Análise | Rogue Legacy 2
Disponível para Xbox One, Xbox Series X|S & PC
Rogue Legacy 2 tem um valor muito interessante de reapresentar, de uma maneira moderna, um jogo que, apesar de ainda sobreviver ao tempo, também pode ir além do que foi e se mostrar como é possível ficar ainda melhor. Um título que teve um longa janela de Acesso Antecipado, desde agosto de 2020, e que em 28 de abril deste ano, chegou a sua versão final (1.0) com seu lançamento completo no PC e consoles Xbox.
O jogo é uma produção do estúdio canadense Cellar Door Games, também responsável pelo primeiro Rogue Legacy, lançado lá no distante ano de 2013 – ao menos em “anos de videogames”, é um bom tempo. Um pouco mais recente, em 2018, o estúdio lançou Full Metal Furies, e que se você ainda não jogou, é um título que vale uma espiada.
De volta à Rogue Legacy 2, a sequência se mantém bem fiel a fórmula de seu antecessor, entregando um roguelite maravilhosamente acessível, desafiando os jogadores com incríveis chefões, áreas com conceitos únicos de progressão, habilidades desbloqueáveis, um extensa árvore de perks, com diversas classes de heróis que mudam completamente a jogabilidade em cada partida e uma fantástica sensação recompensadora. Tudo isso em uma belíssima arte desenhada à mão, semelhante a um desenho animado, além de uma ótima localização em português para todos os textos e conteúdos de história do mundo do jogo.
Seus descendentes serão seus sucessores
A premissa de Rogue Legacy 2 é bem interessante, veja só, o jogador assume o papel de Herói de um reino que está sendo corrompido pelas trevas, e guardiões, aqui chamado de Estatutários guardam as chaves para a porta que resolverá esse problema. Contudo, seu herói obviamente não conseguirá terminar essa jornada e morrerá ocasionalmente. Restará aos seus descendentes continuar a missão de seus antepassados, crescendo e expandido a mansão da família, assim como seu legado e suas habilidades permanentes.
Isso significa que um herói que cai em derrota está morto para todo sempre e o próximo pertencerá a linhagem da família, e como determina as leis da genética, ele poderá ter alguns traços semelhante a seus descendentes, mas sempre será um personagem único e diferente. É assim que o jogo apresenta as classes de heróis do jogo, quais armas utilizarão, assim como alguns traços (perks) que determinam habilidades únicas ou até mesmo como esse personagem poderá enxergar o mundo ao seu redor.
Essa talvez seja a característica mais impactante de Rogue Legacy 2, sua alta rotatividade de classes únicas, que misturadas as outros atributos tão únicos quanto, fazem (de fato) que cada partida do jogo seja genuinamente diferente em termos de mecânicas de jogabilidade. É uma fórmula que pode lhe fazer ficar horas e horas em uma mesma área, e ainda não se sentir exaurido pela essência roguelite do título.
Dentre as classes, e as armas que seus heróis podem usar, está um arsenal muito grande de possibilidades. Heróis que portam espada e escudo, machados, lanças, cajados, luvas de boxe, adagas, instrumentos musicais, pistolas, katanas e até mesmo uma frigideira quente. E cada arma vai se comportar com uma jogabilidade única, causando diferentes tipos de danos, diferentes raio de alcance para o dano, se mantém ou não o personagem suspenso no ar, se a arma causa algum efeito negativos no alvo, se possui um ataque mais ágil ou ataque mais lento e afins. Com isso o jogador precisa se adaptar a diferentes armas, e inimigos que são mais resilientes a certos tipos ou não de armas.
Somando as armas, cada herói tem um talento e uma bênção. O talento é atrelado a classe de personagem, como por exemplo, o Chef, que porta uma frigideira, sempre terá consigo o talento de um caldeirão que pode recuperar um pouco da barra de saúde. Da mesma forma como o Bárbaro terá um berro que congelará os inimigos ou o Pistoleiro que terá algumas bananas de dinamite que causará uma explosão em cruz. Cada classe tem seu talento único.
Diferente são as bênçãos, que mudam a cada descendente do herói. Essa bênção é basicamente uma magia, e que vai gastar a barra de mana do jogador sempre que for utilizada, enquanto os talentos normalmente recarregam após alguns segundos ou condições próprias. As bênçãos normalmente envolvem magias elementais, relacionado a fogo, gelo, veneno, vento ou eletricidade. Pode ser uma enorme raio que ataca horizontalmente, um círculo de fogo que ficará rodando em torno do herói, um escudo de vento que repele projéteis, uma nuvem de raio que ataca quem estiver embaixo dela, uma bola arremessáveis de veneno, ou uma orbe elétrica que se expande ao atingir superfícies e assim por diante. Bênçãos não estão atrelados as classes, então um Bardo pode ter uma bênção de fogo em uma partida, e em uma próxima encarnação sua bênção pode ser veneno, por exemplo.
Além da classe, do talento e da bênção, alguns heróis podem vir com traços únicos na tela de escolha de personagem, que sempre vai estabelecer uma nova partida. Estes traços tem a ver com o tal elemento genético que mencionei acima. Um personagem pode não enxergar cor, então a partida ocorrerá em preto e branco, tem também um traço em que ele irá enxergar em sépia, fazendo o jogo ter uma tonalidade de filme antigo amarelado. O personagem também pode ter um traço de vampirismo, e aí sempre que ele eliminar um inimigo, pode recuperar a saúde. Há traços que o permitirá voar de forma ilimitada, outros que vão mexer nos seus status, como lhe dar uma enorme barra de saúde, mas sem a possibilidade dele recuperar a mesma, da mesma forma que um traço vegano o fará passam mal ao comer carne e ao invés de recuperar vida, você perderá.
Há inúmeros traços loucos e bizarros, como não enxergar inimigos, os itens saírem voando, trocar as moedas do jogo por experiência, seu personagem ser um gigante, ou ser um anãozinho, causar mais dano, mas também tomar mais dano, não se possível ver sua saúde, ou não ver o dano causado, poder ver o mapa do jogo, ou então apenas os baús, ser muito leve e demorar a pousar após pular, ou então dar super saltos, ou poder voar, regenerar sua saúde mas sempre que tomar dano seu HP máximo vai sendo reduzido, seu personagem tem gases e frequentemente peida e assim por diante. Há muitos traços para ir se descobrindo a cada nova geração de heróis.
Recomeçar e sempre progredir
Com uma legião de diferentes personagens, com inúmeras opções de armas, traços, bênçãos e talentos, o jogador já possui uma diferenciação enorme sempre que precisar recomeçar suas partidas dentro da premissa de um roguelite, contudo Rogue Legacy 2 ainda apresenta um forte sistema de progressão, ao ponto do jogador ter sempre a sensação de que a cada novo herói, está ficando mais e mais forte.
A começar por um sistema de pontuação de experiência. Cada inimigo derrotado lhe dá XP e frequentemente seu perfil de jogador sobe de nível, independente de ter que recomeçar as partidas com novos heróis. Subir de nível tornará seus status um pouco melhor.
Entretanto o melhor sentimento de progredir pela aventura está na árvore de habilidades do jogo, que é ilustrada por meio de um castelo de herdeiros da família de seus heróis, simbolizando que a cada geração, esse castelo vai ganhando tamanho, conforme o jogador investe suas moedas em sua construção. Cada área é um upgrade permanente na sua linhagem de personagens.
É nessa árvore de habilidade, por exemplo, que se destrava novas classes de heróis, como ronins, cozinheiros, magos e afins. Aqui também se aumenta seu dano por ataque, sua vida, seu escudo de armadura (o que absorve parte dos danos recebidos), assim como NPCs que vão lhe dar novas opções de upgrades permanentes que ficam em um porto antes de sair em uma nova partida. Há inúmeros upgrades de diversos aspectos do jogo, como aumentar mana, ser mais eficiente no ataque giratório, melhorar seus ganhos em dinheiro, aprimorar lojinhas e assim por diante. Cada novo upgrade, mais moedas se tornam necessárias.
E moedas é algo que o jogador deve se atentar, pelo seguinte: morrer não lhe faz perder seus ganhos em partida. Tudo que se recolheu até morrer permanece com o jogador quando um novo herói for escolhido, e aí deve se gastar na árvore ou com os NPCs no porto. Isso porque quando se parte em uma nova jornada, o Caronte, barqueiro que te leva ao Reino, fica com todas as moedas que você estiver no bolso. Sim, todas! E aí tem que recomeçar a juntar novamente.
Conforme se progride, vai existir um meio de reter parte desse dinheiro. Há um destrave chamado Cofre-Vivo, e esse “personagem” (sim, ele está de fato vivo e conversa com o jogador), passa ficar com uma parte do dinheiro que o Caronte lhe toma sempre que uma nova partida começar. E aí tem diversos upgrades que auxiliam o cofre a poder acumular mais dinheiro, assim como a aumentar o percentual que ele retém do Caronte.
Quanto aos personagens no porto, preciso destacar alguns. O Ferreiro vai lhe fornecer equipamentos de armaduras que vão turbinar seus status gerais, a dependente de cada acessório. Contudo é preciso achar a planta destes equipamentos em baús aleatórios ao longo das partidas. Outra personagem é a Feiticeira, que oferece ao jogador Runas, que podem dar vantagens únicas, como recuperar um pouco de vida quando eliminar um inimigo, ou fazer as moedas magneticamente virem até você. Contudo a descoberta de runas é um pouco mais complicado, pois elas surgem apenas de baús especiais, que só podem ser aberto em mini missões, como eliminar inimigos ou atravessar percurso sem tomar dano. Mas vale a pena correr atrás de algumas runas, ainda que até mesmo sacrificando sua partida.
Outro NPC bem interessante é o Arquiteto, que permite que você repita o mapa da partida anterior, mas sob o custo de que parte das moedas coletadas na partida vá para ele. E a cada vez que você repete o mapa, maior é a taxa de comissão dele. Então imagine que você chegou a um chefe e morreu. Antes do chefe sempre tem um teleporte. Trave seu mundo e reinicie para uma nova partida. Com isso é possível ir direto ao chefe, sem ter que passar pelos mundos ou descobrir onde está a sala dele em um novo mapa.
Também é interessante a Garota da Pizza, que não tem nada a ver com pizza, mas que vai lhe permitir criar corta caminhos dentro de cada um dos mundos interligados do jogo. Basta pagar para ela certa taxa e será liberado um teleporte permanente na área inicial de cada área. Você a encontra na segunda área do jogo, um pouco antes de chegar ao chefe da área. Ao encontrá-la, dentro de uma porta em uma área superior, um diálogo será realizado e com isso ela passa a ficar no porto do jogo e aparecerá sempre na entrada de cada um das áreas do jogo.
Tudo isso auxilia muito a sensação de progressão dentro da aventura, ainda que o jogador siga morrendo e reiniciando o mundo, repassando pelas mesmas áreas, em layout diferentes, com novas salas e configurações do mapa. Você está sempre mais forte, sempre descobrindo novos segredos, sempre indo um pouco mais longe.
Quando estiver, por exemplo, na terceira área, já poderá notar que os inimigos da área inicial já estarão muito mais fracos de quando iniciou o jogo. Se anteriormente era preciso três a quatro golpes para eliminá-los, irá perceber que agora dá para derrotá-los em um ou dois golpes. E conforme se avança, essa sensação se reflete em todas as áreas iniciais. E quando mais avançado a área, melhor é o loot de moedas, mais forte estarão os inimigos. O jogo classifica o nível de dificuldade de cada área, permitindo que o jogador entenda a numeração de cada uma.
Aliás, apesar de ser acessível todas as áreas, independente de sua dificuldade, normalmente o jogador precisa vencer as áreas em uma certa ordem, afim de conseguir habilidade de movimento permanentes, que vão permitir o acesso as áreas avançadas. Seja um pulo duplo, uma deslizamento aéreo ou um quebra barreiras. Tem uma certa ordem a seguir, ainda que seja possível que o jogador tente quebrar essa ordem e avançar em áreas mais difíceis.
Os mundos também entregam mecânicas únicas. O inicial, por exemplo, é uma clássica masmorra labirinto, com diversas saídas e salas. O segundo é uma área horizontal, com o jogador sempre avançando da esquerda a direita. Na terceira é uma área de montanha, então subir se faz essencial. Na quarta, dois mini chefes guardam o salão do principal, sendo necessário encontrá-los. E assim por diante. Cada área tem suas regras, um design único e o jogador acaba encarando-as de maneira muito diferente.
Considerações finais
Rogue Legacy 2 é um jogo que surpreende, especialmente quem chegar a ele sem qualquer expectativa. No meu caso, apesar de conhecer o sucesso e a importância do primeiro título da franquia, não tive a oportunidade de jogá-lo, então senti que nesta sequência a curva inicial presumiu muito que entendia a fórmula do jogo. E não entenda isso como algo negativo, mas foi um processo de ter calma e entender todas as ferramentas que o jogo tem a oferecer, pois é muita coisa sendo apresentada, em um ritmo que pode assustar um pouco.
A bem verdade é que a aventura entrega uma ação e jogabilidade muito agradável, com bons cenários de combate, controles que respondem muito bem aos botões e ótimos desafios de plataformas integradas as batalhas. Entender o mapa, suas saídas e a progressão da aventura é bem intuitiva, e mesmo em novas partidas, fica fácil para o jogador entender para onde deve ir. As surpresas e desafios pelo caminho são um bônus.
Os inimigos são ótimos, e representam as muitas possibilidades de combate. Tem os que ficam no chão, e atacam ao chegar perto ou avançam ao lhe identificar, contudo os inimigos mais perigosos são os que podem voar e que atiram projéteis. Cada área tem novos inimigos, mas o jogo recicla com sabedoria muitos inimigos das áreas iniciais, com novos golpes e ainda mais fortes.
Os chefões são um show à parte, entregando uma alta dificuldade para derrotá-los, sendo que certas classes de heróis tem mais vantagens do que outras em alguns destes. Mas é tipo de combate que exige muito da memória muscular do jogador, exigindo que se recorde de seus ataques, faça o desvio e ataque no momento de abertura de sua defesa. Apenas ir pra cima, esmurrando botão, não leva o jogador a vitória. São realmente batalhas épicas.
Nos demais aspectos técnicos, Rogue Legacy 2 entrega gráficos incríveis, com um visual estilo desenho animado que é adorável, em contraste com a pixel art do jogador anterior, que dá mais vida ao mundo e personagens aqui presentes. Na parte de som, os efeitos sonoros casam bem com o jogo, assim como a trilha sonora agrada e não irrita, independente de como se repete as partidas. O som das armas nos inimigos é preciso e muito bem inserido na ação. A localização também é um show à parte, sendo que o fato de estar em nosso português dá uma acessibilidade muito maior ao jogador casual ou aos mais jovens, não habituados com idiomas estrangeiros.
Mas certamente o maior ponto forte desta sequência é expandir todos os elementos do jogo original, trazendo mais de tudo. Mais inimigos, mais áreas, mais armas, mais heróis, mais classes, mais possibilidades. Não é um jogo que está reinventando seu gênero, nem mesmo sua fórmula, e sim renovando e modernizando suas bases e premissas. A progressão é uma delícia, e esse é um pilar muito importante para a sobrevivência e longevidade de um roguelite.
Deixar o jogador preso no ciclo de repetição, sem que isso entedie, ou canse, ou frustre, o jogador é um ponto importantíssimo para o gênero a qual Rogue Legacy 2 pertence, pois é neste elemento que está a diversão por meio do empenho em ir mais adiante a cada nova partida. Um título que é muito fácil sentar no sofá para jogar algumas partidinhas e quando se dá por si, horas e horas se passaram. Pessoalmente eu perdi um sábado inteiro assim, sem sequer ter me dado conta. Estão cada vez mais raros os jogos que possuem esse “poder”. Ainda mais um roguelite, um gênero que tem estado bastante saturado nesta última década. Isso só demonstra que temos aqui uma joia rara, muito bem lapidada.
Galeria
Dando nota
Visualmente a sequência traz gráficos desenhados à mão que tornam ainda mais charmosos o mundo da franquia - 9.5
Sequência que segue a fórmula de adicionar mais do que já era bom, sem necessitar reinventar nada - 8.5
Muitas classes de heróis que entregam jogabilidade diversificada, que não enjoa ou cansa - 9.2
Bênçãos, talentos e traços completam as fichas que diferenciam as possíbilidades de inúmeros personagens do jogo - 9
Incrível senso de progressão na aventura, com uma bela estrutura de árvora de habilidades - 9.8
Mundo muito bem construído, com cada área com um estilo de progressão única - 9
Ótimo combate, assim como momentos de plataforma, bela seleção de inimigos e excelentes chefões - 9
9.1
Fantástico
Rogue Legacy 2 é uma sequência que entrega um copo cheio de diversão e desafio. Aposta na fórmula de adicionar mais elementos naquilo que já era bom, sem querer reinventar nada. Mais classes, mais perks, mais inimigos. Excelente chefes, áreas muito bem construidas. Novo estilo gráfico que é um show à parte, além de chegar por aqui localizado em português. Tem muito mérito de conseguir ser um roguelite a qual é fácil repetir ciclos de partidas, mas ainda sentir que se está progredindo pouco a pouco. Uma jornada imperdível.