Análise | Deathloop

Disponível para PlayStation 5 & PC

Deathloop é um envolvente jogo de gato e rato, repleto de armadilhas e artimanhas, em meio a poderes sobrenaturais, limitado a um loop temporal que lhe fará reviver o mesmo dia por dezenas de vezes. Quebre as regras, interrompa o ciclo. Seu despertar aconteceu agora em 14 de setembro, quando o título chegou ao PlayStation 5 e PC, e somente nestas plataformas (por enquanto).

A obra é mérito da Arkane Studios, também chamada de Arkane Lyon, mesmo estúdio que desenvolveu os excelentes jogos do universo Dishonored, assim como a versão de Prey de 2017. Muito elementos de Deathloop são característicos do DNA destas últimas produções do estúdio, que gosta dessa ideia de deixar o jogador brincar com as possibilidades dentro da jogabilidade. Faça como quiser, contanto que chegue ao resultado final.

Vale apontar que a Arkane é uma subsidiária da ZeniMax Media, que também é dona da Bethesda Softworks, que aqui atua como publisher deste lançamento. E tudo isso pertence atualmente a Microsoft, que adquiriu a ZeniMax em setembro do ano passado (finalizando a aquisição em março deste ano), colocando-a dentro do grupo que compõe a Xbox Game Studios. Eu sei, e você está querendo saber porque diabos Deathloop não está sendo lançado nas plataformas do Xbox.

O que ocorre é que a Sony já havia assinado um acordo de exclusividade temporária com a ZeniMax/Bethesda/Arkane para lançar Deathloop apenas no PlayStation 5. Durante a aquisição pela Microsoft, a mesma disse que honraria todos os acordos de exclusividades temporárias realizadas antes da compra dos estúdios. Não é muito diferente do caso de Psychonauts 2, da Double Fine, também adquirida pela Microsoft, cujo o lançamento acaba de sair nos consoles Xbox, mas também se manteve o acordo de lançá-lo nos consoles PlayStation. Nada de quebrar contratos então.

Entretanto, como no caso de Deathloop a exclusividade é temporária nos consoles, é certo que eventualmente o veremos nas plataformas Xbox. E espero com cross-platform no que diz respeito ao seu multiplayer, mas chegaremos nesse ponto, ainda é cedo para isso. Aguenta aí.

Quebre o ciclo

Entender Deathloop talvez não seja tão complicado quanto possa parecer. A começar qualificando seus atributos principais: um jogo de ação e exploração furtiva (porém nem sempre), com perspectiva em primeira pessoa, em ambientes que funcionam como arenas de múltiplos caminhos, deixando ao jogador a responsabilidade de tomar pequenas decisões em torno da condução da jogabilidade.

Em sua trama o jogador irá em um primeiro momento assumir o papel do personagem Colt Vahn, que acorda em uma praia, sem memória, sem pistas, sem saber aonde está e sem sequer conseguir lembrar de seu nome. Há aqui uma escolha de design e direção de arte que impacta o gameplay, juntamente ao enredo do jogo: Colt enxerga frases e palavras soltas pairando pelo ambiente, alertando-o de coisas que ele talvez não entenda, e muitas vezes nem mesmo o jogador.

Conforme os primeiros minutos da história avança, alguns pontos começam a ficar claros. Você está preso em uma ilha, com uma tal de Julianna Blake falando contigo via um transmissão de rádio. Ela zoa, faz chacota, mas acaba lhe convencendo a encontrá-la, só para no fim matá-lo! Antes de morrer, uma coisa bizarra: você é quase salvo por você mesmo. E então você acorda novamente na mesma praia, apenas com as recordações desta primeira morte a qual você, como jogador, presenciou.

Logo algumas certezas: você está preso em um looping temporal, revivendo sempre o mesmo dia. O jogador sempre irá retornar a essa praia quando morrer (por definitivo, e já abordarei isso) ou quando terminar o ciclo de 24 horas do jogo (que não é em tempo real ao nosso, e sim a exploração de 4 ambientes). Julianna estará sempre lhe pentelhando, armando para cima de você e, na medida do possível, tentando lhe matar.

Outro elemento presente no jogo são os poderes paranormais, aqui talvez baseados em alguma ciência ficcional, não são exatamente “paranormais”. Colt encontrará próximo a praia uma estranha placa que se fixará em seu braço e que lhe concederá poderes, inicialmente será apenas um salto duplo, mas eventualmente outras maluquices serão possíveis.

E então eis a sua missão: quebrar o ciclo, ou seja, parar o looping temporal. Colt não está nada feliz de ficar sendo escrotizado e morto por Julianna, e o outro Colt lhe diz para quebrar o ciclo, assim como as mensagens pelo mundo a qual você passa a enxergar. Mas como quebrar algo que você sequer entende como diabos está acontecendo? São estes os elementos entregues ao jogador ao iniciar Deathloop. Descobrir o resto dos elementos dessa trama fará parte da experiência e progressão pela campanha single player.

Invada e descubra

Pois, entendido o conceito narrativo, é chegado a hora de por em prática sua proposta em mecânicas e jogabilidade. Esta é uma outra camada em que Deathloop também se destaca. Veja bem, com essa premissa de looping temporal, é muito fácil pensar que o jogo segue parâmetros semelhantes a jogos considerados roguelike. Do tipo “morra e repita até ficar verdadeiramente bom“. Já vamos tirar isso da pauta, pois não é o que ocorre por aqui. Não em sua essência.

Sim, você vai morrer e revisitar várias vezes as quatro locações criadas para o jogo, mas nunca da mesma maneira, nunca sob o exato mesmo pretexto. Nesse ponto o jogo é surpreendentemente linear, sempre lhe indicando para aonde ir e o que fazer quando chegar lá. “Como ir” e “como fazer o que lhe é pedido” fica por sua conta, é nesse ponto em que sua jogabilidade é flexível.

A narrativa parte da premissa que você deve invadir estes quatro locais para ir descobrindo mais sobre o contexto a qual Colt se encontra, enquanto procura respostas para quebrar o ciclo, ou seja, você sempre terá uma meta do que fazer independente do ponto em que estiver na trama ou nos ciclos jogados.

Dou pequenos exemplos iniciais: vá até seu apartamento e verifique suas mensagens, afinal lá você pode descobrir mais sobre si mesmo e o que estava planejando antes de perder a memória. Ou então, vá até um laboratório secreto e entenda sobre uma pesquisa que pode lhe ensinar como manter certas armas ou habilidades ao morrer e reiniciar o ciclo na praia (o que é super útil). Isso não são ideias que o jogador irá ter por conta própria, mas são indicações que o jogo fará de forma automática e padronizada quando você estiver no momento certo da campanha para vivenciar isso.

Pra invadir os ambientes do jogo, Colt terá a mão um arsenal interessante de habilidades. Por padrão, na praia sempre haverá uma velha metralhadora SMG e munição o suficiente para encher completamente a quantidade em que pode carregar de balas. Antes de adentrar no território inimigo também irá encontrar um facão, perfeito para eliminar inimigos pelas costas, de forma sorrateira e sem ser detectado.

Outra parafernália bem bacana que Colt encontra no primeiro dia, e que descobre que ele mesmo construiu, ainda que não saiba como, é um aparelho que permite hacker alguns dispositivos eletrônicos, como torretas automáticas, configurando-as para atirar em inimigos, e também sensores infravermelhos de alarmes, a qual podem ser desligados, impedindo-o que os mesmos o detectem. Mas é claro que existe um raio de alcance do seu aparelho, não sendo possível estar a grandes distâncias destes sensores. Oh, e você também pode manipular rádios e outros eletrônicos para fazerem barulhos e atraírem os inimigos, tirando-os de sua rota ou criando uma forma mais fácil para se aproximar deles e assim eliminá-los.

Além disso Colt encontra a tal placa já mencionada, que lhe concede incomuns habilidades. Sua habilidade padrão, que pode ser obtida a cada novo ciclo, é a que permite um pulo duplo. Mais videogame impossível. Contudo em momento posterior a campanha, novas habilidade poderão ser equipadas em sua placa, como a de se teleportar para algum ponto a frente de sua visão, bem semelhante ao que é possível fazer em jogos do universo Dishonored.

Quer mais alguns exemplos de habilidades? Tem um em que você pode conectar a mente de todos os inimigos próximos, fazendo com que todos sofram o mesmo dado que você causar a qualquer um linkado. Matou um? Todos morrem. Outro lhe deixa em um modo fúria, reduzindo o dano recebido e aumentando significativamente o dano causado, saia correndo como louco, atacando a todos. Há também outro semelhante a telecinesia, a qual o jogador arremessa inimigos no ar, com a força da mente, lançando-os para o alto e violentamente trazendo-os ao chão.  Que tal ficar invisível? Também é possível. São apenas algumas das possibilidades encontradas dentro do jogo.

Com esse arsenal em mente, o jogador passa a explorar as locações do game. Podendo se esgueirar quando houver muitos inimigos reunidos ou então chegar metendo o pé (literalmente aliás), aproveitando muito da verticalidade do ambiente, tal como é característico dos jogos da Arkane. Suba em prédios, entre em vários edifícios (fique atento as janelas). Você faz o seu caminho para ir do ponto A ao B. Não seja detectado, seja detectado, desative alarmes, atraia inimigos, mande bala, use poderes… fica a seu critério.

E no geral a inteligência artificial do jogo é incrivelmente burra, talvez até de uma forma meio proposital. Em termos narrativos há uma justificativa, pois todos ali estão presos no ciclo temporal, então a morte não é nada para eles. Morrer significa apenas reiniciar o ciclo. Então isso não os tornam habilidosos adversários, apenas são um risco quando amontoados para descer o cacete em Colt.

Isso pode prejudicar a qualidade do combate de Deathloop? Em parte tive a impressão que sim, contudo o jogo parece muito mais interessado em lhe levar a uma narrativa em meio a um sistema de aquisição de novos itens, por meio de um sistema de loot (a qual já explicarei), que sempre lhe dará novas maneiras de brincar com esses adversários meio patéticos. E também tem a Julianna, mas também vou chegar lá. Aguentam aí.

Repita o ciclo, mas mantenha seu loot

Aqui entra uma outra mecânica que talvez seja o que dá a Deathloop o status de genial: aprender como manter seu loot entre os ciclos de morte. Antes disso é importante explicar que Colt também tem uma estranha habilidade que o permite morrer duas vezes antes de seu ciclo ser reiniciado. Ou seja, sempre que entrar em uma área, você pode morrer duas vezes antes de acabar o jogo e ter que recomeçar a missão novamente.

Quando Colt morre, o jogo rebobina para alguns segundos, levando o jogador a um ponto fora da ação. Deixando-o escolher se volta a entrar no confronto a qual morreu ou escolher outra tática de abordagem. Certamente é uma habilidade que facilita e muito a vida do jogador. E não serve apenas para combates. Subiu em um lugar alto demais e caiu de lá? Isso também pode causar a morte de Colt. Não percebeu uma torreta escondida na área? Ou uma mina terrestre? Há muitos meios de Colt morrer de surpresa dentro do jogo. Nem sempre será pela reunião de inimigos contra um só jogador.

Mas vamos lá. Após certo ponto da história, Colt aprende como manter certas habilidades e armas ao final de cada ciclo. Para isso ele precisa coletar uma energia temporal espalhada em objetos que brilham de uma jeito estranho no cenário ou eliminando inimigos que possuem esse mesmo brilho. Ao fazer isso ele pode infundir essa energia em uma arma ou habilidade, e assim ganhar o direito de tê-la nos próximos ciclos. Legal, não?

Aqui tem o pulo do gato. Não dá para infundir tudo que você curtiu logo de cara. A quantidade de energia é massiva, e você tem 4 expedições de áreas antes do ciclo encerrar. É preciso decidir quais são os melhores equipamentos do ciclo e escolher o que é melhor preservar. Uma boa notícia: todo equipamento que você decidiu não manter, também pode ser desconstruído para virar esse energia que você precisa para infundir equipamentos.

Então se faz necessário entender o inventário do jogo. Na hora da ação, Colt tem algumas limitações do que pode carregar. Não é possível, por exemplo, manter guardado para si kits médicos, ainda que eles estejam por toda parte do cenário. Pode usar para se curar se tiver tomado dano, mas não dá para manter um de reserva. Armas? Colt pode carregar apenas três, precisando se desfazer de alguma caso encontra outra melhor.

Falando em armas, importante também entender que elas possuem categoria de raridade, nos moldes de jogos como Destiny. Sabe aquele padrão de cores? Cinza comum, azul raro, roxo lendário e afins. Deathloop não escapou disso. Sua SMG padrão é uma porcaria, com alta possibilidade de travar quando utilizada, levando um tempo grande para destravar. Por isso explorar o combate, recolher armas de melhor qualidade é um dos objetivos do jogo quando se aprende a manter as coisas a cada ciclo.

E então temos o momento de preparação antes de adentrar em um ambiente e realizar a missão ali incumbida. Esse menu de preparação é um pouco intimidador inicialmente. Lá o jogador pode escolher três armas (se tiver já conseguido infundir algumas boas opções) antes de começar uma área, mas também os perks que cada arma pode ter. Como redução de coice ou um espaço maior para munições. E qual é a destes perks?

Ao longo da exploração, e do combate em si, inimigos derrubam pequenos disquetes de perks, pequenos discos de vantagens, a qual o jogador pode equipar dentro do mesmo ciclo, antes de iniciar uma nova missão. Estas vantagens são vastas e tem mil e uma utilidades, e não só para as armas. Há vantagens que podem ser conectadas ao próprio Colt, como uma habilidade. Perks para reduzir dano, melhorar a eficácia dos kit médicos, dar melhor precisão as armas, cair de grandes alturas e levar um menor dano afim de impedir de morrer e assim por diante. Estes perks também podem ser infundidos para persistirem após o ciclo.

Armas podem ter até três slots de perks, enquanto Colt tem quatro slots de perks, sendo que o de salto duplo é um perk roxo (pois é, também há grau de raridade aqui). A habilidade morrer por duas vezes vem da placa especial em seu braço, e é um “perk” diferente, sendo que sua placa tem mais espaço para mais dois destas habilidades maiores.

Ficou meio complexo agora, não? Tantos slots. Contudo nas horas iniciais da campanha, o jogador não terá tanta coisa para conseguir preencher todos estes locais. E quando já tiver itens o suficiente, certamente já terá entendido bem os propósitos de cada espaço. Mas este seria o inventário de Colt, acessível por meio de sua preparação prévia antes das expedições atrás das missões de história. A cada uma das 4 chances que você tem antes do fim de um ciclo, é possível customizar essa preparação.

Convém então explicar porque quatro chances antes do ciclo encerrar e Colt voltar àquela praia inicial. São os ciclos do dia: amanhecer, meio dia, entardecer e noite. Importante entender isso porque existem missões que exigem o momento certo do dia para ser executada, isso ocorre porque cada uma das quatro arenas do jogo mudam pequenas coisas a cada momento do dia.

Então em um local que pela manhã não tenha muitos inimigos em uma praça, pode estar cheia deles quando visitada à noite. Outra questão: os principais chefes do jogo, a qual Colt deve derrotar, também mudam de ambiente e fazem coisas diferentes em áreas diversas dentro dos quatro períodos do dia. Estudar seus movimentos, o que fazem e para onde vão, faz parte das missões de progressão.

É um elemento interessante porque dá um elemento surpresa ao jogador, que precisa entender a configuração de uma região em quatro composições diferentes. Enquanto a história dessa região também é contada nos quatro períodos do dia.

As pistas de Colt

É impossível falar de Deathloop sem pensar em outras duas obras da Arkane: Dishonored 2 e Prey. O primeiro foi aclamado pela crítica em sua época, sendo considerado um fantástico jogo, graças a uma bem bolada trama, com personagens carismáticos e um excelente desenrolar narrativo. Somado claro a uma incrível jogabilidade, que dava liberdade ao jogador em momentos críticos, mas sem nunca perder o fio condutor de seu enredo.

Já Prey também recebeu seus elogios, em menos quantidade a meu ver, porém justamente pelo inverso de Dishonored 2. Aqui o sucesso foi a proposta de entregar um playground espacial, a qual o jogador poderia explorar de uma forma muito aberta, cumprindo objetivos em diversas ordens e que entregava mais de um final possível a sua aventura. Contudo foi exatamente essa liberdade exacerbada que também trouxe algumas críticas ao título, que deixava o jogador por tempo demais sem foco, perdido em um ambiente que constantemente o hostilizava e o impedia de uma exploração 100% livre.

Deathloop vem para contrabalancear estes opostos. Sua liberdade em termos de jogabilidade não é tão livre quanto em Prey, entretanto sua narrativa também não é tão fechada e auto focada quando Dishonored provou ser. É um meio termo entre ambas as dosagens, e isso também tem suas vantagens e desvantagens.

A liberdade que o jogador tem em Deathloop vem naquilo que já abordei: suas escolhas de como agir tem determinados momentos de jogabilidade. Como se aproximar de um ponto, de qual ponto invadir, como estudar diferentes abordagens para uma meta auto guiada. Não há exatamente muitas escolhas morais ou caminhos alternativos que levem a soluções muito diferentes aquela que os desenvolvedores planejaram para Colt.

Por outro lado, a narrativa também se compromete diante de certas decisões. Isso se dá porque os desenvolvedores optaram por fragmentar o enredo do jogo em diferentes elementos. Há as missões, as pistas que o guiam para um final, porém muito dos elementos narrativos que contextualizam esse mundo, seus personagens principais, como Colt, Julianna e oito alvos importantes para o desfecho da campanha, estão em documentos espalhados pelos ambientes, sem seus quatro padrões de horário do dia/noite.

E um detalhe: encontrar um documento não pausa a ação do game, o que obriga o jogador a fechar o documento rapidamente, resolver o conflito da ação, e depois lembrar de voltar a um emaranhado de docs que ficam a sua disposição no menu de pausa. Quebra um pouco o ritmo para acompanhar sua narrativa, sem mencionar que nem sempre a ordem de documentos e informações farão sentido ao jogador até que o mesmo reúna tudo ou não tenha perdido algo. Contextualizar a trama dessa forma é complicado a meu ver.

Claro que dá para ignorar esse elemento textual e seguir a trama apenas com os diálogos bem humorados, cheio de trocas de farpas entre Colt e Julianna. Dá para aprender mais sobre os alvos apenas sendo guiado pelas missões, mas nem sempre esse é o ideal. Por exemplo, dentre as primeiras missões da campanha, encontrei um áudiolog muito importante que explicou um pouco o tempo em que as pessoas estão presas no ciclo e o porque curtem isso, vindo de uma das principais pesquisadoras do evento. Não era minha missão encontrar esse áudio, e sequer estava exatamente em um caminho óbvio de ser encontrado. Foi ocasional, mas achei de suma importância para melhor entender um pouquinho mais desse contexto maluco a qual Colt se meteu.

O que ocorre é que o sistema de pistas, que levam a descoberta de missões é interessante, incentiva o jogador a explorar com calma certos ambientes, certos momentos do dia, mas ainda assim não oferecem coisas secundárias que ditam o rumo do roteiro. Muitas vezes apenas oferecem pequenas recompensas, como boas armas e perks legais, entretanto podem passar desapercebido pelo jogador. E isso compromete um pouco a construção narrativa.

Também me desagrada, por exemplo, a solução única do final da campanha. Há três finais, mas todos ocorrem em um mesmo momento do fim, passível apenas de uma decisão do jogador. A investigação até essa missão final pode ocorrer de algumas maneiras diferentes, contudo a missão final é sempre igual, após ter descoberto as principais pistas que o jogo te guia a descobrir (não é mérito de sua dedução). Ou seja, reafirmando: fica naquele meio termo de te dar liberdade demais e de não te deixar fugir demais de um guia narrativo.

E devo admitir que essa aspecto do jogo me divide, pois a partir do ponto em que descubro que tenho que alinhar um certo evento complexo para quebrar o ciclo, a qual não vou dizer aqui, me pego descobrindo que o jogo não vai me deixar pensar depois para essa meta, me dando pistas demais de como começar esse processo. Nunca tive a real sensação de que o jogo parou de pegar na minha mão. Ele aponta e diz: “vai pra lá brincar, que depois lhe digo o que você vai fazer a seguir“. Minha impressão é que o jogo não soube balancear direito essa liberdade, a fim de evitar a frustração do jogador que não saberia o que fazer diante de uma tarefa complexa demais.

Multiplayer com Julianna

Até aqui contextualizei Deathloop apenas sobre a perspectiva de seu single player, contudo essa análise estaria incompleta se eu não abordasse um outro aspecto do jogo, que é seu multiplayer e como o mesmo obrigatoriamente irá integrar sua experiência single player. Ou seja, não é algo totalmente à parte da campanha, e sim algo que a complementa e possivelmente torne o título tão criativo e atrativo.

Veja bem, a ideia de uma campanha single player com elementos multiplayer não é exatamente algo novo. Posso citar Watch Dogs 2, da Ubisoft, a qual veio com essa ideia de deixar um jogador invadir o mundo do outro afim de roubá-lo e causar baderna. Deathloop tem exatamente esse conceito, e aqui sob a premissa da rival de Colt, a maliciosa Julianna.

Funciona da seguinte maneira, durante as missões de campanha, um alerta de invasão ocorre, avisando o jogador que Julianna chegou na área para caçar Colt, afim de evitar que ele cumpra seu objetivo. E essa Julianna pode ser apenas a CPU do jogo ou então um jogador real, que vai lhe rastrear e tentar matá-lo! Não só isso, mas a saída da fase é trancada, sendo necessário que Colt use seu aparelho de hack para destravar uma antena que está bloqueando as trancas digitais da saída.

Esse conceito da tranca do mundo, que o impede de concluir a missão, é bem interessante. Isso porque Julianna não sabe aonde Colt está, seja a CPU ou um jogador real. Ela não tem nenhuma habilidade para enxergar seu alvo, então se Colt não estiver claramente visível em algum lugar, é uma boa ideia ficar próximo a antena que precisa ser hackeada, pois eventualmente o jogador vai precisar ir até ela para fugir da fase.

Além disso Julianna não é uma entidade incrivelmente poderosa. Pelo contrário. Lembre-se que Colt pode morrer duas vezes, enquanto que a Julianna tem apenas uma. Quando se consegue matá-la, ela não volta mais nesta missão em que você estiver realizando. Não é uma parada chata de jogador atrás de jogador entrando em uma mesma missão e te impedindo de progredir. É pontual e oportuno estes momentos.

Do lado da Julianna, o jogador possui algumas habilidade iniciais diferente de Colt. É possível, por exemplo, se camuflar como um inimigo NPC, dando o visual de Julianna a outro NPC. A melhor arma do jogador como Julianna é o elemento surpresa. Encarar Colt de frente nem sempre é uma boa ideia, pois jogadores no papel dele normalmente possuem boas armas e habilidades. Julianna tem apenas uma vida e sua barra de saúde se esvazia tão rápido quando a de Colt. Se o jogador for morto e rebobinar, ela saberá exatamente onde Julianna está e facilmente consegue se vingar, eliminando-a da partida.

Percebe como a dinâmica dessa proposta é legal? Tendo em mente que os inimigos são bem burros, ter um jogador real lhe caçando dá um certo desafio e tensão a campanha. E se houver algum momento em que você não estiver afim dessa tensão ou pressão, basta desligar a opção de permitir jogadores aleatórios invadir seu jogo (e aí apenas amigos da sua lista poderão fazer isso). Claro que mesmo desligando a opção mais ampla, a CPU ainda pode usar a Julianna e invadir seu jogo, ainda que tal como os demais inimigos, a Julianna controlada pelo próprio game não seja lá tão inteligente.

Agora do outro lado dessa premissa, controlar Julianna e invadir o jogo de outras pessoas é tão legal quando o modo single player com Colt. Os desenvolvedores criaram todo um sistema de ranking e pontuação de nível no aspecto do multiplayer de Julianna, que você se sente instigado a jogar diversas vezes com a personagem.

Diferente de Colt, Julianna ganha experiência e sobe de nível. A cada nível, novos perks, armas e habilidades são destravados. Ou seja, quanto mais você jogar com a Julianna, mais recursos terá para tentar derrubar os jogadores no papel de Colt. Meu único lamento é que a trama sob a perspectiva de Julianna não tenha muita exposição, tirando uma curiosa introdução ao iniciar esse modo pela primeira vez, a qual vemos ela interagindo com ela mesma.

Existe uma outra vantagem de jogar com a Julianna, em paralelo ao estar jogando a campanha de Colt, e que talvez você deva considerar: Julianna pode explorar todas as locações do jogo livremente, sem que armadilhas ou NPCs a ataquem. É uma ótima forma para aprender rotas e atalhos dentro de cada área, algo que com o Colt nem sempre é tão tranquilo assim. Isso é claro, se o jogador no papel de Colt não lhe ver explorando e sair para lhe atacar, o que normalmente não ocorre, pois os jogadores preferem se esconder de Julianna, justamente por não saber em que nível ela pode estar e nem quais habilidades possuir.

Esse conceito de gato e rato de Deathloop talvez seja um dos elementos mais divertidos do jogo. Essencialmente porque foi muito bem balanceado para ambos os lados, seja de quem invade quanto de quem é invadido. Julianna nunca parece forte demais frente a Colt e vice-versa. Não é um elemento que estrague ou frustre demais qualquer um dos lados dessa proposta.

Jogar com Julianna tem toda uma estrutura de recompensa, fortalecendo a personagem e dando um escopo maior ao jogador das áreas e rotas de cada área. Você aprende mais os segredos de cada ambiente explorando com ela, enquanto também percebe que no papel de Colt, não há tanto o que temer assim, exceto se pego pelas costas. E se for, ok, faz parte da brincadeira. Melhor sorte na próxima. Para um jogo com um desafio bem tranquilo, ter esse fator de uma pessoa real lhe caçando, é realmente bem vindo.

Considerações finais

Deathloop é um título de excelentíssima qualidade, como esperado dos atuais projetos da Arkane Studios. Mantém em muito o DNA do estúdio. Não consigo enquadrar como o melhor jogo da casa, isso porque realmente gosto muito de Dishonored 2, pelo envolvente universo proposto e seu enredo. Difícil compará-lo também com Prey, pois este ainda que não seja meu favorito, ainda é uma proposta incrível de ficção especial. Deathloop é, no mínimo, criativo e singular, algo especial sem dúvida alguma.

Certamente é um jogo que, neste momento, enaltece e muito a biblioteca de jogos exclusivos do PlayStation 5, mesmo que tenha uma versão para PC, no console da Sony há uma experiência ainda mais interativa e imersiva graças ao controle Dualsense. Os gatilhos de pressão funcionam muito bem quando se utilizado para o combate com armas de fogo, se tornando mais rígidos quando necessários pressioná-los. Pra mim a melhor função ainda é a caixa de som no controle, além de transmitir efeitos sonoros, todos os diálogos da Julianna para o Colt saem direto pelo controle. Claro que se você está em um ambiente em que precisa de silêncio, pode desligar essa opção nos menus e deixar o som sair baixinho em sua TV.

Contudo posso tecer uma crítica quando ao matchmaking do multiplayer, pois as vezes não é tão rápido encontrar partidas de invasão com Julianna, ao menos no PS5, versão a qual testei. O jogo acha, mas leva preciosos minutos para isso acontecer. Dito isso, seria ideal que Deathloop tivesse cross-play entre PS5 e PC, e até mesmo com outras plataformas a qual o jogo possa vir a ser lançado. Neste momento do lançamento, não há qualquer plano para ativar o cross-play. E seria importante que houvessem.

Outro ponto ainda não abordado diz respeito a seus gráficos e sua direção de arte como um todo. Visualmente o título é muito bonito, mas ainda não são aqueles gráficos próxima geração, a qual inclusive o PS5 já provou conseguir entregar com o novo Ratchet & Clank. A arte do jogo segue muito a identidade do estúdio, que aqui brinca bastante com um retro anos 60, mas com tecnologia meio futurista. Acho bonito, mas nem sempre impressiona, contudo acho interessante a ambientação se passar em uma ilha, a água em torno da mesma ter sinais de solidificação polar. Tem certos pontos do jogo em que esse efeito é muito bem feito mesmo.

Também não mencionei, mas Deathloop está totalmente localizado em português do Brasil, inclusive dublado em nosso idioma, com ótimas vozes para os personagens, Colt está demais, além de todos os textos de docs e menus explicativos estarem muito bem traduzidos para nossa língua. Um elemento que a Bethesda tem investido com mérito em nosso mercado e que tornam seus títulos acessíveis aos jogadores, sem qualquer imposição de barreira linguística.

Quanto aos aspectos gerais, abordados ao longo desta análise, reforço que o gameplay é realmente bem executado. É uma proposta interessante, em meio a um mundo meio fora de realidade, com personagens caricatos, porém interessantes. É um videogame em sua linguagem mais pura. O que não deve ser visto como um ponto negativo.

As mecânicas apresentadas são interessantes, sob o pretexto de um looping temporal que cria cenários com quatro momentos distintos de um dia, coloca o jogador para pensar a respeito de seus equipamentos e habilidades, afim de preservar seus melhores. Os menus e todas as mecânicas podem ser confusas inicialmente, e por isso o jogo tem uma longa curva inicial, mas quando tudo clica e faz sentido, a sensação é muito recompensadora.

Apenas fico dividido na questão de como a condução da campanha se dá, por pistas teleguiadas, sempre com a impressão de que o jogo está pegando na sua mão, e lhe dando uma liberdade parcial. Há lacuna para inventividade e iniciativas, mas o fio condutor nunca é perdido, inclusive com um mesmo resultado final a todos os jogadores no que diz respeito a jogabilidade. Você tem a liberdade para curtir a jornada, mas não em como ela precisa ser concluída. Respeito, mas não consigo dizer que morro de amores com isso.

Seu diferencial na questão do multiplayer integrado ao single player é uma fantástica abordagem. E foi muito inteligente os desenvolvedores darem um sistema de pontos e experiência a Julianna, pois incentiva os jogadores a repetir sessões online, afim de ganhar novas armas e habilidades. Tem aquela aptidão necessária dos jogos online, porém mais simplificado, que lhe mantém ali por algumas partidas, mas sem exagerar demais. É uma boa brincadeira para os intervalos entre a campanha solo de Colt. Não é algo para se fazer apenas quando a campanha acabar, e sim para se intercalar, jogando um pouco de cada.

O que posso concluir de Deathloop é que não se trata de uma obra perfeita, mas certamente é criativa, em certo ponto ousado, e tremendamente divertida. Tem esse conceito de parque de diversões, tão presente nos jogos da Arkane, dando liberdade para o jogador realizar ações como bem entender, e para isso, existe muitas concessões aqui, como uma Inteligência Artificial mais tranquila, que não vai lhe surrar só porque você não quis ficar atrás de um caixote esperando uma boa oportunidade. Diante de tanta coisa igual na atual indústria, Deathloop está tentando algo diferente, mais focado em sua diversão como um entretenimento eletrônico, e consegue um ótimo resultado sob tal perspectiva. Quebre o ciclo, ou impeça que Colt o faça! Você decide.

Galeria

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Dando uma nota

Contexto narrativo bem casado com seu conceito de jogabilidade - 9.5
Revisitar os ambientes faz parte da proposta, e o jogo lida muito bem com isso sem se tornar enjoativo - 8.8
Dualsense no PlayStation 5 oferece uma imersão singular por seus gatilhos, vibração e efeitos sonoros - 9
Progressão da campanha single player muitas vezes é auto guiada demais, sempre pegando na mão do jogador - 7.5
Multiplayer online integrado ao single player é genial e altamente divertido - 9
Divertido explorar, sempre instiga o jogador a procurar novas armas e habilidades - 8.5
Perfeitamente localizado em português, dublagem em nosso idioma está excelente - 10

8.9

Ótimo

Deathloop é um jogo cheio de qualidade, com muita criatividade envolvendo em sua proposta. Não lhe falta carisma na dupla protagonista, com muito humor e tiradas entre ambos. A experiência single player muitas vezes não dá a liberdade que o jogador pensa que terá, mas ainda há muita flexibilidade nesse aspecto, e o multiplayer online que integra essa experiência é fantástico. Talvez não seja o trabalho mais impressionante da Arkane Studios, mas ainda mantém o alto padrão de qualidade conquistado pelo mesmo. É videogame em seu conceito mais puro: jogue e se divirta.

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