8 anos em que ela esteve dentro do sistema de assistência social de orfanatos. Então inicialmente a trama se iniciará com uma Alex receosa, se sentido como uma aberração, preocupada com seu poder e de como controlá-lo diante dessa nova vida com seu irmão.

Decisões e consequências

Assim como ocorre com demais jogos da série Life is Strange, aqui o jogador terá que tomar algumas decisões importantes que irão ditar consequências a frente da história de Alex. Existe consequências menores e maiores, algumas que serão sentidas logo de cara e outras que apenas farão sentido no último capítulo da história. Trata-se de uma série de jogos que brinca com esse elemento do Efeito Borboleta (teoria do caos).

Mas cá entre nós, talvez esteja ficando muito bom em prever os efeitos programados nas linhas do código do jogo ou talvez esse seja um Life is Strange mais fraco em termos de pesar certas escolhas erradas e de ter que me fazer lidar com más decisões. Ao contrário dos demais jogos, a qual vivia me arrependendo de algumas das minhas escolhas, em nenhum momento de True Colors bateu essa sensação de “ops, escolhi errado“.

Posso contextualizar isso melhor. Em certo ponto da trama uma morte precisa acontecer. E quando aconteceu cheguei a pensar que foi uma decisão minha que levou a tal evento. Contudo, curioso a respeito disso, logo descobri que essa morte precisaria acontecer para que a trama entrasse em seu objetivo principal em torno da história da Alex. Isso me decepcionou um pouco, pois em um jogo de consequências, com certeza o jogador deveria poder lidar com algo tão grande assim. E se a morte fosse evitada, o ponto de reflexão em cima de Alex deveria acontecer da mesma forma, mas utilizando de outras ferramentas.

Por exemplo, além da presença de Gabe, outros dois personagens tão importantes quanto para Alex são Ryan e Steph, moradores da pequena cidade, a qual todos se conhecem e ajudam. Ryan é o filho boa pinta do acolhedor dono de um bar da cidade e melhor amigo de Gabe, enquanto Steph é responsável pela loja de discos (de vinil) e DJ da rádio da cidade. Logo fica claro que Alex pode vir a ter uma paixonite por ambos os personagens, sendo que caberá ao jogador escolher de fato com quem ela irá flertar e eventualmente tentar namorar. Em nenhum momento tive dificuldade de escolher quem Alex deveria escolher para ser seu par amoroso (nesse caso decidi pela Steph). E não tive qualquer dificuldade para escolher a linha narrativa que me permitiu ser bem sucedido nisso.

Até mesmo a decisão final do jogo é bem segura e tranquila de ser tomada. Bem diferente do primeiro Life is Strange, a qual o jogador se vê obrigado a escolher entre um intenso amor ou a vida das pessoas a qual conhece. True Color nunca eleva a escala de suas consequências, deixando tudo em um patamar meio pasteurizado, a qual no máximo as pessoas penas não vão acreditar ou gostar de você.

Por outro lado, o jogo trabalho muito a questão da raiva e do perdão. De ser capaz de admitir que algumas pessoas são falhas e que as decisões delas sim tiveram ou terão consequências horríveis na história. Você pode perdoa-las por isso? Esse é um dos pontos de True Colors, de verificar se você é honesto com estes sentimentos ou vai apenas enganar a linha de programação e seguir a previsibilidade da “coisa certa a se fazer“. Nesse ponto, o título é ousado, pois sendo mais pé no chão, lhe traz a uma realidade a qual apesar de saber o caminho correto, precisa ser sincero contigo mesmo e admitir que talvez as decisões de Alex não seriam a sua decisão de isso de fato fosse real. Eu certamente tomei decisões ali que não sei se teria coragem de tomar na vida real.

Há também um aspecto sobre a crítica do corporativismo em cima de pequenas cidades perdidas no interior dos Estados Unidos. De empresas que são realmente grandes e provêm boa parte do sustendo da cidade. Se essa corporação é corrupta e má, vale a pena quebrá-las e com isso levar uma cidade inteira e a vida de todas aquelas pessoas pra vala? Não é difícil responder a isso estando você com um olhar de fora dessa situação, porém ainda assim é uma decisão séria que precisa ser tomada. Mesmo com essa boa sacada, fiquei com a impressão que a crítica ao tema é muito… leve. Não fica realmente tão sério como gostaria que ficasse.

Também preciso comentar que os dois capítulos iniciais são realmente lentos para engajar. O título tem uma gordurinha inicial, que faz a trama demorar a engatar a segunda marcha para o que você realmente deseja ver na trama, com Alex, seus poderes e as consequências de seu ato de investigação após a morte desse personagem. O terceiro capítulo é todo diferente e divertido, trazendo uma leveza diferente, antes da narrativa ficar mais séria. E o título brilha mesmo quando o quarto e quinto capítulo tornam as coisas mais intensas.

A impressão é de que os desenvolvedores ainda estão tentando aprender como a fórmula da franquia pode funcionar sem essa intersecção de capítulos, apresentando uma trama mais cinemática, com atos separadas por começo, meio e fim. Como manter as características da fórmula episódica, mas na intensidade de que o jogador não vai mais esperar pelo lançamento dos mesmos individualmente. Nesse sentido, acho que ainda falta calibrar melhor algumas coisas.

Uma pequena cidade

Uma característica que dá um escopo de jogo com um orçamento (talvez) mais limitado diz respeito aos ambientes e cenários de True Colors em que o jogador poderá explorar mais livremente. Muitos serão reciclados ao longo dos cinco capítulos da campanha.

O jogador deve explorar alguns ambientes por conta própria. Andando e interagindo com objetos e pessoas. Tem um quê do estilo dos antigos jogos point & click, o que não é algo negativo, mas certamente limita um público que vai curtir esse gênero. Os ambientes podem ter diversos detalhes em alguns momentos, mas também podem ser mais esvaziados, colocando o jogador mais para executar alguma ação específica do que lhe dar liberdade para coisas imprevisíveis.

O quarto de Alex, por exemplo, a qual irá se repetir várias vezes entre os capítulos. Chega uma hora que me cansei de explorá-lo. Fora que esperava alguma consequência entre cuidar ou não do jardim no terraço e infelizmente nada aconteceu (então por que me dar essa decisão?).

O bar de Jed é outra locação de interior que o jogador irá visitar muito ao longo da história. E a sensação é a mesma: passo muito tempo ali, mas depois de certo momento, o jogo não está me contando mais nada de interessante a respeito desse ambiente.

E entendo que a trama não me pede para ir além do conceito de uma cidade pequena. Porém há locais que o jogador nunca tem acesso além da avenida principal da cidade. Lojas que nunca vão ser possíveis entrar. No penúltimo capítulo, por exemplo, Alex interage com um personagem que está abrindo um café na cidade, só que o jogador nunca chegar a conhecer como o café ficou ou sequer a entrar nele. A sensação de que há muitas barreiras invisíveis e limitações chegou a me incomodar em certos momentos.

Quanto aos colecionáveis, estes são representados por pequenos objetos que ativam memórias de pessoas a qual os mesmos tiveram contado. Podem destravar linhas de histórias que dão contexto maior a certos pontos da trama, ou não, serem algo menor, porém razoavelmente escondidos. Fazem o papel de obrigar o jogador a explorar cada um dos ambientes em que se pode andar livremente.

No geral, esse segmento mais aberto não reinventa em nada a fórmula da série, que segue os mesmos padrões estabelecidos, e que por ser um jogo de um segmento só, muitas vezes dá uma sensação de repetir demais alguns ambientes. Muitas vezes me agradava mais acompanhar a trama, e fazer as decisões, do que ficar andando por aí falando com meio mundo e vendo pouco disso sendo agregado na trama em si.

A exceção fica por conta da brincadeira que ocorre no terceiro capítulo, a qual a cidade realiza um LARP (live action role-playing), que é basicamente uma aventura ensaiada no mundo real, a qual as pessoas fazem personagens inventadas por elas mesmas, com direito a cosplay e batalhas simuladas. Um jogo de interpretação de papéis, por assim dizer.

Esse capítulo, todo dedicado ao LARP é realmente maneiro, e aí faz sentido o conceito de explorar o mundo do jogo, e descobrir como os cenários foram modificados para o evento, ver os personagens representando diferentes personagens e seguir a brincadeira de interpretação. De fato foi um ponto fora da curva e uma das boas surpresas que o jogo entrega.

Considerações finais

Life is Strange: True Colors pode ser ponderado como um jogo com um grande coração. Alex Chen é uma protagonista que esbanja empatia e carisma, impossível não sentir tocado por sua tragédia pessoal e ficar dividido com a decisão que ela precisa lidar ao final do jogo. É um jogo sobre reencontrar a si mesmo.

Visualmente no Xbox Series S o jogo manteve uma performance impecável, entregando os mais belos cenários que a franquia já fez, além das expressões faciais da Alex beirarem uma perfeição assustadora. Os demais personagens até possuem algo assim, mas parece que o refinamento maior ficou para o rosto de Alex, o que faz sentido já que ela é o que tem o maior tempo de cena de toda a narrativa. É um nível de detalhe muito impressionante, especialmente no olhar, nos bolsões da bochecha e na forma como a boca segue a expressão do sentimento desejado. É muito bem feito mesmo.

E não dá para falar de Life is Strange sem mencionar sua trilha sonora, sempre escolhida a dedo com melodias que brincam com o ambiente e atmosfera acústica, abordando os temas e conflitos debatidos pela trama em si. True Colors mantém essa tradição e entrega uma ótima trilha sonora, e que pode ser ouvida inclusive fora do jogo, em uma playlist oficial no Spotify.

Talvez Life is Strange: True Colors não seja o jogo mais intenso da franquia, mas tem o toque emocional certo para ser considerado um ótimo game. A condução narrativa parece seguir uma escolha muito segura, muitas vezes óbvias, sem que o jogador tenha que sofrer com pesadas escolhas, e isso cria pontos fracos desnecessários a uma trama potencialmente interessante. A exploração também não entrega nada de novo, ainda que no momento em que o jogo brinca de LARP, parece entregar algo além das expectativas. Os poderes de Alex entregar um conceito muito suave ao gameplay, e não chegar a ser um elemento tão marcante assim.

O título também conta com alguns mini games divertidos, incluindo dois clássicos de arcade (emulados) da Square Enix, Arkanoid e Mine Haunt, para fãs de nostalgia e poucos bits, além de outras brincadeiras dentro do jogo mesmo, como uma partida de Totó e algumas batalhas no estilo RPG. São atividades extras que tornam a dinâmica da proposta mais leve e dinâmica.

No fim, o título entrega uma história legal, com uma protagonista cheio de carisma, num roteiro parcialmente previsível, mas ainda assim tão bem feito, que passado certo ponto, não dá para querer largar enquanto não concluir sua trama. True Colors não perde a sutileza e o emocional que a franquia Life is Strange tem para discutir a relação das pessoas, de como nossas decisões e escolhas podem (ou não) machucar àqueles ao nosso redor. Seja bom, seja mal, perdoe ou não perdoe, contando que esteja certo de aceitar as consequências de seus atos.

Galeria

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Dando nota

Narrativa demora a engatar, mas logo fica impossível não querer saber como tudo vai acabar - 8
Visualmente trabalho muito bem a paisagem, mas são as expressões da protagonista que impressionam - 9
Fórmula consagrada não inova e nem apresenta nada relativamente novo - 7.5
Decisões fáceis de serem tomadas e consequências esperadas não pegam o jogador de surpresa em suas decisões - 7
Explorar o mundo atrás de colecionáveis e novos diálogos não geram recompensas esperadas - 7.5
Trilha sonora envolvente segue impecável ao que os jogos da franquia oferecem - 9
Mesmo não se apegando no formato episódio, ainda segue esse modelo ao contar sua trama - 7.8

8

Ótimo

Life is Strange: True Colors é uma empreitada nova em uma franquia que tem de tudo para continuar sendo divertida e importante enquanto discutes temas sociais relevantes, sabendo ser humanamente emocional. Na parte da narrativa a trama demora a engatar, mas depois é impossível largar, sendo uma história muito mais individual, sem escalonar nos ares apocalípticos do primeiro jogo da série. Na jogabilidade, nenhuma novidade além da fórmula conhecida. Cenários lindos, porém são poucos, com destaque gráfico para as expressões dos personagens, que impressionam bastante. Nas decisões e consequências, não tive muita dúvida e achei meio óbvio as "escolhas corretas", e no final, tive as consequências que busquei ter, nesse ponto, faltou o inesperado, mas nada que diminua o impacto do que o jogo quer discutir, ainda que gere reflexões que não parecem se aprofundar demais ao final de tudo. Ainda é uma experiência ímpar que os fãs deste universo vão amar, e que novatos podem adentrar, sem a obrigação de ter conhecido os jogos anteriores.

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